segunda-feira, 30 de agosto de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O Brasil está secando

O Estado de S. Paulo

Do atual governo não se pode esperar nada positivo. Políticas ambientais propositivas deveriam estar no centro dos debates para as eleições de 2022

O Brasil está secando. Segundo o projeto MapBiomas, que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia, nos últimos 35 anos o País perdeu 16% da superfície de água e as queimadas atingiram 20% do território nacional.

Dois terços do fogo ocorreram em áreas de vegetação nativa. Cerrado e Amazônia concentram 85% da área queimada ao menos uma vez.

O padrão do fogo evidencia a relação com causas humanas. Entre 1985 e 2020, 61% das áreas afetadas foram queimadas duas vezes ou mais. No caso da Amazônia, 69% das áreas afetadas queimaram mais de uma vez; 48% queimaram mais de três vezes. A Amazônia, advertiu a coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar, “é uma floresta úmida, o fogo não faz parte do seu regime natural, mas temos visto esse avanço puxado por fatores como o avanço das áreas de pastagem”.

Desde 2004, quando o desmatamento na Amazônia atingiu o pico das duas últimas décadas, ou 27,8 mil km², o País o reduziu expressivamente – ainda que insuficientemente –, chegando ao menor índice da série histórica em 2012: 4,6 mil km². Mas nos últimos dois anos o desmate se acelerou.

A perda de água é em certa medida mais preocupante, porque desde os anos 90 a desidratação é quase contínua e nos últimos 10 anos se acentuou, revelando que as crises hídricas deverão ser mais recorrentes e intensas. “O que assusta é a tendência de longo prazo. Cada vez que temos um ano de seca mais forte, o País pode se recuperar um pouco depois, mas parece que não consegue voltar ao patamar anterior”, disse o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo. “Nesse ritmo, vamos chegar a um quarto (25%) de redução da superfície de água antes de 2050.”

A primeira das causas apontadas são as mudanças climáticas, que tendem a acentuar dois extremos: estiagens mais longas e extensas e chuvas mais curtas e intensas. “Chove muito, de forma concentrada, a água escorre e vai embora.” 

Outro fator está ligado à expansão das fronteiras agrícolas. O aumento das represas em fazendas provoca o assoreamento e a fragmentação da rede de drenagem, desencadeando um ciclo vicioso: “Estas represas privadas tiram água do curso natural. Menos água, menos evapotranspiração das árvores da floresta, o que causa menos chuva, e mais seca. E para combater a seca”, conclui Azevedo, “mais reservatórios privados”.

Por fim, o desmatamento, sobretudo na Amazônia, está reduzindo, a um tempo, as chuvas e o efeito esponja das vegetações nativas, ou seja, a capacidade de absorver a água no solo e liberá-la aos poucos.

O Pantanal é o maior emblema da correlação nefasta entre queimadas e desidratação. Mato Grosso – que abriga Amazônia, Cerrado e Pantanal – é o Estado com maior área afetada pelo fogo e o segundo em perda de água, atrás apenas de Mato Grosso do Sul. Comparativamente, o Pantanal foi o bioma que mais queimou nas últimas três décadas – 57% de sua área queimou ao menos uma vez – e também foi o que mais secou – 74% de sua superfície aquática foi perdida. É outro ciclo vicioso: menos água deixa a matéria orgânica no solo mais vulnerável ao fogo. Mais fogo elimina a vegetação fundamental para proteger a nascente dos rios. Em 2020, o Pantanal registrou o recorde de queimadas, e neste ano já atingiu o mesmo patamar de área destruída até o mesmo período do ano passado.

Todos os biomas estão conectados; a degradação ambiental hoje está conectada à perda de capacidade agrícola amanhã; e as causas dessa degradação também estão conectadas. No caso das queimadas e da desidratação, entre as três causas, as mudanças climáticas, as interferências nos mananciais e o desmatamento, a primeira é mais difusa e global. Já as últimas podem ser contidas imediatamente com políticas públicas enérgicas. Aprimorar a regulamentação e fiscalização das represas privadas é indispensável. Mas o maior freio é a repressão ao desmatamento ilegal.

Do atual governo não se pode esperar nada positivo. O melhor a fazer é um esforço de contenção de danos. Mas políticas ambientais propositivas deveriam estar no centro dos debates para as eleições de 2022.

A asfixia orçamentária da ciência

O Estado de S. Paulo

Redução do volume de recursos comprometerá desempenho econômico e a geração de empregos

Criado há mais de cinco décadas para fornecer análises e subsídios destinados a orientar a formulação da política econômica do Poder Executivo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) acaba de publicar um estudo que confirma o desprezo do governo Bolsonaro pela ciência.

Segundo o trabalho, realizado pela economista Fernanda De Negri, no ano passado a União investiu em ciência um volume de recursos inferior ao que destinou em 2009. Apesar da importância das pesquisas científicas num período de pandemia, em 2020 foram repassados R$ 17,2 bilhões, ante R$ 19 bilhões em 2009, em valores corrigidos pela inflação. 

A redução do volume de recursos para a ciência atingiu órgãos estratégicos, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Além disso, há cinco meses o governo Bolsonaro desrespeitou uma lei complementar aprovada pelo Congresso, que impede o bloqueio de recursos de fundos que financiam projetos de desenvolvimento tecnológico. Essa lei havia sido aprovada semanas antes pelo Congresso após pressão da comunidade científica. Entre os problemas causados pela aversão do governo à ciência destaca-se, por exemplo, o recente colapso da plataforma Lattes, do CNPq, que reúne informações sobre os trabalhos realizados por todos os pesquisadores brasileiros. Outro problema foi o corte de bolsas de pós-graduação no Brasil e no exterior, que atingiu mais de 2 mil cientistas com projetos já devidamente aprovados pelo CNPq. 

A redução de recursos também dificultou a atuação da Capes, órgão encarregado da avaliação do sistema brasileiro de pós-graduação, cuja meta é formar 10 mil doutores por ano. Igualmente, ameaça paralisar o supercomputador Tupã, do Inpe, responsável por previsões de tempo e clima, monitoramento de queimadas e emissão de alertas climáticos. E ainda afetou o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Apesar de o CNPq, a Capes e o FNDCT responderem por 40% de todas as verbas da União para a ciência, seus recursos orçamentários vêm diminuindo e, além disso, sofrendo contingenciamento. Ou seja, o CNPq, a Capes e o FNDCT perdem recursos e o que sobra ainda demora para ser repassado. 

“Isso tem um forte impacto do ponto de vista da formação de ciência, o que afeta nossa capacidade de produção do conhecimento”, diz Fernanda De Negri. “É uma sabotagem ao desenvolvimento. Precisamos urgentemente de uma política científica que aponte o futuro. A fixação em limitar gastos com ciência a qualquer preço limita o crescimento do País a longo prazo”, afirma o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich. 

De fato, o desprezo do governo Bolsonaro pela ciência terá um custo alto para o País – a começar pelo fato de que leva à perda de competitividade da economia brasileira num momento em que as disputas no comércio mundial são cada vez mais acirradas. Esse desprezo também nega ao poder público informações estratégicas para a formulação de projetos de planejamento destinados a assegurar a inserção das novas gerações no mercado de trabalho. E ainda agrava o problema da “fuga de cérebros” – a saída do País de pesquisadores que, apesar de terem se pós-graduado com financiamento público, não encontram condições de trabalho em suas áreas de especialização. Eles vão trabalhar em países desenvolvidos que não investiram um centavo em sua formação.

Esse cenário de desmanche da pesquisa científica e tecnológica brasileira é o preço que o País está pagando por ser dirigido por um presidente da República que, além de ignaro e tempestivo, é um negacionista da ciência. 

O falso rigor da Lava Jato

O Estado de S. Paulo

É constrangedor constatar que o único político que continua preso seja Sérgio Cabral

No início de agosto, o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região manteve a prisão preventiva de Sérgio Cabral, em processo decorrente da Operação Eficiência, um dos desdobramentos da Lava Jato. Na ação, o ex-governador do Rio de Janeiro é acusado de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

A situação processual penal de Sérgio Cabral tem características superlativas. Condenado em primeira instância em duas dezenas de processos, o ex-governador carioca recebeu penas que totalizam mais de 392 anos de prisão. No entanto, mais do que um paradigma, o caso de Sérgio Cabral é uma exceção. Ele é hoje o único político preso pela Lava Jato. Todos os demais políticos envolvidos em alguma fase da Lava Jato estão soltos.

A situação é estranha. Depois de tantas fases, escândalos, denúncias e delações, o único político preso na Lava Jato é o ex-governador do Rio de Janeiro. Fazer essa advertência não significa pedir punições generalizadas a políticos ou pleitear uma aplicação da lei penal alheia às garantias individuais.

Trata-se de reconhecer que, apesar de todas as interpretações extensivas por parte do Ministério Público e muitas vezes da própria Justiça, a Lava Jato foi incapaz de fazer com que políticos que cometeram crimes cumprissem suas penas atrás das grades. Sérgio Cabral é rigorosamente uma exceção que confirma a regra.

Sob o pretexto de combater a impunidade, a Lava Jato abandonou várias vezes o caminho escorreito do processo penal, com suas estritas garantias. Tolerou-se o que não se devia tolerar sob o argumento de que era preciso um pouco de flexibilidade para levar adiante a empreitada de passar o Brasil a limpo. O discurso era de que, diante de um objetivo tão importante, não se podia pôr empecilhos ao trabalho do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Agora, tem-se a dimensão do resultado da Lava Jato em relação aos políticos: Sérgio Cabral, apenas ele, está preso.

Entre outros aspectos, essa inusitada situação – apenas um único político preso na Lava Jato – deve suscitar uma reflexão sobre os custos e os benefícios para a sociedade do modo como o Ministério Público utilizou a delação.

A colaboração premiada é um instrumento negocial com o qual, em troca de uma pena mais leve para o colaborador – a sociedade abre mão de puni-lo com todo o rigor –, se consiga desvendar e punir outros e mais graves crimes. Pela própria natureza negocial da delação, não existe uma fórmula mágica capaz de identificar perfeitamente quando se deve ou não utilizá-la.

Por isso, a reflexão sobre o resultado das delações na Lava Jato, com o consequente aprendizado, é tão importante. Ainda que não se tenha uma regra pronta, existe um critério fundamental. A colaboração premiada não deve ser meio para ampliar a impunidade, e sim para aumentar a eficiência da persecução criminal.

Após as muitas descobertas sobre relações espúrias entre estatais, empreiteiras e políticos, é no mínimo constrangedor constatar que o único político que continua preso seja Sérgio Cabral. Não parece que a sociedade, em seu legítimo interesse de que os crimes não fiquem impunes, tenha sido beneficiada com a realização de delações à baciada, tal como ocorreu na Lava Jato. A relação de troca existente na colaboração (indulgência em relação a algumas penas versus persecução e punição de outros e mais graves crimes) não se mostrou especialmente vantajosa para a sociedade. 

Nos Estados Unidos, a promotoria está sujeita ao controle popular. Seus cargos são, em geral, preenchidos por eleição. Depois de um resultado assim pífio, dificilmente os promotores seriam reconduzidos a suas funções. Eles têm o poder de negociar penas via delação, mas respondem por isso.

No Brasil, o Ministério Público ganhou poderes com a delação, mas suas responsabilidades continuaram as mesmas. Tal desequilíbrio é mais um efeito da importação, sem os devidos cuidados, de um instituto de outro sistema jurídico, com pressupostos e regras diferentes dos daqui. Não surpreende que os resultados sejam frustrantes.

Golpes com criptomoedas preocupam

O Globo

À medida que notícias sobre criptomoedas saem da seção de economia e negócios e entram na policial, fica mais clara a necessidade de regulação mais eficaz. Na última quarta-feira, a Polícia Federal (PF) deflagrou, em parceria com o Ministério Público e a Receita Federal, uma operação que tinha como um dos alvos a GAS Consultoria Bitcoin, acusada de operar uma pirâmide financeira e de ser responsável por fraudes bilionárias. Nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e no Distrito Federal, foram cumpridos sete mandados de prisão preventiva, dois de prisão temporária e 15 de busca e apreensão.

Numa mansão em um condomínio de luxo às margens da Lagoa de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, a PF prendeu Glaidson Acácio dos Santos, dono da GAS. Com ele, foram encontrados R$ 15,3 milhões em espécie e o equivalente a R$ 150 milhões em bitcoins, além de barras de ouro. Em toda a operação, a PF capturou 21 veículos de luxo, entre eles um Lamborghini. Antes, no começo deste mês, o investidor em criptomoedas e influenciador digital Wesley Pessano Santarém, de 19 anos, foi morto a tiros dentro de um Porsche Boxster, em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos.

Bitcoin é a mais conhecida e a principal expoente de um grupo que já reúne mais de 11 mil criptomoedas – há um ano havia cerca de 6 mil. Emitidas à revelia de autoridades monetárias e mantidas por meio de sofisticados protocolos digitais, tornaram-se cobiçadas como ativo financeiro que não deixa traços. Juntas, têm um valor estimado em mais de US$ 2 trilhões. Seus fãs há muito não se restringem a libertários. Pessoas físicas, muitas delas grandes investidores, e fundos têm criptomoedas em suas carteiras de aplicações, como estratégia para diversificação de ativos.

Apesar de criada como alternativa para fornecer um dinheiro sem emissor formal, a ideia do ativo financeiro que depende apenas da tecnologia das redes e do mercado para circular também atrai bancos centrais. Vários investem em projetos para lançar instrumentos digitais que realmente façam o papel de uma moeda, conhecidos pela sigla em inglês CBDC. O Banco Central do Brasil é um deles. Em maio, divulgou as diretrizes para a criação do “real digital”, com a previsão de uso em pagamentos de varejo. Desde julho, promove debates que se estenderão até novembro.

O uso das criptomoedas para lavar dinheiro e financiar a criminalidade é a principal preocupação aqui e no resto do mundo. Num fórum realizado no início de agosto, Gary Gensler, chefe da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado financeiro americano, comparou o mercado de criptomoedas ao Velho Oeste, “cheio de fraude, golpes e abuso”.

Em seu último relatório anual, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais, com sede na Basileia, Suíça, diz que “já está claro que bitcoin e as outras criptomoedas são ativos especulativos em vez de dinheiro e, em muitos casos, são usados para facilitar lavagem de dinheiro, ataques digitais e outros crimes financeiros”. Operações como a da PF na semana passada infelizmente deverão se tornar mais frequentes até que haja uma regulação eficaz, capaz de trazer a tecnologia das criptomoedas das sombras do crime para o ambiente de negócios claro e transparente.

Aumento de incêndios florestais expõe desmonte da fiscalização

O Globo

O Brasil tem assistido a cenas apocalípticas: florestas devastadas pelo fogo, espécies dizimadas, cidades tomadas por nuvens de fumaça, e o governo assiste a tudo com a habitual indiferença. É inegável que a seca favorece as queimadas. Mas não se podem culpar apenas os humores de São Pedro. Sabe-se que a ação humana é a maior responsável pelos incêndios, que atingem indistintamente terras públicas, privadas, reservas naturais ou territórios indígenas. O uso do fogo é proibido no período mais crítico de estiagem, até o fim de outubro, mas a ausência de fiscalização é o combustível perfeito para o desastre.

Agosto ainda não acabou, mas, em pelo menos três biomas — Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga —, já há mais focos de incêndio que no mesmo mês do ano passado. Não significa que nos outros biomas a situação seja muito melhor. No Amazonas, as queimadas bateram recorde histórico. No Pantanal, põem em risco a biodiversidade na maior área inundável do planeta. Só o estado de Mato Grosso concentra 20% dos focos no país.

Um dos fatores que alimentam as chamas é o desmantelamento dos órgãos de fiscalização ambiental. A má vontade do presidente Jair Bolsonaro com a preservação do meio ambiente é conhecida. Antes de assumir, prometeu acabar com a “farra” das multas do Ibama e do ICMBio. No governo, promoveu, com o ex-ministro Ricardo Salles, um desmonte da estrutura de fiscalização. Agentes do Ibama perderam a autonomia para multar. Mudou o ministro — Salles foi substituído por Joaquim Alvaro Pereira Leite —, mas não a política antiambiental.

Na última terça-feira, o vice-presidente, Hamilton Mourão, comandou mais uma reunião do Conselho da Amazônia em que o tema do desmatamento esteve em pauta. Estavam lá os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira; das Relações Exteriores, Carlos Alberto França; e da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha. O do Meio Ambiente não foi, mandou representante. Já é um avanço, porque Salles nem representante mandava.

Mourão anunciou que os militares permanecerão mais 45 dias na Amazônia em ações de combate ao desmatamento, por meio do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Mas reconhece que eles não têm função de fiscal, estão ali para assegurar a ação dos agentes ambientais — a questão é saber onde estão os agentes, depois da razia promovida pelo governo. Mourão prevê que o desmatamento na Amazônia será reduzido entre 4% e 5%, metade da meta.

Não há como controlar a seca que assola boa parte do país e contribui para o surgimento dos focos de incêndio que devastam as florestas — a tendência é que esses fenômenos se tornem mais intensos e frequentes devido às mudanças climáticas. Mas é possível controlar quem põe fogo. Não é por falta de tecnologia ou de profissionais especializados que não se faz isso. Combater incêndios ilegais demanda fiscalização e, sobretudo, vontade política. O problema está justamente aí.

Fed não tem pressa em elevar juros e isso dá tempo ao Brasil

Valor Econômico

O Federal Reserve System (Fed), o banco central dos Estados Unidos, deve começar a reduzir, ainda neste ano, os estímulos monetários que adotou no início da pandemia. A tendência do Fed é diminuir o volume de compras mensais de títulos, mecanismo utilizado originalmente durante a crise mundial de 2008 para dar liquidez à economia americana. Por enquanto, não se planeja elevar a taxa de juros, restringindo-se, portanto, o aperto monetário a uma aquisição menor de papéis privados - hoje, o Fed compra mensalmente o equivalente a US$ 120 bilhões.

Os recados foram dados em Jackson Hole, pequena cidade americana no Estado do Wyoming, onde uma vez por ano se reúnem, para debater principalmente o estado da economia dos EUA, autoridades do Fed e de outros bancos centrais do planeta, além de acadêmicos e economistas de organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI).

A principal mensagem foi dada pelo presidente do Fed, Jerome Powell, que, tradicionalmente, faz o principal discurso do simpósio de Jackson Hole. “Eu fui da opinião, como a maioria dos integrantes [do Fed], de que, se a economia evoluísse amplamente conforme o previsto, poderia ser apropriado começar a reduzir o ritmo de compras de ativos este ano”, disse Powell, referindo-se à posição manifestada durante a reunião do Fed em julho. “O mês trouxe mais progresso, na forma de um forte resultado de emprego, mas, também, a disseminação da variante delta [do novo coronavírus]. Vamos avaliar cuidadosamente os dados recebidos e os riscos em evolução.”

O mandato do Fed, que possui independência institucional para cumpri-lo, é fazer tudo ao seu alcance para manter a inflação no patamar mais baixo possível, enquanto, paralelamente, busca assegurar condições ao pleno emprego. Nos EUA, diferentemente do que se proclama em países em desenvolvimento como o Brasil, a inflação baixa é condição para a aceleração do crescimento da economia e, assim, para a diminuição das taxas de desemprego. Por aqui, especialmente entre economistas de corte “desenvolvimentista”, “um pouco mais” de inflação é visto como algo inevitável para se ter um ritmo mais rápido de crescimento.

Esse arranjo institucional dá ao Fed a flexibilidade necessária para lidar com problemas econômicos graves em momentos de crise como os vividos em 2008 e nesta pandemia - a boa notícia é que, desde fevereiro, o Banco Central do Brasil goza de independência formal, e esta foi confirmada na semana passada, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ação da PGR contrária à lei que deu independência ao BC.

Powell deixou claro, em sua manifestação em Jackson Hole, que não tem pressa em iniciar o aumento dos juros. “O momento e o ritmo da próxima redução das compras de ativos não terão a intenção de transmitir um sinal direto sobre o momento do aumento da taxa de juros, para o qual articulamos um teste diferente e substancialmente mais rigoroso”, disse o presidente do Fed.

Ainda em Jackson Hole, estudo elaborado e apresentado por economistas do Fed de Kansas City fez dois alertas importantes. O primeiro diz que, no momento em que a maioria dos mercados emergentes ainda tenta encontrar uma saída econômica da pandemia, o aperto precoce da política monetária de países desenvolvidos teria “fortes consequências adversas” sobre esses países. A outra advertência feita pela pesquisa é a de que as economias avançadas evitem promover apoio fiscal adicional porque este, em vez de ajudar, pode ter efeitos negativos sobre os emergentes.

“Não achamos que pacotes fiscais descomunais em economias avançadas aumentaram a atividade econômica nos mercados emergentes. Pelo contrário, achamos pequenas - e, muitas vezes, negativas - repercussões fiscais transfronteiriças. Assim, a falta de espaço fiscal nos emergentes não foi compensada por pacotes fiscais descomunais nas economias avançadas”, diz o estudo. Uma recuperação da economia global em duas velocidades - uma média maior entre os ricos e outra menor, entre os emergentes - forçará os juros mundiais para cima, “o que prejudicaria ainda mais os mercados emergentes”. Além disso, com juros mais altos, os emergentes “enfrentarão condições de financiamento externo mais rígidas por meio de aumento dos prêmios de risco”.

O que se ouviu em Jackson Hole é positivo para a economia brasileira, que vem enfrentando forte piora das condições financeiras há quase dois meses, devido à crescente desconfiança do mercado quanto ao equilíbrio das contas públicas. Na verdade, cria um tempo para que governo, Congresso e a classe política em geral se entendam para tirar o país do caminho de uma grave crise anunciada.

Prioridades vacinais

Folha de S. Paulo

3ª dose deve focar muito idoso e vulnerável; é crucial dar 2ª a todos os adultos

Há indícios consideráveis de que as vacinas contra a Covid-19 perdem um pouco de sua eficácia depois de alguns meses de aplicação completa e diante de infecções pela variante delta do coronavírus.

Além do mais, elas oferecem proteção abaixo da média para pessoas de idade avançada ou com sistema imunológico frágil por outro motivo. Essas evidências, ainda preliminares, levaram autoridades de países ricos, e agora também do Brasil, a anunciar programas de injeções de reforço.

Os primeiros estudos, analogias e experiência sugerem que a medida pode salvar vidas. O que é motivo de grande polêmica é a conveniência de fortalecer em massa e desde logo a vacinação de pessoas já totalmente imunizadas.

Para a Organização Mundial de Saúde, aplicar injeções de reforço enquanto a epidemia se dissemina entre populações quase inteiramente desprotegidas é não apenas imoral, mas um equívoco sanitário.

Por essa visão, o vírus continuaria a se disseminar sem freio, o que propicia o espalhamento contínuo da doença pelo mundo, talvez em variantes mais perigosas.

O argumento da OMS em certa medida se aplica ao Brasil. A oferta de imunizantes no país ainda é limitada e disputada pela população adulta, vítima mais frequente do vírus, por adolescentes e, em breve, por aqueles autorizados a receber uma proteção adicional.

Um programa racional e humanitário tem de levar em conta os benefícios de reservar mais ou menos doses para cada um desses grupos. A julgar pelas estatísticas disponíveis, seria conveniente dar ênfase à vacinação completa dos adultos.

No Brasil, apenas 33% da população de 12 anos ou mais foi totalmente vacinada; 74% recebeu ao menos uma dose. Apenas entre pessoas de 60 anos ou mais a cobertura atingiu mais de 95% da população —isso no caso de São Paulo, de processo mais adiantado.

Está evidente na análise dos dados que a mortalidade entre os grupos de idade com vacinação quase completa é bem menor do que entre aqueles com proteção parcial. Por outro lado, estudos recentes mostram que pessoas mais idosas, além dos 80 anos, têm proteção menor mesmo tendo recebido o esquema completo.

Neste ano, quase 81% dos mortos por Covid-19 no Brasil tinham 50 anos ou mais, um grupo que contém 26% da população. Os mortos com 19 anos ou menos foram 0,35% das vítimas da Covid-19 e são 28% da população. É fácil perceber qual é a população sob risco maior.

As autoridades devem urgentemente fazer um levantamento de riscos por idade e condição (de saúde, de tempo de vacinação, de infecção prévia) a fim de elaborar o programa de imunização mais eficiente de agora em diante.

Ainda há escassez para imunizar em massa e com celeridade. Os dados disponíveis indicam que parece razoável dar o reforço aos muito idosos e a outras pessoas mais vulneráveis, dar menor prioridade à vacinação de 18 milhões de adolescentes de 12 a 17 anos e vacinar total e rapidamente os adultos.

Polícia sem política

Folha de S. Paulo

Não pode haver dúvida quanto à ilegalidade de movimentos de agentes armados

É difícil dimensionar os riscos envolvidos na participação de policiais nos atos favoráveis a Jair Bolsonaro no 7 de Setembro. O que não se pode colocar em dúvida é que a legislação veda, corretamente, atividades políticas por parte das forças de segurança pública e defesa.

Conforme noticiou a Folha, entidades representativas das PMs estaduais avaliam que não há ameaça de abusos dos manifestantes nem de indisciplina dos encarregados de manter a ordem.

Seria isolado, por essa interpretação, o caso do coronel Aleksander Lacerda, da corporação paulista, afastado de seu posto de comando por insuflar protestos nas redes sociais. A preocupação principal das tropas seria com salários e condições de trabalho.

Mesmo que esteja correto tal diagnóstico, restam motivos para inquietação. A Constituição proíbe que militares se sindicalizem ou façam greve; em 2017, o Supremo Tribunal Federal estendeu as restrições aos policiais militares, civis e federais —e por bons motivos.

São óbvios os perigos para a sociedade em movimentos de profissionais armados, e legislações diversas contemplam a questão.

O Regulamento Disciplinar da PM paulista, por exemplo, estabelece que “aos militares do estado da ativa são proibidas manifestações coletivas sobre atos de superiores, de caráter reivindicatório e de cunho político-partidário”.

O cenário se agrava porque Bolsonaro, desde os tempos de deputado, faz a defesa da impunidade policial e de pleitos corporativos de militares e agentes em geral. No Planalto, insufla a politização inaceitável desses estratos.

Estudo divulgado em 2020 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que o discurso bolsonarista mais radicalizado nas redes sociais alcançava 12% de uma amostra de PMs, 7% entre policiais civis e 2% de policiais federais.

É fundamental que governos estaduais, forças políticas e instituições de controle não permitam que prosperem episódios de indisciplina, inclusive digitais. Não caberá nenhuma complacência com eventuais abusos no 7 de Setembro.

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