terça-feira, 10 de agosto de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

A bagunça fiscal de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

A suspensão de regras fiscais em 2020, na fase inicial da pandemia, foi justificável. Depois, nunca houve esforço de normalização

Mais um alerta para a farra com dinheiro público foi disparado. Há fortes sinais de sobrepreço na compra de máquinas com recursos do orçamento secreto, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU). Essa operação, conhecida como “tratoraço”, é desdobramento de um truque orçamentário denunciado há meses pelo Estado. Para atender a interesses de sua base fisiológica, o Executivo federal pôs à disposição de parlamentares, no Ministério do Desenvolvimento Regional, pelo menos R$ 3 bilhões, supostamente pouco sujeitos a controle. A manobra agora fiscalizada pela CGU é mais um capítulo da baderna fiscal implantada sob comando do presidente Jair Bolsonaro. Essa baderna envolve uma ampla movimentação de recursos para obtenção de apoio no Congresso, de proteção contra o impeachment e de popularidade para efeito eleitoral.

Um dos problemas, para o Executivo, é acomodar tanta generosidade nos limites contábeis e legais do Orçamento-Geral da União. A lista de bondades inclui, além dos gastos do orçamento secreto, expansão do Bolsa Família, isenção fiscal para o diesel, aumento salarial para servidores e uma reforma tributária com perdas previstas para Estados e municípios. Parcelar o pagamento de precatórios, impondo prejuízo aos credores, é parte das soluções encontradas pela equipe econômica.

O lance poderá ser complementado com uma nova mexida na regra do teto de gastos. Se parte das novas despesas ficar isenta desse limite, o problema legal será contornado. Mas o dispêndio será executado e as consequências financeiras e econômicas desse fato estarão determinadas.

Para parcelar a liquidação dos precatórios, o ministro da Economia alegou ter sido surpreendido pelo valor das obrigações – R$ 89,1 bilhões, em vez dos R$ 55,4 bilhões previstos em suas contas para 2022. A alegação é inaceitável. Precatórios são pagamentos determinados pelo Judiciário, com aviso às autoridades do Executivo. Além disso, membros da Advocacia-Geral da União (AGU) declaram ter alertado o Ministério da Economia para as obrigações determinadas judicialmente. Esse alerta foi comprovado pela reportagem.

É difícil dizer quanto da bagunça fiscal decorre da incompetência e quanto da irresponsabilidade dos envolvidos. Mas os dois fatores estão com certeza presentes nessa história. Regras e limites fiscais parecem nunca ter sido levados a sério pelo presidente Jair Bolsonaro. Membros da equipe econômica resistem, ocasionalmente, ou ensaiam resistir, às pressões do presidente a favor de interesses dos chamados ministros políticos ou de parlamentares do Centrão. Mas a decisão é sempre do chefe maior e raramente é baseada nos critérios da boa gestão financeira.

Dinheiro público foi usado com frequência, no Brasil, para atender aliados e facilitar a aprovação de projetos. O caso do mensalão, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, exemplifica esse tipo de jogo. Depois houve o petrolão, uma obra-prima de pilhagem facilitada por ações e omissões do Executivo. Mas o histórico do presidente Bolsonaro tem algumas peculiaridades.

Durante parte do período petista houve uma curiosa combinação de responsabilidade fiscal com manipulação abusiva de recursos públicos. Nos mandatos do presidente Lula foram normais os superávits primários, saldos positivos das contas do dia a dia, sem os custos da dívida. Esse resultado sumiu no período da presidente Dilma Rousseff, quando as contas foram devastadas. A recuperação, iniciada com o presidente Michel Temer, durou pouco, apenas o restante de seu mandato.

A suspensão de regras fiscais em 2020, na fase inicial da pandemia, foi justificável. Mas nunca houve, depois, esforço efetivo de normalização. O Orçamento de 2021 foi aprovado com atraso e já sujeito às negociações do presidente Bolsonaro. A partir daí, cresceu o poder do Centrão, borrando os limites entre aspectos técnicos e componentes pessoais e eleitorais das contas de governo. O resultado é a indisfarçável bagunça fiscal. O caso dos precatórios é só um pedacinho do desastre.

O fim do voto impresso

O Estado de S. Paulo

País não pode ficar refém de uma falsa discussão. O voto eletrônico é seguro e auditável

Não há nada a indicar que o presidente Jair Bolsonaro vai parar de difundir inverdades e desconfiança sobre o sistema eletrônico de votação. De toda forma, é muito oportuno que o Congresso ponha um ponto final na discussão em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, a respeito do voto impresso. Como disse o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), essa questão “já foi longe demais”.

Na semana passada, a comissão especial da Câmara rejeitou o relatório favorável à PEC 135/19. Com um placar de 23 votos contra 11, a decisão foi importante demonstração de que os partidos políticos não estão dispostos a apoiar uma iniciativa que, em vez de melhorar o sistema de votação, pode ser a porta de entrada para muitas fraudes e, principalmente, para intermináveis discussões sobre o resultado das urnas.

Depois da decisão da comissão, a PEC 135/19 deveria ter sido descartada. Não se deve gastar mais tempo com um tema, sem nenhuma relação com as prioridades nacionais, que foi inventado pelo bolsonarismo com o objetivo de criar confusão e questionar o resultado das eleições.

Não há nenhum indício de fraude nas urnas eletrônicas. Desde 1996, o País conta com um sistema de votação e apuração ágil, seguro e auditável. Recentemente, o próprio presidente Jair Bolsonaro admitiu que não tem prova de qualquer fraude nas eleições de 2018 – as provas que ele prometeu em março do ano passado, durante viagem aos Estados Unidos.

De toda forma, como o relatório da comissão especial tem caráter opinativo, o presidente da Câmara decidiu levar a PEC do voto impresso para apreciação do plenário da Casa. “Pela tranquilidade das próximas eleições e para que possamos trabalhar em paz até janeiro de 2023, vamos levar a questão do voto impresso para o plenário, onde todos os parlamentares eleitos legitimamente pela urna eletrônica vão decidir”, disse Arthur Lira na sexta-feira passada.

Ontem, o presidente da Câmara voltou ao assunto. “Nossa expectativa é que os Poderes acatem com naturalidade e respeitem (o resultado do plenário)”, disse Arthur Lira em entrevista à Rádio CBN. “O presidente Bolsonaro me garantiu que respeitaria o resultado do plenário”, disse.

Tal garantia não tem respaldo nos fatos. Basta ver que, ao longo de mais de um ano, o presidente Jair Bolsonaro não apenas mentiu à população – disse ter provas de que o resultado do primeiro turno das eleições de 2018 teria sido fraudado, quando na verdade não tinha nada, nem sequer o menor indício –, como se valeu dessa mentira para suscitar a desconfiança da população no sistema eletrônico de votação.

Por tudo isso, o plenário da Câmara dos Deputados deve rejeitar definitivamente a PEC 135/19. O País não pode ficar refém de uma falsa discussão. O voto eletrônico é seguro e auditável. Houve fraude, muita fraude, nos tempos da cédula em papel.

O atual sistema de votação é bom. Ninguém duvida, por exemplo, que os deputados federais que tomaram posse em 2019 foram escolhidos pelos eleitores nas urnas eletrônicas em 2018. O atual sistema é tão seguro que, com ele, Jair Bolsonaro não consegue fazer a confusão que Donald Trump tentou fazer nos Estados Unidos, ao questionar a contagem de votos do pleito que não o reconduziu ao poder. Daí por que o tal do voto impresso se tornou tão importante para Jair Bolsonaro. Um sistema de votação seguro é incompatível com seus propósitos.

Há um motivo adicional para o plenário da Câmara rejeitar a PEC 135/19. Conforme revelou o Estado, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, comunicou ao presidente da Câmara a ameaça de que não haveria eleições em 2022 se não fosse aprovado o “voto impresso e auditável”. 

“Não contem comigo para qualquer movimento que rompa ou macule a independência e a harmonia entre os Poderes”, disse Arthur Lira na sexta-feira passada. Em defesa das eleições e da autonomia do Legislativo, que o plenário da Câmara possa dar uma firme resposta às infames ameaças do Palácio do Planalto. Sem transigência com golpistas.

Mudanças climáticas, o maior desafio global

O Estado de S. Paulo

É cada vez mais estreita a janela de oportunidade para limitar aquecimento global a 2°C até 2100

Não há precedentes em milhares de anos para as atuais mudanças no clima da Terra. Apenas as ações diretas do homem foram responsáveis pelo aumento recente de 1,07°C na temperatura do planeta, fato “inequívoco e irreversível” – e pela primeira vez mensurado. Hoje, todos os pontos do globo são afetados por algum “evento climático extremo”, como enchentes, secas e ondas de calor. Estes são causados, em grande medida, por alterações provocadas no meio ambiente. Só uma substancial redução das emissões de CO2 e outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera será capaz de interromper a progressão das mudanças climáticas. Porém, ainda que todas as medidas necessárias sejam adotadas pelos principais países emissores, entre os quais o Brasil, poderá levar 30 anos para que a temperatura da Terra atinja um patamar de estabilidade relativamente seguro.

Estas são algumas das principais conclusões contidas na primeira de três partes do inquietante relatório Climate Change 2021: The Physical Science Basis, elaborado por mais de 200 cientistas de 66 países, inclusive o Brasil, que foram reunidos pelo Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC) da ONU.

O estudo revela que a temperatura da Terra aumentará 1,5°C em relação à era pré-industrial até 2030, uma década antes do previsto inicialmente. Isto significa que os chamados “eventos climáticos extremos” serão cada vez mais frequentes nos próximos anos. O quão devastadores eles serão dependerá das ações coordenadas de governos e sociedades no mundo inteiro a partir de já.

A janela de oportunidade para manter o aquecimento global limitado a 2°C até 2100, meta definida pelos signatários do Acordo de Paris, é cada vez mais estreita.

A primeira ação a ser tomada – a mais sensata e responsável de todas – é dar ao documento do IPCC/ONU o devido crédito. Não por acaso, a palavra “irrefutáveis”, em referência às evidências científicas das mudanças climáticas, aparece nas primeiras páginas do longo relatório. À medida que o tempo passa, mais caro ficará o negacionismo de líderes irresponsáveis, que tomam um dado científico como “arma” de uma suposta “guerra cultural”. É o caso do presidente Jair Bolsonaro e de figuras como o ex-chanceler Ernesto Araújo e o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.

Especialistas alertam que o Brasil poderá sofrer severamente com o desequilíbrio dos ecossistemas, sobretudo na Região Amazônica. No pior cenário, ou seja, caso nenhuma medida para conter as emissões de gases seja tomada pelo governo federal, o País poderá sofrer com crises humanitárias, inclusive a decorrente da queda na produção agrícola. A atividade industrial brasileira não é a maior vilã das emissões de gases do País, mas sim o desmatamento ilegal. Sob Bolsonaro, registra-se recorde atrás de recorde de desmatamentos ilegais. Nesta hora grave, o Brasil está entregue a um presidente que não dá a devida importância às mudanças climáticas, o que é terrível para o País, para os brasileiros e para o mundo. Embora o Brasil seja o 6.º maior emissor de CO2 do planeta, aqui estão grandes biomas e a maior biodiversidade do planeta. Portanto, o País é ator fundamental em qualquer discussão de políticas globais de contenção dos danos causados pelas mudanças climáticas.

Em última análise, o negacionismo científico, não apenas aqui, resultará em cada vez mais vidas perdidas, seja em decorrência direta de tragédias climáticas – como a devastação de áreas costeiras pelo aumento do nível dos oceanos, incêndios florestais ou enchentes causadas por chuvas muito acima dos níveis médios –, seja por causas associadas, como a fome decorrente da queda da produção de alimentos ou a proliferação de doenças em desordenadas migrações em massa.

Conter o avanço das mudanças no clima é o maior desafio global em muitas gerações. O que é feito em conjunto hoje, desde a esfera privada individual até políticas públicas concertadas entre nações, determinará como será a vida na Terra, não num futuro distante, mas nos próximos anos.

Não ao retrocesso

Folha de S. Paulo

Exame do voto impresso na Câmara cria chance para rechaçar golpismo de Bolsonaro

Parecem ínfimas as chances de aprovação da proposta de emenda constitucional que busca reintroduzir no sistema eleitoral brasileiro o voto impresso, a ideia anacrônica patrocinada por Jair Bolsonaro e seus seguidores.

A maioria dos partidos com representação na Câmara dos Deputados é contra o retrocesso, e a propositura foi descartada na semana passada por dois terços dos integrantes da comissão especial criada para examiná-la.

Por decisão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o texto deverá ser submetido mesmo assim ao plenário nesta semana. Com a exigência de maioria de três quintos para aprovação, espera-se que a PEC seja mais uma vez rechaçada.

Seu objetivo nunca foi aperfeiçoar o processo eleitoral, como é evidente desde que se tornou peça central dos esforços alucinados de Bolsonaro para minar a confiança da população nas urnas eletrônicas, que há duas décadas garantem a lisura dos pleitos nacionais.

Alvo de investigações conduzidas pelo Supremo Tribunal Federal e pela Justiça Eleitoral, o presidente mente, insulta magistrados e ofende a ordem constitucional diariamente ao insistir em sua campanha infame contra as instituições.

A apresentação de uma emenda ao plenário após a derrota na comissão é incomum, ainda que o passo seja autorizado pelas normas internas, mas oferece oportunidade para que a Câmara dê uma resposta sonora à reincidência do mandatário irresponsável.

Arthur Lira tem bloqueado qualquer deliberação sobre as centenas de acusações de crimes de responsabilidade que pesam contra Bolsonaro, alegando que a abertura de um processo de impeachment a essa altura só serviria para acirrar tensões e provocar instabilidade.

Ele parece acreditar que a rejeição do voto impresso pelo plenário ajudará a frear a marcha golpista do presidente, colocando uma pedra sobre o assunto e até abrindo brecha para ajustes nos sistemas adotados para monitoramento da segurança das urnas.

Bolsonaro já deixou claro que seu plano é tumultuar as eleições e abrir caminho para contestar os resultados se perder. Ele não para de testar os limites dos que o tratam com complacência —e não parece outro o sentido do desfile militar que se anuncia para esta terça (10) na Praça dos Três Poderes.

Imitação canhestra das tentativas de intimidação que se encenavam nos estertores do regime autoritário, ela tem tudo para cair no vazio e produzir novas evidências do isolamento do chefe do Executivo. Bolsonaro pode até vestir um capacete e acenar para os fanáticos do alto de um tanque, mas é certo que o gesto não lhe dará nenhum voto a mais no plenário da Câmara.

A farsa da ditadura

Folha de S. Paulo

Tratada com brandura pela esquerda, Nicarágua prepara um simulacro eleitoral

À maneira das tiranias, a Nicarágua prepara-se para promover um simulacro eleitoral no início de novembro, quando deverá ser escolhido o novo presidente do país.

Com efeito, não se imagina outro vencedor do pleito além do ditador Daniel Ortega, que nos últimos meses vem agindo de forma implacável para torná-lo o menos justo e livre possível.

A asfixia intensificou-se na semana passada, quando o Conselho Eleitoral Supremo, controlado pelo regime, extinguiu a personalidade jurídica do partido de direita Aliança Cidadãos pela Liberdade, sepultando a última possibilidade de que a oposição enfrente Ortega nas urnas.

Num procedimento sumário, o órgão decidiu inabilitar a agremiação horas depois que o Partido Liberal Constitucionalista apresentou uma queixa por “violações da lei eleitoral”, as quais tiveram por base o fato de a presidente da sigla ter dupla nacionalidade —nicaraguense e americana.

Antes de desqualificar a força oposicionista, Ortega, no poder desde 2007, foi suprimindo um a um os contendores que pudessem ameaçar sua terceira reeleição.

Com a detenção do advogado Noel Viadurre, colocado em prisão domiciliar no final de julho, já são sete os candidatos retirados na disputa nos últimos dois meses. A lista inclui a jornalista Cristiana

Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Barrios de Chamorro (1990-1997), bem como seu primo, o economista Juan Sebastián Chamorro, além de acadêmicos, empresários e um ex-embaixador.

Na caricata retórica anti-imperialista de Ortega, todos integram uma vasta conspiração patrocinada pelos EUA para tirá-lo do poder e terminaram enquadrados na Lei de Defesa dos Direitos do Povo à Independência, Soberania e Autodeterminação para a Paz —o dispositivo jurídico para perseguir opositores aprovado no final de 2020.

O acosso aos adversários se soma a várias outras violações da ordem democrática, como a repressão a órgãos de imprensa e a criminalização de críticas ao governo feitas nas redes sociais.

Diante do autoritarismo galopante, são deploráveis a ambiguidade e a condescendência com que a esquerda brasileira ainda trata o regime. Num exemplo recente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aconselhou Ortega a “não abrir mão” da democracia. Como se na Nicarágua esse rubicão já não houvesse sido cruzado.

Governo deve aprimorar mão de obra e não brigar com dados

Valor Econômico

É o mercado informal que vai absorver os que que voltarão a buscar emprego

A demora na reação da atividade informal após a pandemia é um dos principais motivos das diferenças entre os resultados das duas principais pesquisas do mercado de trabalho brasileiro, que despertaram críticas do ministro da Economia, Paulo Guedes. Depois de se vangloriar com a criação de 1,5 milhão de vagas formais no primeiro semestre, registradas no Caged, Guedes se sentiu contrariado ao saber, alguns dias depois, que a taxa de desemprego apontada pela Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad Contínua), apurada pelo IBGE, seguia elevada, e foi de 14,6% em maio.

Guedes chegou a dizer que o IBGE empregava na Pnad Contínua métodos da “idade da pedra lascada”, sugerindo que alguma mudança precisava ser feita e que o resultado do Caged é superior. As duas pesquisas, no entanto, são complementares. O Caged é baseado em informações enviadas espontaneamente ao governo pelas empresas. Até o início deste mês era divulgada pelo Ministério da Economia e agora passará ao Ministério do Trabalho e Previdência, que acaba de ser recriado para abrigar Onyx Lorenzoni. Já a Pnad Contínua é levantada em pesquisa por amostragem feita pelo IBGE e passou a ser realizada por telefone durante a pandemia.

A abrangência é o principal motivo dos resultados diferentes apresentados: enquanto o Caged mostra as contratações e demissões regularmente realizadas pelas empresas, a Pnad inclui muitas outras nuances não captadas pelo cadastro, como o desejo das pessoas de trabalhar mais, a desistência da procura de vagas em função do seguido insucesso e, principalmente, dimensiona o trabalho informal. Assim, apesar da expressiva criação de vagas de trabalho formal no primeiro semestre, levando o estoque a 40 milhões de postos no Caged, o desemprego aflige 14,8 milhões de pessoas pela Pnad Contínua, número que vai a quase 33 milhões se incluídos subocupados e a força de trabalho potencial - o contingente de subutilizados.

O dimensionamento do trabalho informal talvez seja um dos principais méritos da Pnad Contínua, uma vez que é elevado em países como o Brasil, e foi dos mais severamente atingidos durante a pandemia. Foi a Pnad Contínua que levou o governo a montar a rede do auxílio emergencial, localizando os invisíveis. Pelo levantamento mostrado pelo Caged, a Covid-19 destruiu 1 milhão de empregos. Pela Pnad, temos um retrato mais fiel ao desastre ocorrido. A população ocupada chegou a cair a 81,7 milhões no trimestre de junho a agosto de 2020, 10,5 milhões a menos do que o total de 92,2 milhões registrados no trimestre de janeiro a março do mesmo ano.

O tamanho da economia informal não é um problema apenas brasileiro. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), 60% da força de trabalho global, ou 2 bilhões de pessoas, trabalham na economia informal, que representa 35% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países de renda baixa e média e 15% nas economias avançadas. A economia informal é mais importante na América Latina e nos países da África Subsaariana. No Brasil, fica ao redor de 40%, abaixo da média global. Segundo o IBGE, chegou a atingir 41,6% dos trabalhadores, ou 39,3 milhões de pessoas, em 2019.

Em vez de brigar com os números que o contrariam, o ministro Paulo Guedes deveria procurar como mudar essa realidade. Mesmo porque é elevado o risco de redução do ritmo de abertura de vagas formais neste segundo semestre, diante da perspectiva de menor avanço da economia, que já percorreu boa parte do crescimento esperado para o ano, e do ressurgimento das preocupações fiscais e da tensão no campo político. Do outro lado, mais pessoas devem entrar no mercado de trabalho à medida que o progresso da vacinação dê mais segurança. Economistas acreditam que é o mercado informal que vai absorver esse contingente de trabalhadores, como aconteceu após o fim da recessão de 2015 a 2016.

Ao notar a contradição que existe entre o fato de muitas empresas de tecnologia estarem se ressentindo da falta mão de obra qualificada e a existência de um grande contingente de pessoas que não conseguem ocupação, a consultora econômica Zeina Latif ampliou a discussão no evento “E agora Brasil?”, promovido pelo Valor e pelo jornal O Globo (Valor 2/7). Para ela, as iniciativas do Ministério da Economia em relação ao mercado de trabalho deveriam envolver a parceria com a Educação para se promover a formação de mão de obra adequada às tendências tecnológicas e demandas da economia, e desenvolver o capital humano e a produtividade.

 

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