sábado, 7 de agosto de 2021

Pablo Ortellado - Debate sobre urna eletrônica está mal colocado

O Globo

Durante toda a semana, só se discutiu o voto impresso, em grande medida de maneira equivocada. A proposta foi apresentada com muita frequência como a volta do voto em cédula ou como a possibilidade do voto de cabresto, e isso foi dito por articulistas dos grandes veículos e por políticos sérios.

O voto impresso não é o voto em cédula e também não é um comprovante em papel de em quem você votou: é a impressão do voto eletrônico, depositado automaticamente e sem contato manual numa urna inviolável para que possa ser eventualmente cotejado com os votos da urna eletrônica.

Como cada cidadão ou cidadã vê seu voto lançado na urna, ele ou ela é o fiscal desse depósito. Depois, ao final da votação, como forma complementar de conferência, pode-se contar o número de votos da urna física com o número de votos do boletim da urna eletrônica. Podem-se cotejar também os votos em candidatos no banco de dados da urna com os votos impressos.

A impressão permite uma camada adicional de segurança e verificação extraeletrônica, e é por esse motivo que muitos especialistas em segurança defendem a medida, e alguns países a utilizam.

O problema da PEC do voto impresso é que, sob o disfarce de melhorar a segurança das eleições, quer na verdade gerar desconfiança nas eleições. A medida faz parte do projeto de Bolsonaro de criar tumulto eleitoral, alegar fraude e dar um golpe de Estado.

Em primeiro lugar, a proposta quer a implementação imediata, sem projeto-piloto e implementação gradual. Se Bolsonaro realmente quisesse um sistema de votação mais seguro, ele teria aprovado a medida em 2018 e feito um projeto-piloto nas eleições de 2020 para implementação gradual a partir de 2022. Querer fazer agora, de supetão, apenas gerará problemas generalizados causados por uma implementação apressada.

Em segundo lugar, a proposta quer que a conferência dos votos seja integral, e não por meio de uma amostra aleatória. Como recomenda a estatística, uma amostra pequena sorteada adequadamente representa o universo. Se a conferência demonstrar nessa pequena amostra que não houve fraude, pode-se ter confiança em que não houve fraude relevante no conjunto.

Por fim, a proposta quer que essa conferência seja caótica, acontecendo em todos os lugares do Brasil, com militantes fazendo agitação e causando alvoroço. Também quer substituir a supervisão da Justiça Eleitoral pela supervisão da Polícia Federal, que Bolsonaro pode controlar, porque está subordinada ao Ministério da Justiça.

Precisamos apontar esses problemas reais, e não distorcer os argumentos. Quando fazemos caricaturas, os cidadãos que apoiam Bolsonaro ficam apenas irritados com a deslealdade e reafirmam sua convicção, não apenas na questão da urna, mas no projeto autoritário bolsonarista.

É preciso lembrar que temos duas missões políticas diferentes. Precisamos proscrever Bolsonaro, mas não devemos proscrever os bolsonaristas. Os cidadãos bolsonaristas precisam ser resgatados para o jogo regular da democracia. Eles são um terço da população brasileira, e não existe democracia ou república sem eles.

 

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