terça-feira, 24 de agosto de 2021

Pedro Cafardo - ‘Índice Botafogo’ mostra país rebaixado à Série B

Valor Econômico

Com inflação, negacinismo, desemprego, desindustrialização, estgnação e política ambiental desastrosa, Brasil tornou-se irrelevante sob vários aspectos

Volta e meia, rolam correlações absurdas nas redes sociais. Uma das mais bizarras e maldosas relacionava, anos atrás, o número de filmes feitos pelo ator Nicolas Cage com o número de pessoas vítimas de afogamento em piscinas nos EUA. Um gráfico que viralizou nas redes mostrava as duas curvas caminhando mais ou menos paralelas, embora nada tivesse uma a ver com a outra.

Uma correlação criativa e nada bizarra foi feita pelo documentarista João Moreira Salles, em Live do Valor comandada pela jornalista Daniela Chiaretti. Salles, na prática, lançou o “Índice Botafogo” para avaliar o desempenho do Brasil como país, embora não tenha usado essa expressão.

A tese de Salles, “meio maluca”, segundo ele mesmo, sustenta que nada reflete mais o Brasil que o desempenho do Botafogo de Futebol e Regatas. Assim como o time carioca, o Brasil também teria caído para a Série B no ranking dos países e estaria sob risco de ser rebaixado para a C.

Um momento de glória do Botafogo, diz Salles, foi no fim dos anos 1950 e até 1963. O Brasil, igualmente, viveu um bom momento nessa época em vários setores, com industrialização, cinema novo, “Grande Sertão: Veredas”, bossa nova e construção de Brasília. O Brasil tinha potência e ambição, podia fazer coisas grandes e ganhou duas Copas do Mundo (1958 e 1962) com participação direta de jogadores do Botafogo.

A partir de 1968, observa Salles, o Botafogo deprimiu-se, porque o Brasil também se deprimiu com o endurecimento da ditadura e o AI-5. E o time só foi conquistar um título novamente 21 anos depois, em 1989, ano em que os brasileiros votaram para presidente pela primeira vez após o fim da ditadura. Também foi campeão brasileiro, sua única vez, em 1995, quando o país saboreava a vitória contra a hiperinflação.

Neste momento, faria todo o sentido o Botafogo ter caído para a Serie B, porque o Brasil também caiu. E a reconstrução de ambos terá de vir de baixo para cima. No Botafogo, fazendo com que os meninos da base sejam formados sabendo quem foram Garrincha, Didi, Gérson, Nilton Santos, Jairzinho. No Brasil, com a garotada estudando Paulo Freire, Dom Paulo Evaristo Arns, Betinho, Carlos Drummond de Andrade, João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes. Esses grandes brasileiros, na expressão de Salles, estão sendo “obliterados por este governo”, que não dá a mínima importância à educação.

A tese de Salles é mesmo “meio maluca” e citada com um leve sorriso no rosto, até porque o Brasil viveu outros bons momentos, como na primeira década deste século, sem correlação com o desempenho do Botafogo. Mas a ideia de que o Brasil se tornou um país irrelevante e caiu para a Série B é uma metáfora válida para o momento atual. O país não é bom em nada: na economia, no meio ambiente, na educação, na cultura e nem mesmo no futebol, onde já foi dominante. Obteve um número recorde de medalhas (21) na recém-terminada Olimpíada de Tóquio, mas ficou ainda no 12º lugar entre os países.

Por que o Brasil caiu para a Série B e está a caminho da Série C? Há várias razões.

Está praticamente desgovernado há quase três anos.

No exterior, é tido como decrépito pela política ambiental equivocada, pela indiferença em relação à devastação da Amazônia e pelo negacionismo no enfrentamento da pandemia da covid-19.

Em todo o país, quase 575 mil pessoas já morreram vitimizadas pela pandemia, número inflado por erros evidentes na condução da política de saúde pública: em vez de buscar vacinas, o governo central procurou estimular o uso de medicamentos ineficazes no combate à doença; em vez de um médico ou cientista, manteve um general no cargo de ministro da Saúde durante quase um ano, num dos piores momentos da disseminação do vírus.

O dragão da inflação, que havia sido domado desde o Plano Real, com recrudescimento no governo Dilma, reapareceu principalmente por causa do aumento do preço dos alimentos, da energia e dos combustíveis. Com isso, a taxa anual já passa de 8%, o que obriga o Banco Central a elevar os juros.

O desemprego, a despeito do crescimento de vagas formais, continua a torturar 15 milhões de brasileiros, sem contar os 6 milhões de desalentados. E o governo tenta reduzir ainda mais os direitos trabalhistas.

O cenário de recuperação econômica, que começava a se desenhar, mudou sob a ampliação de riscos políticos, fiscais e inflacionários.

Milhares de pessoas passaram a viver nas ruas e embaixo de viadutos nas grandes cidades, sem ação nem compaixão das autoridades em todos os níveis. O presidente só as vê de longe, ao passar pelas barracas durante suas passeatas de motocicleta.

Não há planos de desenvolvimento de médio e longo prazo - até o Ministério do Planejamento foi extinto. O apoio a avanços tecnológicos e a modernizações não desperta nenhum interesse na área oficial.

O investimento público praticamente desapareceu, por falta de recursos e também porque, no ideário liberal, cabe ao setor privado a tarefa de investir, mesmo em setores estratégicos.

Há constantes sinalizações de golpe pelo presidente da República, que já falou em atuar fora das quatro linhas da Constituição e em cancelar eleições se não houver voto impresso, rejeitado pelo Congresso. O presidente até organizou um desfile de tanques de guerra em Brasília para intimidar congressistas. A democracia está claramente em risco.

Sob ameaça de impeachment, o presidente trabalha unicamente olhando para a reeleição em 2022. A política liberal do ministro Paulo Guedes, outrora abençoada pelo mercado, vem sendo deixada de lado para a adoção de medidas consideradas “populistas” e até mais alinhadas com propostas da esquerda.

São visíveis a olho nu as inúmeras barbeiragens brasileiras que hoje entristecem o país e o tornam irrelevante no cenário internacional. Na economia, a maior parte dos indicadores que mostram o rebaixamento do país para a Série B - inflação, estagnação, desindustrialização, falta de investimento, desemprego, pobreza - pode ser encontrada nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Todavia, como o ministro Guedes considera que o IBGE está na idade da pedra lascada, talvez ele possa se valer do bem moderno Índice Botafogo, embora seja flamenguista.

 

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