quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Thiago Amparo - Aras não existe

Folha de S. Paulo

O que temos é um espectador-geral da derrocada da República

Eis a provocação trazida pelo meu colega de Folha Sérgio Rodrigues: "Rola por aí uma teoria da conspiração curiosa, a de que Augusto Aras não existe. Isso explicaria muita coisa, mas o fato é que algumas pessoas alegam ter visto Aras e até conversado com ele. O que é verdade e o que é mentira?" Bem, eu nunca vi o Aras pessoalmente, devo frisar.

Defendo que Aras não existe. Talvez em algum lugar em Brasília esteja alguém, um homônimo do dito cujo, a assistir compulsivamente a sessões do STF sonhando em um dia vestir a toga (aliás, PGR nem deveria poder ser indicado ao STF). Talvez esse homônimo até escreva artigos em jornal defendendo que a autocontenção seja o máximo que se pode esperar dele, quando o que se pede é que apenas faça seu trabalho.

Engana-se quem pensa que estamos diante de uma omissão; antiativismo é apenas uma fantasia ufanista usada pelo procurador-geral da República para mascarar o que de fato faz. Quer prender colunistas de jornal. Deixa ministros do STF falando sozinhos. Enterra a democracia em uma pilha de investigações preliminares, as quais, legalmente, nada são: quando se sabem os fatos e o autor em questão, abre-se inquérito.

Talvez haja alguém que se assente todos os dias na cadeira de procurador-geral (será?). Quiçá até seja um robô posto lá para servir à receita do legalismo autocrático à la Polônia e Hungria: conquistarás as carreiras jurídicas e, então, cooptarás o Estado. Ao menos restam subprocuradores em Brasília, 31 deles para ser preciso, denunciando o óbvio: não temos um procurador-geral da República.

A verdade é que Aras não existe. Não existe Aras, o procurador-geral, porque o que temos é um espectador-geral da derrocada da República. Não existe Aras, o omisso, porque não há nada de omisso em escolher o lado da política, não o da lei. Não existe Aras, o super-poderoso, porque na República não deveria existir poderes discricionários personalíssimos. A questão é se há um Conselho Superior do MPF para contrabalanceá-lo e um Senado para rejeitá-lo.

 

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