quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Vera Magalhães - Suave para Aras, não tanto para Jair

O Globo

Em que medida o passeio no bosque que foi a votação da recondução de Augusto Aras à Procuradoria Geral da República, nesta terça-feira, melhora o ambiente do Senado para Jair Bolsonaro?

Aras foi bem-sucedido ao conseguir descolar sua sabatina e votação em plenário do processo idêntico para a indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal. Costurou isso laboriosamente, alertando senadores e integrantes do governo para a possibilidade de que, caso a recondução tardasse, poderia haver vacância da Procuradoria-Geral da República, com a ocupação de sua cadeira por alguém que poderia mudar os rumos da gestão atual.

E é essa nova cara do Ministério Público Federal que explica a extrema facilidade que Aras encontrou, simbolizada à perfeição pelo ridículo comitê de boas vindas armado pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Davi Alcolumbre, com senadores de todos os partidos para, vejam só! -  recepcionar o sabatinado e conduzi-lo à comissão. Como esperar alguma dificuldade a partir de tão ridículo salamaleque?

Aras conseguiu o milagre de obter um apoio suprapartidário no momento mais radicalizado da polarização política do Brasil. O segredo do sucesso é justamente a desarticulação que promoveu, ao longo de dois anos, do aparato de investigação do MPF e de fiscalização da atividade dos políticos.

Sob o discurso conveniente de que combateu a “criminalização da política” promovida pelos antecessores, Aras falou o que os senadores do PT a Bolsonaro queriam ouvir. Uma coisa é combater excessos, que houve de fato, nos períodos anteriores, sobretudo sob o instável Rodrigo Janot. 

Outra é mudar a própria natureza do que a Constituição preceitua no artigo 127 como atribuições do Ministério Público, entre as quais se destaca, como síntese, a de defesa do estado democrático de direito.

No momento em que essa democracia é mais vilipendiada, Aras se omite, e os senadores assentem com essa omissão ao reconduzi-lo sem sequer admoestá-lo.

Nesse sentido, o Senado faz um favor indireto ao Planalto. Mas a votação não deve abrir caminho, por exemplo, para que o Senado, sob Rodrigo Pacheco, embarque em outras pautas obscurantistas do presidente, como o pedido de impeachment de ministros do Supremo.

Da mesma forma, André Mendonça não deverá ter sua indicação analisada antes Sete de Setembro, data que vai caminhando para ser o ensaio de uma ruptura institucional.

Senadores são claros ao estabelecer a relação: caso se confirmem as previsões sombrias, fruto de monitoramento das redes sociais bolsonaristas, de que haverá incitação à desordem e até a tentativa de invasão de prédios dos demais Poderes, adeus Mendonça.

Não seria possível, nem para os afáveis cordeirinhos da CCJ, aprovar a indicação para a mais alta Corte da Justiça de alguém que foi ministro da Justiça e advogado-geral da União de um governo que promove a arruaça cívica.

Pesa ainda contra o indicado de Bolsonaro ao STF a antipatia pessoal do mesmo Alcolumbre que estendeu um tapete vermelho para Aras.

Caso seja desarmada a bomba do Sete de Setembro, ou que ele fique circunscrito às ameaças da bolha mais fanática do bolsonarismo, o ex-AGU volta a ter as chances aumentadas. Afinal, seria inédito até para os padrões do esgarçamento das relações do governo Bolsonaro rejeitar uma indicação do Executivo para o Supremo.

E a CPI? Esta perdeu um pouco mais de força com o passeio de Aras.

Com o provável engavetador mantido na função, fica óbvio que o relatório final, por mais duro que seja, será apenas uma peça para manchetes de jornais. Ainda que o PGR tenha feito um acordo para acatar uma ou outra recomendação em troca da boa vontade dos senadores, o cerne da coisa, as imputações de crimes a Bolsonaro, deverá ir parar na lata do lixo sem chance de apelação.

 

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