sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Vera Rosa - Centrão já ‘trai’ Bolsonaro com Lula

O Estado de S. Paulo

Enquanto em Brasília se discute crise entre os poderes, no Nordeste o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem fechado acordos para sua candidatura ao Palácio do Planalto com aliados do governo federal. Em sua primeira caravana pela região desde que voltou à cena política, Lula costura arranjos regionais com partidos que subiram ao altar com o presidente Jair Bolsonaro. Na prática, o Centrão está com Bolsonaro nas “quatro linhas” da Câmara, mas não tem fidelidade a ele fora do quadradinho, como a capital do País é conhecida.

As traições começam a se revelar justamente no Nordeste. Principal partido do Centrão, o Progressistas (PP) do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, já rachou.

Hoje no núcleo duro do Planalto, Nogueira sempre foi considerado um hábil articulador político. Esteve com o PT num passado não muito distante, apoiou a candidatura de Fernando Haddad à Presidência em 2018 – embora o PP tivesse lançado a senadora Ana Amélia como vice na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB) – e agora é definido por Bolsonaro como “a alma do governo”.

Poucos observaram, no entanto, que, em seu discurso de posse, Nogueira mesclou o slogan de Bolsonaro – Brasil acima de tudo, Deus acima de todos – com Viva o povo brasileiro!, romance de João Ubaldo Ribeiro conhecido por explorar o “embaralhamento” de posições em uma sociedade como a nossa.

Líder nas pesquisas de intenção de voto, Lula diz agora achar difícil que Nogueira tolere esse casamento de papel passado com Bolsonaro por muito tempo. Pré-candidato ao governo do Piauí, o ministro da Casa Civil tem bons motivos para deixar o Planalto, mas o fato é que, além dele, outros expoentes do PP e do Centrão, como os deputados Dudu da Fonte (PE) e André Fufuca (MA), hoje presidente do partido, apoiam Lula. Dudu é ligado a Nogueira, assim como Fufuca. Interlocutor assíduo do ex-presidente, Dudu esteve com ele em Brasília e agora no Recife. Quer concorrer ao Senado, assim como os deputados Silvio Costa Filho (PE), do Republicanos – legenda do Centrão associada à Igreja Universal – e André de Paula (PSD). Todos esses partidos são aliados do governador de Pernambuco, Paulo Câmara, que é do PSB e está com Lula.

“O Centrão não é um partido. Quando chegar a campanha de 2022, cada partido (do bloco) irá pensar como é que está sua tribo no seu Estado. Estou cansado de ver candidatos a presidente serem rifados”, afirmou Lula, em Teresina. Além de Pernambuco e Piauí, essa caravana pelo Nordeste inclui Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e vai terminar na Bahia, onde o vice-governador João Leão é do PP.

Atento às movimentações de seu principal adversário, Bolsonaro intensificou as viagens pelo Nordeste. Nos bastidores, o marqueteiro João Santana, hoje com Ciro Gomes (PDT), tem dito ser quase impossível que um candidato em primeiro lugar nas pesquisas a mais de um ano das eleições, como Lula, mantenha essa posição até outubro de 2022, pois ainda levará muita sapatada.

O Nordeste onde os dois Ciros – o Gomes e o Nogueira – construíram suas trajetórias políticas é cada vez mais disputado por ser um poderoso celeiro de votos, capaz de definir uma eleição. Nesse jogo, até o governador de São Paulo, João Doria, que vai concorrer a prévia para escolha do candidato do PSDB ao Planalto, tem lembrado que seu pai era baiano. Até agora, porém, a terceira via não conseguiu furar a polarização entre Lula e Bolsonaro. Mas, como diz Fufuca, “muita água vai rolar debaixo da ponte até 2022”. Principalmente no mar do Nordeste.

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