segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Alex Ribeiro - O Copom está muito otimista com a inflação?

Valor Econômico

Choques de preços podem persistir e avançar em 2022

Os analistas econômicos do mercado financeiro estão intrigados com a baixa projeção de inflação do Banco Central para 2022, de apenas 3,7%. Na realidade, o percentual estimado seria ainda menor, em cerca de 3,3%, caso a autoridade monetária adotasse a hipótese de bandeira vermelha 1 para energia elétrica, acompanhando a premissa da maioria dos economistas do setor privado.

O BC está basicamente sozinho na previsão de uma inflação tão pequena. O consenso do mercado é 4,1%. O mínimo estimado pelos 131 economistas consultados na pesquisa Focus de expectativas 3,4% para 2022. É grande a descrença de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) possa cair a praticamente um terço até o fim do ano que vem, saindo de 9,7% no período de 12 meses encerrado em agosto. Inclusive porque, na prévia do IPCA de setembro, a inflação foi a 10,05% em 12 meses.

A projeção de inflação do Banco Central é muito importante por ser um dos insumos de suas decisões de política monetária. Quando o BC projeta um percentual tão baixo, em 3,7%, significa que não precisa subir o juro muito além do que já estava previsto pelo mercado para cumprir a sua meta de inflação, estabelecida em 3,5% para 2022.

Até junho, as projeções do Banco Central e do mercado andavam muito próximas. Em agosto, o próprio BC notou a diferença e apontou algumas explicações. Uma delas, bem importante, é que as previsões do mercado já ponderam os riscos que estão no cenário, sobretudo de a política fiscal sair de vez dos trilhos. O Banco Central divulga uma projeção básica isenta dos riscos e roda outras projeções em cenários alternativos que exploram os riscos. Hoje, a inflação esperada pelo BC é maior do que 3,7%, mas não se sabe exatamente quanto. O BC deverá explicar sua visão em detalhe nesta semana. Nesta terça, o Copom divulgará a ata de sua reunião e, na quinta, teremos o relatório de inflação, acompanhado de entrevista com os dirigentes da instituição.

Enquanto isso, vale entender algumas preocupações do mercado. A Asset 1, uma gestora de ativos de terceiros, está com a visão de que os choques podem perdurar até o primeiro semestre de 2022, por isso enxerga uma inflação de 5%, com viés de alta. A empresa está na primeira posição nos Top 5 de médio prazo, formado as cinco casas que mais acertaram as suas projeções de inflação. Isso significa que foi a que melhor leu a aceleração da inflação ocorrida desde abril.

O economista sênio e sócio da Asset 1, Carlos Thadeu Freitas Gomes Filho, argumenta que os modelos tradicionais de projeção, que olham os dados passados pra tentar prever o futuro, não estão se saindo bem na situação atual. “São choques diferentes do que houve no passado, mais permanentes”, afirma. “Além disso, no passado, toda vez em que tínhamos um choque commodities, o câmbio atuava atenuando, com apreciação.”

No caso dos preços administrados, a Asset 1 está com uma projeção de alta de 5,15%, acima do consenso de mercado, de 4,37%. Um dos motivos é que a cotação do petróleo anda muito instável. O estoque de gás na Europa está muito baixo, e a temporada de frio tenderá a durar até abril. A Goldman Sachs diz que o preço do barril poderá chegar a US$ 90 em 2022. Dentro do Brasil, as queimadas durante a seca nas áreas produtoras de cana-de-açucar não chegaram a afetar a safra deste ano, que foi colhida a tempo, mas o plantio para 2022 está comprometido, o que tende a afetar os preços do etanol. Os planos de saúde tiveram redução de preços neste ano, mas agora, com a vacinação, os pacientes estão mais seguros para fazer procedimentos médicos que foram adiados. As operadoras passaram a registrar prejuízos, e a tendência é de reajuste no valor das mensalidades.

Nos bens industriais, a previsão da Asset 1 é uma alta de 5,5%, acima do consenso do mercado, de 3,5%. A cadeia de fornecimento de chips para automóveis e aparelhos eletrônicos não se restabeleceu, devido a novas ondas da pandemia em países produtores e às chuvas. “Os principais países produtores de automóveis, como Alemanha, Coreia, China, Estados Unidos, estão com níveis de produção do período da pandemia”, diz Gomes Filho. Os CEOs falam em melhora só após 2023. No Brasil, o estoque de automóveis é o menor da história, e foi um dos itens de pressão na prévia do IPCA de setembro. Os preços de commodities metálicas não deram trégua, com exceção do minério de ferro. “O choque de bens industriais avança em 2022, ainda que com menor intensidade”, afirma.

No preços de alimentos em domicílio, a estimativa da Asset 1 é um avanço de 7%, ante uma projeção de 3,9% do mercado. Um dos pontos que preocupam é que a combinação de altos preços do petróleo e do gás estão aumentando os custos dos fertilizante - que, por sua vez, tem uma relação estável com preços dos alimentos. A evolução do fenômeno climático La Niña, por sua vez, indica um quadro de neutro a positivo para a produção energia elétrica, com chuvas no Sudeste e Centro-Oeste. Mas, no Sul e na Argentina, ficaria mais seco, afetando a produção de grão. Outra preocupação é que, neste ano, os pecuaristas anteciparam o abate de gado que seria feito no fim do ano. Os mercados futuros da arroba de boi para janeiro já subiram

Por fim, nos serviços a Asset 1 prevê uma inflação de 5,46%, também acima da visão consensual do mercado, de 4,5%. “Haverá, no ano que vem, a pressão em vários itens de serviços, e será difícil combatê-la mesmo com a atividade econômica mais fraca”, afirma. Um dos setores que merecem atenção é a educação, que está com as mensalidades defasadas em cerca de 7%, e terão mais força para recompor preços se a vacinação levar a uma maior normalização da economia, como esperado. De outro lado, tem a recuperação de preços em todo o segmento de transporte, como passagens aéreas, e turismo. “A pandemia criou uma demanda reprimida”. Aluguéis também tendem a ficar pressionados, refletindo o “boom” imobiliário e o avanço dos IGPs acima do IPCA.

“Teria que ter muita coisa positiva acontecendo para baixar a inflação para menos de 4% no ano que vem”, diz Gomes Filho. “Ao contrário, o que estamos vendo é uma maior persistência desses choques.”

 

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