sábado, 4 de setembro de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - O desembarque

O Globo

Tomara que o prefeito do Rio, Eduardo Paes, esteja certo. Ao contrário de um monte de gente que teme pelo pior com as manifestações bolsonaristas do 7 de Setembro, Paes disse para a Malu Gaspar: “Posso estar absolutamente cego, equivocado. Mas minha impressão é que não vai ter nada. Vai ter uma cota grande de irresponsáveis, que defendem teses estapafúrdias, golpe militar, AI-5. Nem eles sabem do que estão falando, essa é a verdade”.

Seria o melhor para o país e, claro, o pior para Bolsonaro e sua turma, incluída a família. E o que seria o pior para o país? Motins de policiais militares e caminhoneiros tentando parar tudo.

Se a gente lembrar que o então deputado Jair Bolsonaro já apoiou motins e baderna de caminhoneiros, parece claro que há uma chance de se realizar esse pior cenário. O presidente colabora para isso todo dia.

O que fazer para impedi-lo?

Primeiro, os governadores estaduais têm uma tarefa crucial: manter o controle sobre suas PMs, mandando os policiais para a rua para evitar a baderna, e não para ajudar os golpistas.

Parece óbvio dizer isso. E é mesmo.

Mas não é também uma obviedade quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, neste caso representando outras autoridades, diz que não se negocia a democracia?

Eis o ponto a que chegamos. Presidentes de instituições da República, líderes políticos, empresários, banqueiros, membros de destaque da sociedade civil e do mundo econômico precisando vir a público para defender a democracia e a paz entre os Poderes.

Isso era para ser um ambiente dado por todos. Aqui é democracia e ponto final. Os governadores mandam nas PMs e ponto final.

Mas é por causa do presidente Bolsonaro. Em vez de governar e de lidar com uma sequência de dificuldades econômicas, ele passa o tempo estimulando seus golpistas e sua tropa de choque.

Ainda assim, nos diversos manifestos e pronunciamentos em prol da democracia, muita gente tem medo de dizer que se trata, sim, de uma crítica e uma resposta explícita aos desatinos bolsonaristas.

Isso vale para boa parte do PIB. A turma aqui se dividiu. Pode-se dizer que a ampla maioria já desembarcou do governo Bolsonaro e do assim chamado liberal Paulo Guedes. Parte desse grupo, entretanto, ainda não assumiu.

Sabe como é. A economia brasileira tem muito Estado e, pois, muito negócio com o governo federal e com as empresas e bancos públicos. Daí a quase irresistível tendência governista de boa parte dos representantes da produção e das finanças.

Vale para qualquer governo, de Lula e Temer a Bolsonaro das eleições e dos primeiros meses.

Ocorre que Bolsonaro é tão ruim para o país, a sociedade e a economia, que mesmo os mais governistas e mais temerosos estão desembarcando dessa canoa.

Mas, assim como os governadores precisam cumprir a tarefa básica de controlar as PMs, o PIB, a sociedade e as lideranças políticas precisam conter as loucuras do presidente Bolsonaro.

Como?

Primeiro, dizendo isso clara e publicamente. Segundo, recorrendo aos instrumentos disponíveis (impeachment, denúncias nos tribunais, pressão no Legislativo, campanhas etc.).

Faltam três dias para o 7 de Setembro, e as ameaças dos bolsonaristas. Há tempo para erguer uma barreira de contenção.

Necessária porque o presidente, sua família, sua tropa estão sendo cercados por diversos lados. Correm os inquéritos no STF, as investigações do Ministério Público sobre as rachadinhas, funcionários-fantasmas e, pois, lavagem de dinheiro. Acrescente-se aí a CPI que a cada dia descobre mais picaretagem e roubalheira em negócios com o governo, especialmente na área da Saúde.

Na área da Saúde, gente. Ali mesmo onde se deveria encontrar uma ação organizada para conter o vírus. Em vez disso, temos o ministro da Saúde dizendo ser contra a exigência de certificado e do uso de máscaras.

Passaram muito além do limite.

 

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