quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Elio Gaspari - Brincando de cubo na terceira via

O Globo / Folha de S. Paulo

Um fracasso pedagógico

O fracasso das manifestações de domingo contra Bolsonaro ensina que brincando de cubo não se elege presidente. Se elegesse, Geraldo Alckmin estaria no Planalto. Em 2018, ele tinha cinco minutos e meio no horário gratuito de televisão, contra poucos segundos de Bolsonaro. Tinha também os blindados do PSDB contra o estilingue do PSL. Em 1989, Ulysses Guimarães já havia sido humilhado por Fernando Collor. Tinha biografia, tempo de televisão, apoio de partidos e não chegou ao segundo turno.

O pessoal que brinca de cubo soma fatores como notoriedade, grana de todas as caixas, tempo de TV e apoios partidários. De vez em quando, tentam alavancar uma celebridade da telinha. Contudo, Collor elegeu-se porque apresentou-se como o “Caçador de Marajás”, e Bolsonaro com uma mistura de antipetismo com “nova política” (ninguém sabia o que era isso, mas foi-se em frente).

Brincar de cubo, como jogar gamão, é um hábito do andar de cima. Na essência, a brincadeira considera irrelevante a vontade popular. Assim, tanto no caso de Collor como no de Bolsonaro, deu no que deu: ambos aninharam-se no Centrão. O que há de surpreendente nesse delírio é que ele persiste no país que em 1985 elegeu Tancredo Neves, quando quase todo o andar de cima achava que, pelas leis da física, a Presidência estava entre o ministro Mário Andreazza e o ex-governador paulista Paulo Maluf.

Tancredo Neves encarnava uma ideia civilizante para enterrar uma ditadura falida. Era um político experimentado, tolerante, sábio mesmo.

Uma parte das pessoas dispostas a votar em Bolsonaro faz isso porque tem horror a Lula e ao PT. Na outra ponta, há gente que vota em Lula porque não quer mais ouvir falar em Bolsonaro.

O peronismo, assim como o antiperonismo, arruína a política argentina há mais de meio século. No Brasil, o bolsonarismo é uma espécie de doença infantil do antipetismo. Pelo visto, felizmente, saiu dos trilhos em pouco tempo. Na Argentina, essa radicalização levou à mais sangrenta e imbecil das ditaduras latino-americanas.

Bolsonaro tornou-se um fenômeno inédito na política da República brasileira. Nela, já apareceram conservadores, até reacionários, mas nunca surgiu um governante com os dois pés no atraso. Ganha um fim de de semana em Budapeste quem for capaz de citar uma iniciativa relevante de seu governo que tenha dado certo. As duas ditaduras do século XX tinham compromissos com o progresso. Basta lembrar a Consolidação das Leis do Trabalho de Getúlio Vargas e o Funrural do governo de Emílio Médici.

O Brasil só ficou com os dois pés no atraso na década de 40 do século XIX, mas ainda assim saiu do atoleiro em 1850, quando dissociou-se do contrabando e passou a reprimir o tráfico de escravizados. Naquele tempo, brincou-se de cubo até a hora em que a Marinha inglesa bloqueou a navegação negreira.

Brincando de cubo não se vai conseguir uma alternativa ao dilema Lula-Bolsonaro. Se essa alternativa aparecer, terá de vir montada em ideias e, sobretudo, num clima de tolerância generalizada. A ideia do “esse não” funciona um ano antes da eleição, mas, como diria o general Pazuello, na hora H do Dia D, eleição presidencial não é à la carte. O freguês tem de escolher o que está sobre o bufê.

 

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