quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Fernando Exman - Partida de xadrez entre os três Poderes

Valor Econômico

Alexandre de Moraes sinaliza que apenas irá reagir a eventuais a ataques

Confiem no capitão, apelam alguns aliados de Jair Bolsonaro àqueles que ficaram inconformados com a mudança de postura do presidente da República nos últimos dias. Ele joga xadrez, e não damas, acrescentam. “Recuou para atingir seus objetivos mais à frente.”

A especificação da modalidade é relevante. Em seu memorável livro “Sobre a China”, por exemplo, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger mostra como é possível entender as mentalidades ocidental e chinesa a partir da análise dos jogos intelectuais mais tradicionais de cada sociedade. Na China, joga-se o “wei qi”, que tem como objetivo o cerco estratégico por meio da paciente acumulação de vantagens relativas e simultâneas em diversas áreas do tabuleiro. Mais popular no Ocidente, o xadrez é marcado por batalhas épicas por meio das quais um lado busca impor a morte ou a rendição do exército oposto.

Na comparação bolsonarista, surge o jogo de damas: enquanto o enxadrista tem à disposição uma série de movimentos, inclusive o recuo, o praticante de damas só pode mover as peças comuns para a frente. Neste jogo, a captura de peças do adversário é obrigatória quando existe essa possibilidade. É tudo ou nada. E o contra-ataque pode ser fulminante, o que explica o fato de aliados do presidente terem passado a citá-lo como estrategista praticante do xadrez para justificar sua decisão de pedir socorro ao ex-presidente Michel Temer (MDB). Era preciso reconstruir pontes com o Supremo Tribunal Federal (STF) o mais rápido possível, mesmo que aparentemente os peões tenham sido movimentados em vão no dia 7.

Resultado desse encontro, a divulgação da carta com linhas conciliatórias de imediato atraiu uma série de críticas das alas mais radicais que apoiam o governo. Provocou, também, queda drástica da sua popularidade nas redes sociais, um tabuleiro no qual Bolsonaro se acostumou a ganhar e aposta para impulsionar sua campanha à reeleição. Nas contas do Palácio do Planalto, 150 milhões de brasileiros são usuários das redes sociais. Setenta por cento da população.

Mas tal movimento, ponderam os aliados fiéis do presidente, deve ser visto apenas como um recuo tático. Necessário, é verdade, mas não definitivo.

Acredita-se no núcleo político do governo que Bolsonaro saiu relativamente fortalecido da última semana, o que lhe assegura um lugar estratégico para manter-se altivo no jogo, nas relações com o Congresso e o Supremo.

Fortalecido porque os atos do dia 7 de setembro, pró-Bolsonaro, foram enormes e se espalharam por vários Estados. Outro aspecto citado por interlocutores é o fato de as manifestações terem sido pacíficas - a véspera foi tensa, quando os apoiadores ultrapassaram a barreira fixada na Esplanada dos Ministérios pela Polícia Militar do Distrito Federal, mas não foram registrados incidentes relevantes durante os atos. Bolsonaro deu uma inequívoca demonstração de força política, e a mobilização da oposição no dia 12 foi pífia.

O emprego do advérbio “relativamente” pelo entorno presidencial, por outro lado, decorre do fato de que o chefe do Executivo não conseguiu implodir a cadeia de comando das polícias militares, muito menos a estrutura hierárquica das Forças Armadas, e precisou executar o tal “recuo tático”.

Bolsonaro extrapolou. Em vez de controlar a massa, deixou-se por ela influenciar. Sob a ótica até de aliados, errou no discurso. Principalmente quando falou na avenida Paulista, onde os próprios excessos contribuíram para contaminar um ambiente institucional já deteriorado.

Em um trecho do pronunciamento feito na capital paulista, Bolsonaro bradava que Alexandre de Moraes, do STF, ainda tinha tempo de se redimir e arquivar os inquéritos que tanto incomodam o presidente e seu grupo político. No entanto, diante da reação negativa dos que o ouviam, logo remodelou a fala e disse que, na realidade, já havia acabado o tempo do magistrado. Foi quando chamou o ministro do Supremo de “canalha”.

Ovação obtida, crise institucional contratada.

“Tivemos vários anos de recessão e dois anos de pandemia. Não podemos ter agora uma crise institucional”, lamentou horas depois um interlocutor do presidente que acompanhava de perto as articulações que se iniciaram com a ida de Temer ao gabinete presidencial e acabaram com o telefonema que colocou de um lado da linha Bolsonaro e, do outro, o próprio ministro Alexandre de Moraes.

Aguardam-se, agora, os próximos lances de Bolsonaro, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.

Se depender da disposição governista, não se deve concluir que a macro-estratégia do presidente tenha sido alterada. E é exatamente por isso que exigem, tanto na sociedade civil quanto no Congresso, que a base permaneça em formação para as batalhas que se seguirão. Uma das metas de curto prazo é obter espaço nas contas públicas e fontes de financiamento para lançar um programa social que apague da memória do eleitor a marca “Bolsa Família”. Outra prioridade é afastar o risco de ver os integrantes da família presidencial alvejados por decisões judiciais.

No Congresso, as discussões sobre a possibilidade de abertura de um processo de impeachment foram adiadas. Na Câmara, Bolsonaro está blindado. O Senado lhe é mais hostil, mas o governo hoje tem número suficiente para mantê-lo no cargo também nesta Casa.

Se o impeachment voltar à pauta nos próximos meses, virá com alguma articulação que considere o caso do ex-presidente Fernando Collor como referência. Além da cadeira, Collor também perdeu os direitos políticos e foi impedido de disputar as próximas eleições, diferentemente do que foi feito com a ex-presidente Dilma Rousseff com a ajuda do STF e dos partidos de centro.

Quanto a Alexandre de Moraes, quem conversou com o magistrado tem a certeza de que está disposto a permanecer inerte, mas reagirá se ele próprio ou o Judiciário voltarem a ser alvos do presidente e seu grupo político.

 

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