sábado, 11 de setembro de 2021

João Gabriel de Lima - Nossa voz no mundo e as bravatas no carro de som

O Estado de S. Paulo

Hoje o Brasil só ocupa o espaço nobre de canais internacionais com notícias ruins

No dia em que o presidente Jair Bolsonaro subiu num carro de som para afrontar um ministro do Supremo Tribunal Federal (e depois se arrependeu), as manchetes nos canais internacionais de notícias foram um terremoto na Cidade do México, o incêndio num presídio na Indonésia e as eleições no Marrocos. Como já escrevi neste espaço, emissoras como BBC, Deutsche Welle, CNN, CGTN e Aljazira têm reduzido o Brasil às letrinhas miúdas do gerador de caracteres – onde desfilam os assuntos irrelevantes ou curiosos.

Existem dois Brasis, o das letrinhas e o das manchetes. O interesse internacional sobre nosso país se concentra em dois temas: economia e meio ambiente. Somos manchete positiva quando cuidamos de nossas contas públicas – o que traz recursos para investir na área social – e quando preservamos nossas florestas. Hoje só ocupamos o espaço nobre com notícias ruins: desmatamento na Amazônia e insegurança institucional que espanta investidores.

O Brasil que ocupou o espaço nobre nos noticiários da semana passada nada tinha a ver com brados golpistas na Avenida Paulista. As imagens em que populações tradicionais se manifestavam na Esplanada dos Ministérios, defendendo seu direito à terra, se espalharam pelas emissoras e sites internacionais.

O movimento indígena brasileiro tem repercussão no mundo inteiro. Ele se beneficia há muito tempo da conexão com redes religiosas. Organizações brasileiras como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi, católico) e o Conselho de Missão Entre Povos Indígenas (Comin, evangélico) mantêm intercâmbio com movimentos similares da Holanda, Alemanha e Noruega, entre outros países.

O apoio também vem das redes ambientalistas. “Demarcar terras e valorizar seus habitantes originais é uma das melhores maneiras de preservar ecossistemas”, diz Adriana Ramos, uma das coordenadoras do Instituto Socioambiental, entrevistada no minipodcast da semana. O combate às mudanças climáticas exige a cooperação de todos os países. Nessa área, o Brasil tem uma oportunidade única de se tornar uma voz relevante no mundo globalizado.

Temos a maior floresta equatorial do planeta, grande parte de nossa matriz energética é renovável e nossa agricultura é inovadora. Ela se expande com ganhos de produtividade, sem precisar aumentar a área plantada. Discussões

sobre segurança jurídica na posse da terra são sempre pertinentes – mas devem levar em consideração, entre outras coisas, nossa oportunidade de ganhar voz no mundo. Seremos párias globais se não combatermos o desmatamento da Amazônia de forma radical – e se não respeitarmos incondicionalmente o direito dos povos indígenas.

O mundo monitora tais questões, pois delas depende a sobrevivência do planeta. O conhecimento hoje se dá em rede. O intercâmbio global entre universidades, centros de estudo e organizações cívicas é um fenômeno típico do mundo moderno, que os especialistas chamam de “transnational advocacy networks” (voltarei ao assunto nas próximas colunas).

O Brasil das letrinhas e o Brasil das manchetes são, respectivamente, o Brasil das bravatas e o Brasil dos resultados. Enquanto o governo não fizer algo de concreto pela economia e no combate ao desmatamento – área em que todos olham para nós – seguiremos sendo uma piada sem graça varrida para o rodapé dos noticiários. Nossa voz no mundo nada terá de relevante: será apenas um grito sem sentido do alto de um carro de som.

 

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