quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Merval Pereira - A Era do Desmonte

O Globo

Vai de vento em popa a Era do Desmonte, como pode ser conhecida esta etapa da vida nacional em que se materializou a tese do ex-senador Romero Jucá de que era preciso “estancar a sangria” num grande acordo “com o Supremo, com tudo” para deter a atuação da Operação Lava-Jato, que levou à cadeia pela primeira vez na nossa História figurões da política e do mundo empresarial.

Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou os julgamentos do ex-presidente Lula, sob a alegação de que o então ministro Sergio Moro foi parcial contra ele, vão caindo por terra todas as condenações contra os envolvidos no escândalo de corrupção conhecido por “petrolão”, especialmente as de Lula.

O ministro Gilmar Mendes garantiu que a decisão da Segunda Turma que então presidia valia apenas para o caso do apartamento no Guarujá. No entanto, a começar por ele, todos os juízes passaram a anular outros processos ou a arquivá-los, sob o pretexto de seguir a decisão original do STF.

A reação a Moro e aos procuradores de Curitiba ganhou força institucional quando o presidente Bolsonaro, para tentar salvar-se e aos filhos, forçou a saída de Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública e caiu nos braços do Centrão, maior núcleo político de investigados e condenados na Lava-Jato.


Os vazamentos das conversas entre procuradores e deles com o então juiz Moro, mesmo sendo ilegais por ter origem em invasão de celulares, foram usados até mesmo por ministros do STF como reforço das acusações. A Segunda Turma passou a liberar todos os parlamentares denunciados pelos procuradores ou condenados por Moro, alegando motivos variados: transferiu para a primeira instância, ou para a Justiça Eleitoral, as acusações de corrupção, como se fossem meras infrações eleitorais; ou simplesmente arquivou processos; ou então os fez retroceder por erro de jurisdição.

O Congresso logo entrou como parte fundamental desse festival de licenciosidade e passou a aprovar diversos projetos que desmontam o combate à corrupção, sem o menor pudor. O senador Weverton Rocha, do PDT, é o relator do projeto que abre brechas na Lei de Improbidade Administrativa, eliminando punições a agentes públicos — ele que é réu em ação civil de improbidade e em ação penal por peculato.

Como de costume, numa votação noturna, também o Senado aprovou um projeto que flexibiliza ainda mais a Lei da Ficha Limpa, garantindo que gestores públicos cujas contas foram rejeitadas, mas punidos com multas, possam se candidatar. A Câmara já havia aprovado mudanças que amenizam as punições da Lei de Ficha Limpa, fazendo com que a inelegibilidade passe a ser contada a partir da punição, e não após o término da pena, como previsto originalmente.

A cereja do bolo foi a tentativa de impedir que Sergio Moro e procuradores da Lava-Jato possam se candidatar em 2022. A proposta de impor uma quarentena retroativa de oito anos, por estapafúrdia, foi derrotada no plenário, mas, numa manobra inédita, retomou-se o tema. A nova tentativa, baseada numa emenda aglutinativa que uniu duas outras que nada tinham a ver com o tema, e incluiu novamente a quarentena, foi aprovada só a partir de 2026. Como representa a vontade da maioria, dificilmente a manobra poderá ser anulada na Justiça, pois se trata de uma questão interna da Câmara.

Outras alterações numa reforma eleitoral feita às pressas foram aprovadas na Câmara, mas provavelmente serão barradas no Senado. A partir da eleição para presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira ligou seu trator legislativo e comanda com mão de ferro a aprovação de várias reformas que diminuem o controle da sociedade, como redução do papel do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na reforma eleitoral, a volta das coligações nas votações proporcionais é um dos principais retrocessos.

Caso o ex-presidente Lula seja eleito, provavelmente veremos a anulação de todos os processos da Lava-Jato. Todos farão como Leo Pinheiro, da OAS, que está desdizendo tudo o que denunciou. A tese de “tortura psicológica” defendida pelo ministro Gilmar Mendes pode servir de pretexto para anular as delações premiadas. O problema vai ser o que fazer com os mais de R$ 5 bilhões devolvidos pelos condenados. Pode ser que os consigam de volta na Justiça.

 

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