domingo, 26 de setembro de 2021

Merval Pereira - O desejo de mudança

O Globo

Diz-se que em política existem dois fatos: o novo e o consumado. Não temos fato consumado ainda na corrida presidencial, embora a polarização entre Bolsonaro e Lula seja uma forte possibilidade. Mas o fato novo pode ser o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite”. Mesmo que recebida com ceticismo, a análise da consultoria Eurasia indicando que ele pode ganhar as prévias do PSDB trouxe ao debate político a única novidade no campo da eleição presidencial do ano que vem. Uma novidade que poderá dar mais força à tese da terceira via.

Derrotando o governador João Doria dentro da máquina partidária que em teoria ele controla, Leite indicaria um desejo de renovação no PSDB, apesar de Doria também ser uma novidade na política paulista, onde surgiu em 2017 vencendo a eleição para prefeito de São Paulo. Leite, porém, tem apenas 36 anos e, embora tenha sido vereador em Pelotas com 26 anos, não está  marcado pela prática da velha política como seus eventuais concorrentes.


Inclusive Doria, que depois de ter sido lançado pelo então governador Geraldo Alckmin para a Prefeitura de São Paulo, e apoiado pelo hoje presidente Jair Bolsonaro na campanha para governador, abandonou os dois para uma carreira solo. Embora faça um governo considerado de alta qualidade, a popularidade de Doria não avaliza que venha a conseguir o apoio do partido na campanha presidencial, nem do eleitorado paulista, como ele acredita.

São Paulo sempre foi fundamental para a votação do PSDB nas eleições presidenciais. Fernando Henrique chegou a levar 5 milhões de votos à frente quando venceu Lula no primeiro turno em 1994 e 1998. O hoje deputado Aécio Neves saiu de São Paulo com 7 milhões de vantagem, e só perdeu a eleição para presidente porque foi derrotado em seu próprio estado, Minas Gerais, que hoje apóia Eduardo Leite. Jair Bolsonaro teve uma votação recorde em São Paulo, se elegendo presidente.

Se o governador do Rio Grande do Sul for apoiado por São Paulo e Minas Gerais na corrida presidencial de 2022, o PSDB terá reforçada sua presença em estados que já foram base eleitoral dos tucanos, e hoje estão dominados pelo bolsonarismo. Caso Doria vença, como parece mais provável, o PSDB se dividirá, com o ex-governador Geraldo Alckmin disputando o governo paulista contra o candidato de Doria, e Aécio Neves comandará a dissidência tucana em Minas.

A proposta do ex-presidente Fernando Henrique de que se faça uma união partidária contra Bolsonaro, com a presença do PT, parece inviável na prática. No mínimo porque o nome de união só poderia ser o de Lula, que está na frente das pesquisas e não abrirá mão da candidatura. Nada indica que o eleitorado que já foi dos tucanos e abandonou o candidato Geraldo Alckmim para votar em Bolsonaro em 2018 se transferiria agora para Lula. Como bem disse Carlos Alberto Sardenberg, não tem graça votar no Bolsonaro para derrotar Lula, e agora votar no Lula para derrotar Bolsonaro.

Daí a importância de uma terceira via que represente uma novidade no cenário político nacional. Esse candidato poderia ser o ex-juiz Sergio Moro, mas tudo indica que ficou fragilizado diante da campanha promovida contra ele para inocentar Lula, mesmo condenado em três instâncias. Até agora, o ex-presidente não foi absolvido em nenhum dos processos em que foi condenado, eles foram arquivados ou prescreveram, sem que o mérito fosse revisto.

Os dois candidatos que polarizam as pesquisa eleitorais a um ano das eleições enfrentarão campanhas duríssimas, com o retorno de todas as acusações, sejam o governo desastroso de Bolsonaro e suas tentativas de golpe, quanto o mensalão, o petrolão e as medidas autoritárias que o PT tentou impor para controlar os meios de comunicação e a produção cultural brasileira. A crítica à economia será do mesmo peso contra os dois governos, Bolsonaro e Dilma.

Tanto Bolsonaro quanto Lula negociam com os mesmos partidos que estiveram envolvidos nos escândalos financeiros dos últimos anos. O Centrão joga com as regras que estão em vigor, e representa a velha política. Se não surgir uma candidatura desligada desses padrões, a disputa ficará mesmo entre os dois populistas, um de esquerda, outro de direita. A não ser que Bolsonaro caia tanto em popularidade, que se inviabilize. Nesse caso, o candidato que impedir Lula de ganhar no primeiro turno terá grandes chances de vencer no segundo.

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