quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Merval Pereira - A política na economia

O Globo

O pagamento de precatórios por parte do governo federal está virando uma questão política que só poderá ser resolvida pelo Congresso. A intenção de encontrar uma solução que fosse avalizada pelo Judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para evitar que a confusão avançasse no sentido de tirar os precatórios do limite do teto de gastos, parecia boa, mas não é constitucional.

O Tribunal de Contas da União (TCU) entrou na negociação com o Ministério da Economia para encontrar uma fórmula que fosse adequada economicamente e viável juridicamente, pois o TCU considerava que parcelar precatórios, como o governo chegou a propor ao Congresso por uma emenda constitucional, traria um grande dano à imagem do país. O ministro Bruno Dantas, vice-presidente do TCU e especialista em finanças públicas, disse ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que o melhor a fazer seria reforçar o teto, aplicando-o inclusive aos precatórios mediante criação de um sublimite.

O raciocínio é que o teto de gastos congelou a despesa primária da União de 2016 e a corrigiu pelo IPCA dos anos seguintes. Como, conceitualmente, os precatórios são despesa primária, explica Dantas, não faz sentido congelar tudo e deixar os precatórios sem uma trava, para crescer fora do ritmo das outras despesas, que só crescem pelo IPCA, contribuindo para comprimir o teto e impactando em gastos discricionários indispensáveis, como manutenção de estradas.


Qual o sentido de permitir que os pagamentos para essa despesa subam além do que a emenda constitucional do teto de gastos permitiu? — pergunta o ministro Bruno Dantas. Para ele, essa regra seria mais transparente, porque o precatório que chegar depois de ultrapassado o teto será remanejado e quitado no ano seguinte. Isso daria previsibilidade e transparência.

Procurado, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, se colocou à disposição para ajudar, mas não há maneira de o CNJ, que acompanha o pagamento dos precatórios, que são dívidas judiciais, entrar na questão sem uma autorização do Congresso. Fux, consultando os demais ministros do Supremo, decidiu esperar o pronunciamento do Congresso. O caminho agora é negociar com a base governista para aprovar uma PEC que permita esse mecanismo de limitar o pagamento dos precatórios dentro do teto de gastos, transferindo para o ano seguinte o que faltar.

A posição do ministro da Economia, Paulo Guedes, também foi criticada. Ao mesmo tempo que ficou entusiasmado com a solução que seria pacificada pelo Conselho Nacional de Justiça, diz que a solução deveria sair mesmo do Congresso por meio de uma mudança constitucional. A verdade é que o governo não tem como pagar os R$ 90 bilhões que deve em precatórios e não tem controle também do Congresso para garantir que a PEC a ser enviada não será usada para furar o teto de gastos.

Ou então quer que o Congresso assuma essa tarefa, o que provavelmente será feito com satisfação pelos parlamentares, que terão mais dinheiro para suas emendas se os precatórios, ou o novo Bolsa Família, forem retirados do teto de gastos. Nos dois casos, a despesa seria da mesma ordem, de R$ 90 bilhões, o que caracterizaria a quebra do equilíbrio fiscal e repercutiria negativamente no risco Brasil.

Entre os precatórios, cerca de R$ 16 bilhões são dos estados, e seria possível retirá-los da fila de pagamento para negociar em separado numa mesa de conciliação, sugestão do ministro Gilmar Mendes. O importante é encontrar uma solução que não impacte nos precatórios de pessoas físicas.

Além de todos os problemas técnicos envolvidos na questão, o ambiente político hoje está impeditivo para qualquer negociação mais delicada. Até o dia 7 de setembro, quando estão marcadas manifestações contra o Supremo em várias capitais, não há condição de achar uma solução negociada entre o Executivo e o Judiciário. O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, fará uma declaração hoje, na abertura dos trabalhos, alertando que é preciso respeitar as decisões do Judiciário e que a democracia não pode ser atacada nas manifestações marcadas para o Dia da Independência.

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