quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Nilson Teixeira - Basta!

Valor Econômico

Se a crise piorar, os parlamentares não poderão mais se esquivar de frear ações antidemocráticas

Eu nunca imaginaria que em plena vigência da pandemia - tragédia que resultará na morte de mais de 600 mil brasileiros até o fim deste ano - o Brasil vivenciaria uma crise institucional gerada pelo seu presidente. É triste ouvir repetidas manifestações veladas com viés antagônico ao estado de direito por parte do presidente Jair Bolsonaro e de membros do seu governo.

Há décadas que o Brasil não se sujeitava a tamanha insegurança institucional. Em um momento com tantos problemas sanitários, educacionais e econômicos, choca observar o presidente inserir um grau tão elevado de risco à estabilidade política. O país não vivenciou embates iguais aos de Bolsonaro contra os outros poderes nem mesmo nos dois últimos processos de impeachment.

Desde o início do seu governo, o presidente tem fomentado atritos com os principais órgãos de imprensa e vários jornalistas. A reclamação de haver um viés contrário ao governo tem sido um discurso recorrente de vários presidentes, mas Bolsonaro tem levado esse embate ao extremo, com comentários inconcebíveis para o ocupante do principal cargo do Executivo que, por definição, tem de buscar o entendimento.

O clima belicoso cresceu muito desde a eclosão da pandemia, com o presidente adotando postura negacionista sobre o alcance, a gravidade e a propagação da contaminação por covid-19, ao mesmo tempo em que se voltava contra as políticas de restrição à mobilidade patrocinadas por entes regionais para conter a doença. A campanha e defesa de tratamentos comprovadamente ineficazes contra o vírus, a demora na contratação de vacinas e as picuinhas contra o esforço do governo paulista em produzir vacinas no Instituto Butantan demonstram a estratégia do presidente de fomentar desavenças, independentemente das circunstâncias.

As críticas de Bolsonaro aos posicionamentos do STF que contrariam suas vontades, em particular dos ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes, aumentaram em demasia, com intimidações inconsistentes com o papel de chefe do Executivo. As suas acusações de falcatruas eleitorais com o uso de urnas eletrônicas, mesmo tendo sido eleito por esse sistema, as reiteradas promessas nunca cumpridas de comprovação da violabilidade dessas urnas - clara propagação de “fake news” - e a campanha fracassada pelo voto impresso têm tornado o ambiente ainda mais conflituoso. As afirmações do presidente de que uma eventual derrota eleitoral em 2022 só ocorreria por conta de fraudes nas urnas - mesmo com as atuais pesquisas indicando sua derrota - e, portanto, não seria acatada, são sinais de risco de enfrentamentos que podem ultrapassar o campo legal.

O ruído político ultrapassou os limites da razoabilidade a ponto de proliferarem cartas de defesa do estado de direito por parte de grupos dos mais diversos espectros, vários dos quais compostos por eleitores de Bolsonaro em 2018. Os riscos tornam-se irrefutáveis quando surgem documentos, mesmo que por ora informais, assinados por diversas associações de classe, inclusive a Febraban e a Fiesp, historicamente caracterizadas pela relação pacata com os poderes constituídos, transmitindo sua contrariedade com a deterioração política.

As manifestações de 7 de setembro foram divulgadas sob agendas amplas, visando obter forte adesão: a defesa do patriotismo e da fé no poder de Deus; a contrariedade com os ministros do STF que estariam colocando em risco a liberdade; a rejeição às interferências do Congresso e do Judiciário prejudiciais ao cumprimento de pautas liberais e de costumes do governo; a disposição por lutar contra o comunismo; e o apoio à intervenção das Forças Armadas na defesa da democracia.

Os reiterados e fantasiosos comentários do presidente sobre ameaças comunistas - seja lá isso o que for - e ataques contra a democracia e a liberdade, bem como as repetidas falas a respeito de golpes e da eventual necessidade de interferência militar, já não podem ser lidos apenas como devaneios ou estratégias políticas. A elevada frequência do presidente em eventos das Forças Armadas e das polícias militares, em conjunto com os seus discursos inflamados, têm fortalecido a impressão de que busca apoio da instituição a favor de aventuras conspiratórias e autoritárias.

O número de participantes da manifestação de 7 de setembro será interpretado pelo presidente, por razões óbvias, como uma aprovação integral da sociedade ao seu governo, suas ameaças e suas críticas aos demais Poderes, em particular ao STF. Os discursos do presidente nos protestos foram explícitos sobre os riscos para a estabilidade das instituições democráticas, sobretudo ao mencionar suposta convocação do Conselho da República, que tem por função pronunciar-se sobre intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio.

Em suma, não há mais como crer que os ataques do presidente contra ações derivadas do funcionamento normal dos demais poderes sejam simples jogo político e partidário, mesmo quando mesclados por defesas ardilosas do estado de direito e da harmonia. Não há mais espaço para o apoio a campanhas do “nós” contra “eles”, quando os “nós” são poucos e os “eles” são, na realidade, quase todos nós.

Contra os discursos radicais e extremados, temos de defender o direito inalienável ao voto, como forma, no seu devido tempo, de substituir ou reeleger governos. A agenda para a manifestação de 12 de setembro é, portanto, transparente: a defesa do voto nas urnas eletrônicas em outubro de 2022 sob um contexto de paz e de respeito à vontade dos outros.

Caso a crise institucional e política continue piorando, não haverá mais condições para os parlamentares, em particular o presidente da Câmara dos Deputados, se esquivarem de utilizar os instrumentos previstos na Constituição para frear comportamentos e ações nitidamente antidemocráticos. Não é possível conviver com um aprofundamento contínuo da crise em várias frentes e continuar sem nenhuma ação prática na direção da abertura do processo de impeachment do presidente. É preciso dizer: “Basta!”.

 

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