sábado, 18 de setembro de 2021

O Que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Querelas de Queiroga

Folha de S. Paulo

Guinada na vacinação de jovens indica subserviência do 4º ministro a Bolsonaro

Durou pouco a trégua do Planalto após os atos golpistas do 7 de Setembro, quando Jair Bolsonaro se viu obrigado a conter arroubos contra o Supremo Tribunal Federal. Acuado, o presidente assestou a artilharia do governo sobre a vacinação de adolescentes contra Covid-19, que deslanchava.

Sujeitou-se a tanto Marcelo Queiroga, médico que vinha consertando algo do estrago do general Eduardo Pazuello na Saúde. Por contrariar especialistas dentro e fora da pasta, a diretriz de não mais recomendar a imunização de jovens veio realimentar rumores de risco de efeitos adversos sérios.

Queiroga errou mais: citou um caso de morte de adolescente em São Paulo que se encontra sob investigação, não sendo possível afirmar que tenha relação com imunizante. Ministro e Bolsonaro reeditam, assim, um momento vil da Presidência na pandemia, quando explorou um suicídio —de novo, um paulista— para desacreditar a vacina do Instituto Butantan.

O efeito da nova rusga de Queiroga com governadores e prefeitos foi sustar a vacinação dos jovens em ao menos sete capitais. Mesmo que se admita alguma precipitação ao inocular essa coorte antes de avançar na imunização completa (menos de 40% dos brasileiros), a reviravolta reforça a desconfiança de setores da população com o melhor instrumento contra a Covid.

Aprofunda-se, em paralelo, a descoordenação entre entes da Federação no enfrentamento da pandemia. O ministério, que deveria orquestrar a reação ao novo coronavírus, volta a ser visto não como agente técnico, mas como ator político submisso aos desvarios ignorantes de Bolsonaro.

Um governo que troca três vezes de ministro em meio a tamanha emergência sanitária demonstra ter outras prioridades acima da saúde. As soluções de continuidade se acumulam e redundam em graves falhas logísticas, como se viu na recente carência de doses e nos prazos de validade vencidos de medicamentos no valor de R$ 240 milhões.

Não se descarta que a incompetência na distribuição de vacinas seja outro motivo oculto da querela aberta pelo ministro. Interessa a Queiroga estigmatizar como troféu político o arrojo de prefeitos e governadores que lograram acelerar a vacinação à revelia da inoperância do Planalto.

O médico deveria atentar para a experiência de seu antecessor. Adulando o presidente e acatando seus desmandos em matéria de saúde pública, adentra uma rampa escorregadia em que se sacrifica a reputação a troco de nada.

Retrato repetido

Folha de S. Paulo

Polarização Lula-Bolsonaro se mantém em Datafolha sobre eleição presidencial

Apesar de episódios políticos marcantes, como as manifestações bolsonaristas do Dia da Independência, e da introdução de novas hipóteses na disputa presidencial de 2022, a pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta (17) repetiu o retrato da sondagem anterior.

Em todas as simulações o petista Luiz Inácio Lula da Silva aparece na liderança, com mais de 40% das intenções de voto, deixando para trás o presidente Jair Bolsonaro, na casa de 25%, e os demais possíveis oponentes. Em terceiro, com variações a depender dos adversários, continua Ciro Gomes (PDT).

No cenário com o leque de opções mais aberto, em que se listam a senadora Simone Tebet (PMDB) e nomes como José Luiz Datena (PSL), Aldo Rebelo (sem partido), Rodrigo Pacheco (DEM) e Alessandro Vieira (Cidadania), nenhuma mudança substancial se observa.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), antagonista do presidente, oscila entre 4% e 6% conforme o cenário apresentado.

Lula também se sai vitorioso em todos os confrontos de segundo turno. Numa contenda com Bolsonaro, teria 56% contra 31%.

O quadro momentâneo repete a polarização que marcou a eleição de 2018 (quando Lula, então inelegível, deu lugar a Fernando Haddad). Se é verdade que Lula e Bolsonaro não são extremos simétricos no espectro ideológico, é fato também que outro candidato competitivo poderia ao menos matizar o debate político, que tende, por ora, a certo padrão maniqueísta.

Não é demais lembrar que 59% dos entrevistados pelo Datafolha dizem que não votariam em hipótese nenhuma em Bolsonaro, e 38% rejeitam o ex-presidente petista.

Embora um grupo de partidos e presidenciáveis, com a simpatia de áreas influentes da sociedade, venha se movimentando na tentativa de fortalecer uma alternativa aos dois mais cotados, as perspectivas não se mostram auspiciosas.

Isso explica, de certa forma, a recente volta à ribalta do ex-presidente Michel Temer (MDB). Depois de um governo que contou com apoio de setores relevantes da economia, mas se viu às voltas com acusações e naufragou em popularidade, o emedebista parece incentivado a se lançar como uma opção conservadora democrática ao desvario de Bolsonaro.

É de praxe sublinhar que pesquisas de intenção de voto são fotografias de determinados momentos. Os resultados da presente sondagem não indicam modificações, mas é preciso considerar que falta ainda mais de um ano para o pleito e que as indefinições da disputa são ainda consideráveis.

O curandeiro da República

O Estado de S. Paulo

Ao mandar interromper a vacinação dos adolescentes, Marcelo Queiroga deixou claro que a única diferença entre ele e Eduardo Pazuello é um diploma de Medicina

 

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mostrou que está disposto a tudo para se manter no cargo, inclusive renegar o juramento de Hipócrates e se ajoelhar diante do altar da seita bolsonarista. Ao mandar interromper a vacinação dos adolescentes de 12 a 17 anos contra a covid-19 sem qualquer razão científica que justificasse a medida, Queiroga deixou claro ao País que a única diferença entre ele e seu antecessor, Eduardo Pazuello, é um diploma de Medicina. A subserviência aos desígnios mais irresponsáveis do presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde de facto, é rigorosamente a mesma do intendente.

Na tarde de quinta-feira passada, Queiroga pegou o País de surpresa ao anunciar a interrupção da bem-sucedida vacinação dos jovens sem comorbidades. Causou espanto, sobretudo, na comunidade médica, no Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e no Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), além da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que aprovou, sem restrições, a aplicação da vacina da Pfizer em adolescentes. Logo após o anúncio do ministro, a Anvisa houve por bem reiterar a segurança do imunizante para esse público, o que a um só tempo serviu para acalmar pais aflitos e revelar quão anticientífica foi a decisão do Ministério da Saúde.

A fim de justificar a medida disparatada, Queiroga alegou que 1,4 mil adolescentes de 12 a 17 anos receberam imunizantes que não foram aprovados pela Anvisa para essa faixa etária. O número representa apenas 0,04% do total de adolescentes já vacinados no País (3,5 milhões). Se, de fato, isso ocorreu, o problema deve ser corrigido, sem interromper a vacinação de todos os jovens. O secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, informou que houve 114 “eventos adversos” entre os adolescentes vacinados. Além de se tratar de um número ínfimo, “evento adverso” pode ser qualquer ocorrência indesejada após a vacinação, como febre ou dor de cabeça, nada necessariamente grave que justifique a interrupção da aplicação da vacina. O secretário fez menção à morte de uma adolescente de 16 anos, mas, até o momento, não foi comprovado o nexo causal entre a vacinação e a morte da jovem. Há apenas um liame temporal.

O ministro da Saúde também mentiu ao alegar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) seria contra a vacinação de adolescentes sem comorbidades. O que a OMS diz é que crianças e adolescentes tendem a apresentar quadros mais brandos de covid-19, o que recomenda que a imunização desse grupo deve ser feita somente após a dos mais vulneráveis. A vacinação dos adultos no Brasil avançou a tal ponto que já é possível imunizar os mais jovens.

A rigor, o que pesou para o Ministério da Saúde interromper a vacinação dos adolescentes foi uma ordem direta de Bolsonaro, que, por sua vez, foi tomada após pressão dos bolsonaristas nas redes sociais, que o presidente chama de “o que chega ao meu conhecimento”. Durante sua live semanal, Bolsonaro afirmou que sua conversa com Queiroga “não é uma imposição”. “Eu levo para ele o meu sentimento, o que eu leio, o que eu vejo, o que chega ao meu conhecimento”, disse. Como bússola para a definição de políticas públicas, o “sentimento” de Bolsonaro, o curandeiro da República, tem levado o Brasil à ruína sanitária, política, econômica e moral.

Arrefecida momentaneamente sua guerra particular contra o Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro torna a sabotar a vacinação, como se o presidente não tivesse problemas muito mais sérios para resolver. É tática: criar uma crise por dia para desviar a atenção de sua gritante incompetência. Mas os brasileiros já se deram conta dos ardis de um presidente irresponsável e ergofóbico e vêm deixando de dar trela para seus desatinos no combate à pandemia.

Felizmente, o negacionismo antivacina não vingou entre a esmagadora maioria da população. Os brasileiros aderiram a todas as campanhas de imunização. Contra a covid-19 não seria diferente. Muitos governadores e prefeitos já anunciaram que não cumprirão a determinação do Ministério da Saúde e seguirão com seus planejamentos para vacinar os adolescentes. Os pais responsáveis devem levar seus filhos aos postos de vacinação quando for a hora.

O governo quer confusão, mas a sociedade busca soluções. E é justamente da responsabilidade dos cidadãos que virá o fim desse pesadelo.

Tiros no pé

O Estado de S. Paulo

Ventos econômicos favoráveis estão sendo desperdiçados pela cupidez política

Após um primeiro trimestre mais forte, a retomada econômica do País vem amargando a estagnação. No segundo trimestre, o PIB, puxado por quedas na agropecuária, indústria e investimentos, recuou 0,1%. As previsões para este ano e o próximo estão encolhendo. A aceleração da inflação, a crise hídrica, a recuperação desigual das atividades e a desaceleração global sob as pressões da variante Delta aumentam as incertezas.

Quanto dessas incertezas decorre de fatores estruturais e quanto de fatores conjunturais? Quanto resulta da conjuntura global e quanto da conjuntura nacional? Quanto era inevitável e quanto é uma criação artificial das disputas em Brasília? São algumas das questões enfrentadas no seminário sobre Conjuntura Econômica promovido pelo Instituto Brasileiro de Economia da FGV em parceria com o Estado.

Como diagnosticou José Julio Senna, a erosão dos últimos meses é visível em todos os setores: as estimativas de crescimento são medíocres; o desemprego é persistente; a questão distributiva se agravou; a resposta à crise energética foi tardia e talvez insuficiente. O que agrava tudo é a inapetência do Executivo em relação à administração do dia a dia da economia e seu descompromisso com a disciplina fiscal e uma agenda de reformas.

A inflação é um exemplo da confluência entre fatores da conjuntura global e agravantes fabricados no Brasil. Em todo o mundo, a pandemia inibiu a produção e distribuição de bens, criou gargalos na oferta e desviou a demanda de certos serviços para certos bens. A imprevisibilidade é geral. Mas a inflação no País está bem acima da de seus pares na América Latina. A origem do problema é a mesma, mas os desdobramentos no Brasil foram mais severos, em razão de fatores naturais como a estiagem, mas também econômicos como a depreciação do câmbio. “Combater a inflação num país como o Brasil não é tarefa apenas do Banco Central, mas do governo como um todo”, disse Senna. “Mas o interesse do governo é bastante modesto.”

Outro exemplo é a alta dos juros, que, como apontou Armando Castelar, reflete não só a rotina da política monetária, mas os temores com a saúde fiscal do País. A queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro sugere que no ano eleitoral a demagogia atropelará a disciplina fiscal. Seu maior adversário e líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, declara para quem quiser ouvir ser a favor de demolir o teto e escalar os gastos.

O Congresso poderia reforçar a ancoragem fiscal e colocar as contas públicas ao abrigo do teto. Como apontou Silvia Mattos, o Parlamento foi responsável por conquistas como as reformas trabalhista e da Previdência, os marcos do gás e do saneamento e a Lei da Liberdade Econômica. Mas não colhemos os frutos, porque hoje o Congresso atua mais na “contrarreforma”, debatendo-se em busca da quadratura do círculo, isto é, aumentar investimentos sociais sem cortar gastos obrigatórios. O Executivo tenta excluir os precatórios do teto, enquanto os parlamentares nem sequer cogitam utilizar suas emendas para robustecer o Bolsa Família.

Ante a incerteza crescente, a “âncora”, segundo Senna, seria uma liderança política que, sim, reagisse às pressões corporativas, como é próprio do processo político, mas que soubesse sobrepor os interesses econômicos e sociais sobre os interesses imediatos. Em outras palavras, a tão falada “terceira via”. Mas até o momento ela permanece no campo do desejo, e tudo indica que o “descomunal cabo de guerra político” não acabará em 2022, e se estenderá por 2023 e depois.

Quanto da incerteza econômica foi criado no Brasil? A conclusão do seminário é “muito”. O cenário externo é favorável, o preço das commodities está alto, os juros reais no exterior estão negativos e, internamente, o vírus tem cedido à vacina. Mas “a gente mesmo está criando problema”, concluiu Castelar, que, exprimindo uma certa exasperação, se furtou ao jargão econômico para falar em bom português: “No fundo, o pedido de todos aqui é: vamos parar de dar os tiros no pé que estão vindo da política”.

Gasolina e muito barulho

O Estado de S. Paulo

Autorização para postos venderem gasolina de qualquer marca pode ter pouco efeito

O decreto do presidente Jair Bolsonaro que autoriza os postos a venderem gasolina de qualquer marca, e não apenas a das distribuidoras com as quais muitos mantêm contrato de exclusividade, em tese estimula a concorrência e, desse modo, tende a melhorar as condições de operação do mercado e a forçar alguma redução de preço para o consumidor. Por causa do comportamento imprevisível do presidente da República – considerá-lo errático talvez seja até elogioso e certamente será enganoso, pois há método nos seus aparentes desvios de rota –, porém, nesse governo pouca coisa é o que parece.

O decreto presidencial, publicado na terça-feira passada (dia 14/9), pode ter vários efeitos, para os quais especialistas do mercado de combustíveis já chamam a atenção pelos riscos que ele contém de desorganização do sistema de distribuição de combustíveis. Mas é pouco provável que um deles seja a redução do preço.

É, por óbvio, um ato de deliberada intenção político-eleitoral, em razão da obsessão com que, de um modo ou de outro, Bolsonaro busca conquistar apoio popular – em flagrante declínio.

Não faz muito tempo, quando cobrado pela alta dos combustíveis – o litro da gasolina já chegara a R$ 7 – em suas conversas com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada, Bolsonaro chegou a dizer que “a gasolina tá barata, o gás tá barato”. Argumentou, então que “o pessoal tem que entender a composição do preço” do combustível, que, disse, não é de sua responsabilidade.

Em boa parte, de fato, não é. Há a oscilação do preço do petróleo no mercado internacional, há a carga tributária (que incide há muitos anos), há a margem da Petrobras, das distribuidoras e dos postos. E há também o dólar. Aí sim tem a ver com o governo, ou com o próprio Bolsonaro.

“O dólar já era para estar descendo, mas o barulho político não deixa descer”, disse acertadamente o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao comentar a turbulência do cenário durante evento promovido por uma instituição financeira. É verdade. Mas de onde vem o “barulho político”?

Vem da chefia do governo de que Paulo Guedes faz parte. Com ofensas a adversários, desprezo pelas regras de relacionamento com outros Poderes e ameaças veladas ou explícitas de desrespeitar as instituições, Bolsonaro conturba o ambiente nacional.

Decisões ora isoladas, para atender apenas a interesses de um segmento limitado de apoiadores de Bolsonaro, ora desconectadas de outras ações – poucas ações – do governo, reduzindo-lhes a eficácia, tornam-se fator de instabilidade. A incapacidade do governo para responder aos desafios que se acumulam e se agravam – desemprego, inflação, baixo crescimento, desequilíbrio fiscal, a questão ambiental – gera desconfiança e insegurança.

No caso dos combustíveis, o decreto é apenas mais um ato de uma gestão típica do atual governo. Há pouco, Bolsonaro interveio na direção da Petrobras e colocou na presidência o general Joaquim Silva e Luna, com o objetivo de evitar altas constantes no preço da gasolina. Não funcionou, porque a estatal precisa operar em condições de mercado.

A liberação da bandeira para os postos já estava prevista em medida provisória editada em agosto, dando prazo de 90 dias para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) definir as regras. A agência reguladora foi atropelada em suas atribuições.

Atualmente, postos vinculados a distribuidoras só podem vender produtos de determinada bandeira. São as distribuidoras que respondem pela mistura de etanol à gasolina e do biodiesel ao óleo diesel. Quem responderá por isso depois do decreto? Como será feita a fiscalização e a responsabilização pela qualidade do produto? Como ficam os contratos entre postos e distribuidoras?

É provável que postos vinculados a distribuidoras assim continuem e outros que operam sob o regime de bandeira branca (sem exclusividade) também assim se mantenham. Que efeito terá, então, o decreto sobre o preço na bomba?

 

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