segunda-feira, 20 de setembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Mais uma gambiarra

Folha de S. Paulo

Perdido em improvisos, governo eleva e avilta tributo para criar programa social

Não bastassem a inflação em alta e o risco de racionamento de energia, o caos decisório que emana do Planalto se mostra o principal fator de insegurança a minar as chances de retomada econômica.

Com foco nas eleições e tendo abandonado uma agenda econômica consistente, o governo Jair Bolsonaro recorre a sucessivos improvisos, que vão se tornando cada vez mais deletérios e custosos.

O exemplo mais recente é a majoração do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), de modo a arrecadar R$ 2,1 bilhões até o fim do ano para custear a criação do Auxílio Brasil, o novo programa assistencial que pretende substituir o Bolsa Família, politicamente associado à gestão petista.

Como a lei proíbe o lançamento da iniciativa durante o ano eleitoral e ao mesmo tempo exige que sejam identificadas fontes de receita, a opção do governo foi iniciá-lo a partir de outubro, com o encerramento do auxílio emergencial. A fonte de custeio veio de uma medida tributária que não depende de aprovação do Congresso.

Toda a decisão é errada, a começar pelo desvio de finalidade do IOF, um imposto de natureza regulatória na área monetária e creditícia.

O aumento do custo do crédito para pessoas físicas (de 1,5% para 2,04%) e empresas (de 3% para 4,08%), além disso, vem em péssimo momento, num quadro de endividamento elevado, juros já em alta e economia em desaceleração.

Quanto à ação social, a exigência legal de nova fonte de financiamento só se coloca porque o governo insiste em modificar o programa existente —que não impede o aumento do benefício, desde que haja cortes em outras áreas.

A falta de capacidade de planejar e fazer escolhas, porém, prenuncia o problema maior, que será a discussão do Orçamento de 2022.

Sem capacidade ou disposição do governo para gerir sua base parlamentar e confrontar a voracidade do centrão por recursos, são enormes as incertezas que cercam a tramitação da peça no Congresso.

Será preciso solucionar nas próximas semanas uma série de temas complexos, como o custeio do Bolsa Família que se pretende ampliar, os precatórios majorados por decisão judicial e o aumento da dotação para emendas pretendido pelos parlamentares.

Por enquanto, em vez de propostas serenas e firmeza nas negociações, o que se vê é a busca por atalhos, como o parcelamento dos precatórios e a tentativa de aprovar a qualquer custo a péssima reforma do Imposto de Renda.

Haveria espaço para a ampliação dos benefícios sociais para até R$ 300 ao mês se fosse levada a cabo uma negociação ampla, de modo a reduzir o montante de precatórios sujeitos ao teto de gastos e cortar parte das emendas. Mas chegar a tal entendimento exige disciplina e organização, atributos de que o governo não dispõe.

Caos na fronteira

Folha de S. Paulo

Explosão de venezuelanos desabrigados exige reforço da ação humanitária em RR

É alarmante a situação humanitária na fronteira do Brasil com a Venezuela, em Pacaraima (RR). Em relação a maio, mês que antecede a reabertura da fronteira entre os dois países, cresceu em 243%, para 4.015, o número de venezuelanos desabrigados na cidade.

O número, apurado pela Organização Internacional para as Migrações, é brutal para um município de 18 mil moradores. A maior parte dos migrantes e refugiados vivem em situação de rua; outros ocupam espaços públicos ou área privadas cedidas. Os dois abrigos da Operação Acolhida, comandada pelo Exército, estão superlotados.

Com equipe insuficiente, a operação —elogiada pelo presidente Jair Bolsonaro, que anunciou a intenção de visitar a região nas próximas semanas— requer reforço imediato em estrutura e locais de abrigo para prestar assistência humanitária adequada.

Não é de hoje que a situação na fronteira entre Brasil e Venezuela preocupa. Sob o regime do ditador Nicolás Maduro, o país vizinho vive uma tragédia social que combina pandemia, pobreza e desnutrição. A explosão do número de desabrigados em Pacaraima decorre, principalmente, de uma demanda reprimida em pouco mais de um ano de portas fechadas.

Entre março de 2020 e junho deste ano, o governo brasileiro barrou a entrada, por via terrestre, de migrantes e solicitantes de refúgio sob qualquer hipótese, alegando cumprir uma determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) —o que foi desmentido em fevereiro pelo órgão.

Mesmo com a fronteira brasileira hoje reaberta, o governo federal ainda prevê, por força de portaria editada em junho, penas para quem viola regras migratórias, entre elas a deportação imediata, o que foi contestado na Justiça, e inabilitação de pedido de refúgio, em descumprimento de tratados internacionais sobre o tema.

Essa política federal soma-se à precariedade dos serviços municipais e estaduais a agravar o quadro humanitário no local.

A situação de comoção social em Pacaraima revela que investimento em acolhida ordeira e robusta deveria ter prevalência em relação a medidas restritivas que, além de desumanas, não dão conta da realidade fronteiriça entre Brasil e Venezuela, tradicionalmente porosa.

A volta do ‘mais honesto’

O Estado de S. Paulo

Onda de votos em Bolsonaro foi motivada muito menos pelo entusiasmo por seus inexistentes programas de governo do que pela aversão a quinto mandato petista.

As decisões judiciais favoráveis a Luiz Inácio Lula da Silva têm servido ao seu partido não só para proclamar sua suposta inocência, mas reinventar a sua imagem. Tripudiando da memória dos brasileiros, o PT espera apagar seu passivo de incompetência, corrupção e negacionismo, anunciando-se a solução para as agruras do presente, como se não fosse um dos grandes responsáveis por muitas delas.

As revisões judiciais revelam mais as falhas da Justiça que as virtudes de Lula. Sua defesa contestou os vícios dos processos, não o seu mérito. Nunca houve explicações convincentes para casos como os do sítio ou do triplex. Se, com anos de atraso, a Suprema Corte declarou a suspeição do juiz de primeira instância, anulando as acusações que agora prescrevem, isso limpa a ficha eleitoral de Lula, mas sua ficha moral segue suja – em dimensões que extrapolam o âmbito judicial.

Em ininterrupta campanha eleitoral, o PT liberou recentemente uma peça de propaganda comparando a gestão de Jair Bolsonaro à de Lula. Não é por lapso de seus marqueteiros que as menções terminem em 2010. Assim como Bolsonaro tenta se desvencilhar de sua responsabilidade pelo desastre pandêmico, Lula tenta se desvencilhar da sua pelo desastre econômico que foi a década perdida de 2010, talvez a de menor crescimento desde a República Velha.

Após a conciliação promissora, mesmo surpreendente, no primeiro mandato, com a arquitetura econômica legada pelo governo FHC e a expansão de seus programas sociais, a gestão Lula aproveitou o boom das commodities para impulsionar o consumo, ampliar redes assistencialistas e injetar esteroides nos “campeões nacionais”, negligenciando as condições para um crescimento sustentável, como infraestrutura, produtividade e educação.

A contabilidade criativa de Dilma Rousseff – o poste do qual Lula tenta se desvencilhar – precipitou a economia no buraco do qual busca sair a duras penas com mecanismos de saneamento fiscal como o teto de gastos que Lula promete demolir. O negacionismo bolsonarista das ciências médicas não é menos acintoso que o negacionismo lulopetista das ciências econômicas.

Mas o legado do PT não se limita à recessão: há o mensalão e o petrolão. O partido, que há pouco acusava a Justiça de conspirar com as elites para perseguir o “pai dos pobres”, agora louva a sua idoneidade. Mas se “esquece” de que essa Justiça condenou seus correligionários por roubalheira bilionária. Nunca houve explicação, muito menos retratação, por tão volumosos malfeitos e tão celerados malfeitores. Ao contrário: seguem consagrados como “guerreiros do povo brasileiro”.

É fácil posar de moderado ante um delinquente político como Bolsonaro. Mas, recentemente, aquele que se anuncia como a esperança da democracia lamentou que o Brasil não tenha um partido com o mesmo “controle e poder de comando” do regime totalitário chinês. Quando milhões de cubanos foram às ruas, Lula acusou o bloqueio dos EUA – sem o qual Cuba seria uma “Holanda” –, silenciando sobre a ditadura mais longeva e sangrenta das Américas.

De resto, também o bolsonarismo é de algum modo uma criatura lulopetista. Em sua política belicosa do “nós contra eles”, tanto o PT acusou por toda parte um fascismo imaginário que o fascismo real se materializou. Ninguém duvida que a onda de votos que elegeu Bolsonaro foi motivada muito menos pelo entusiasmo por seus inexistentes programas de governo do que pela aversão a um quinto mandato petista. Seria irônico, não fosse trágico, que agora a criatura sirva de álibi para ressuscitar seu criador.

Não se pode nem sequer dizer que, ante a ameaça Bolsonaro, o PT queira uma anistia por sua incompetência, seus escândalos de corrupção, seu vandalismo sobre a moralidade pública, porque anistia pressupõe o reconhecimento de culpa. No caso do PT, como no inferno de Sartre, os culpados são sempre os outros.

Tal como Bolsonaro se elegeu aterrorizando o eleitorado com a visão de um novo mandato petista, Lula, que já se qualificou como “a alma mais honesta” do Brasil, conta com o pavor de um novo mandato bolsonarista para arrancar dele seus votos. Em troca, promete repetir milimetricamente o que os governos lulopetistas já fizeram e que pavimentou o caminho para o desastre econômico, político e moral no qual o País está metido.

Um método perigoso

O Estado de S. Paulo

No caso do leilão do 5G, não é um pedido de vista que vai atravancar o avanço tecnológico

O leilão do 5G teve a data mais uma vez adiada e pode ficar para 2022. A última previsão feita pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, era realizar a disputa em outubro. Mas, para isso, Faria contava com a displicência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) na análise da maior licitação da história do País, que deve movimentar R$ 45 bilhões.

Não seria algo exatamente novo no processo do 5G. No Tribunal de Contas da União (TCU), a pressão do governo se impôs desde o início e deu resultado. No auge da pandemia de covid-19, Faria levou três dos nove ministros da Corte de contas para uma missão internacional à Europa e Ásia, a pretexto de conhecer fornecedores do 5G. 

Quando o edital foi submetido ao plenário, os apontamentos da área técnica do TCU foram ignorados. Mesmo com o pedido de vista do ministro Aroldo Cedraz, os outros ministros manobraram para antecipar seus votos, isolar o colega e impor a ele a simbólica derrota pelo placar de 7 a 1. Insatisfeitos, em mais um constrangimento público nunca antes visto no TCU, esses ministros decidiram em plenário exigir um prazo de apenas uma semana para que Cedraz submetesse sua análise aos demais, ainda que, regimentalmente, ele tivesse dois meses para fazê-lo.

Esse método perigoso tem nome e sobrenome. Orgulhoso do atropelo público a um órgão de controle, Fábio Faria convocou entrevista coletiva naquele mesmo dia para celebrar o feito, mesmo sem o edital formalmente aprovado. 

É dentro desse contexto que se insere a atitude do conselheiro da Anatel Moisés Queiroz Moreira, que pediu vista no último dia 13 de setembro. Ele havia deixado claro que precisaria de mais tempo para concluir sua análise e até pedido informações adicionais ao Ministério sobre investimentos que o governo quer viabilizar por meio do edital. 

Na Anatel, a coerção do governo não foi bem-sucedida. E não foi por falta de tentativa. Faria teria procurado todos aqueles que, segundo acreditava, poderiam influenciar o conselheiro Queiroz a desistir do pedido de vista. Sem sucesso, chegou a apelar ao mesmo expediente que adotou no TCU: pediu aos conselheiros que adiantassem seus votos para expor o colega.

Primeira agência reguladora do País, a Anatel certamente já viveu tempos melhores, mas, na semana que passou, fez valer os tão maltratados princípios que nortearam sua criação em 1997: independência administrativa e ausência de subordinação hierárquica. Foi para se precaver desse tipo de intimidação que o governo propôs, e o Congresso aprovou, há quase 25 anos, a garantia do mandato fixo e a estabilidade de seus dirigentes. Uma vez aprovados pelos senadores, os conselheiros têm cinco anos no cargo e só deixam a função a pedido. Não podem ser demitidos pelo ministro.

É evidente que o País tem deficiências na conectividade. A pandemia deixou ainda mais claro como uma internet estável e de boa qualidade é essencial para escolas e alunos. Mas não é um pedido de vista que vai atravancar o inexorável avanço tecnológico. Se a intenção do conselheiro é aprimorar o bilionário edital, o Brasil, certamente, pode aguardar mais algumas semanas.

As dúvidas do conselheiro residem em falhas nos projetos que integram o modelo escolhido pelo governo para o leilão. Em vez de cobrar um bônus pelo uso das faixas, o Executivo decidiu impor obrigações às teles que vencerem a disputa. Uma delas é a construção de uma rede de comunicações exclusiva para o governo, na qual a participação da Huawei não será permitida. Trata-se de um projeto caro, inútil e feito apenas para agradar ao presidente Jair Bolsonaro e a seus seguidores fanáticos na guerra particular e insana contra a China, nosso maior parceiro comercial.

Técnicos do TCU já haviam criticado a governança do projeto há meses. Mas foi apenas na sexta-feira, 17, depois do pedido de vista na Anatel, que o governo publicou um decreto que acaba com a exclusividade da Telebras para operar a rede privativa do governo. Se quisesse resolver o impasse de uma vez, bastaria ao governo excluir esse projeto do edital.

Privatizações à Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

O governo que prometia desestatizar tudo precisa criar uma estatal para começar a privatizar

Justificada técnica, administrativa e legalmente, a criação de mais uma empresa estatal pelo presidente Jair Bolsonaro é, não obstante, uma ironia para um governo que vinha há anos prometendo vender todas as estatais para auferir uma receita de R$ 1 trilhão, suficiente para resolver todos os problemas fiscais do presente e do futuro – se seus sucessores não cometessem desatinos. Nenhuma estatal foi privatizada, a despeito das promessas mirabolantes feitas durante a campanha eleitoral de 2018 e reiteradas e até ampliadas pelo economista Paulo Guedes, já com a responsabilidade de homem público à frente do Ministério da Economia. E duas foram criadas.

A criação da Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S. A. (ENBPar) pelo Decreto n.º 10.791, de 10 de setembro de 2021, era uma exigência formal. Ela estava prevista nas regras para a desestatização da Eletrobras fixadas pela Medida Provisória n.º 1.031 (transformada, com muitas alterações, na Lei n.º 14.182, de 12 de julho de 2021).

O Tratado de Itaipu, assinado pelos governos brasileiro e paraguaio em 1973, estabelece que a titularidade do capital social da empresa binacional deve ser mantida por órgão ou entidade da administração pública federal, daí a necessidade de criação de uma empresa – no caso, a ENBPar – para cumprir esse papel. A lei de desestatização da Eletrobras incluiu a Eletronuclear como controlada da nova estatal.

Em nota, o Ministério da Economia afirmou que a criação da nova controladora da binacional e da Eletronuclear representa o “prosseguimento ao processo para que a perda de controle acionário (da Eletrobras) pela União e a emissão das ações ocorram até fevereiro do próximo ano”. De acordo com as regras, a capitalização permitirá que investidores privados aumentem proporcionalmente sua participação no capital da empresa, fazendo a fatia da União se reduzir para 45% do total.

Só então, se o cronograma for cumprido, se terá efetivamente a primeira transferência do controle efetivo de uma estatal para o setor privado.

Mas, mesmo que isso ocorra, o número de estatais sob controle da União terá crescido ao longo de um governo que prometia desestatizar tudo o que fosse desestatizável. Antes da ENBPar, o governo Bolsonaro criou, no fim do ano passado, a NAVBrasil Serviços de Navegação Aérea, o que, como observou o Estado na ocasião, foi considerado uma vitória da ala militar do governo e uma derrota do Ministério da Economia.

A estatal agora criada já nasce com recursos de R$ 4 bilhões reservados no Orçamento. Os recursos, informou o Ministério da Economia, “serão utilizados para que a estatal adquira o controle da Eletronuclear e a parte da Eletrobras no capital de Itaipu”. A ENBPar “será uma estatal não dependente”, ou seja, não dependerá de transferências do Tesouro para se manter; utilizará recursos próprios.

A privatização, que marcou com tom fortemente liberal o discurso de campanha de Jair Bolsonaro em 2018 e foi reiterada pelo economista Paulo Guedes, antes e depois de assumir o Ministério da Economia, continua sendo apenas uma promessa – uma entre muitas que o governo descumpriu, traindo seus compromissos com o eleitor.

“Calculamos que temos cerca de R$ 1 trilhão em ativos (da União) a serem privatizados, incluindo as ações do Tesouro na Petrobras”, dizia Guedes durante a campanha. Já ministro, aumentou o valor para R$ 1,25 trilhão, atribuindo o novo cálculo ao então secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar. Com o programa de privatização estagnado, Mattar deixou o governo em agosto de 2020.

Por algum tempo, o governo afirmou que privatizaria com a presteza possível a Casa da Moeda, os Correios e a Eletrobras. Depois de muitos discursos e controvérsias, a Casa da Moeda foi retirada do programa de desestatização. O projeto autorizando a privatização dos Correios foi aprovado em agosto. Com a nova estatal, dá-se um passo para desestatizar a Eletrobras. Agora vai?

O imperativo de aprimorar a reforma administrativa

Valor Econômico

Texto afasta mais uma chance de o país discutir o tamanho do Estado e suas ineficiências

A Câmara dos Deputados tem nesta semana a imperativa missão de recolocar no rumo certo as discussões sobre a reforma administrativa, iniciativa fundamental para modernizar o Estado brasileiro, cuja votação está prevista para ocorrer amanhã na comissão especial.

A matéria ainda tem um longo caminho a percorrer até a sua eventual promulgação, o que ficará cada vez mais difícil de se concretizar em razão da proximidade das eleições. Mas, ainda assim, é preciso recordar que o início da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional 32/20 poderia ter ocorrido antes.

O governo demorou a enviá-la ao Congresso por questões políticas, o que ocorreu apenas em setembro do ano passado, e ainda o fez de forma atabalhoada - tanto que até hoje a PEC é objeto de análise do Tribunal de Contas da União (TCU). Conforme revelou o Valor no início deste mês, depois de provocado pela Frente Parlamentar Servir Brasil, o Ministério da Economia reconheceu em documento encaminhado ao TCU que as projeções de impacto fiscal apresentadas até agora não estão pautadas em estudos específicos, mas em cenários “exploratórios” e “hipotéticos”. Em outras palavras, estão baseadas num “exercício de possibilidades” que estima uma economia entre R$ 300 bilhões e R$ 816 bilhões para os cofres públicos. Na visão da pasta, tamanha diferença se deve ao fato de os efeitos da reforma não serem imediatos e estes dependerem de medidas subsequentes à eventual aprovação da PEC.

No Congresso, contudo, até o que começa a ser discutido corretamente pode ser desvirtuado. E este risco aumenta quando o projeto em questão afeta interesses de importantes grupos de pressão ou corporações, como é o caso da reforma administrativa.

Ela foi enviada ao Legislativo com o objetivo de transformar a administração pública e melhorar os índices de produtividade do Executivo, o que, em tese, asseguraria ao cidadão que paga seus impostos em dia serviços de melhor qualidade a um custo mais baixo. Em sua concepção original, as alterações valeriam para todos os entes da federação - União, Estados e Distrito Federal, além dos municípios - e servidores dos três Poderes.

Concebida para os futuros servidores, ela não afetaria direitos dos atuais funcionários públicos e criaria novos tipos de vínculos com a administração, como os cargos típicos de Estado, vínculo de experiência, cargos com prazo indeterminado, cargos com prazo determinado (em substituição à contratação temporária) e funções de liderança. A proposta precisaria ser regulamentada depois por diversos projetos de lei, mas, antes disso, o pior começou a acontecer no Parlamento: a pressão das corporações do funcionalismo contaminou as discussões.

Em uma versão de seu relatório, o deputado Arthur Maia (DEM-BA) ampliou os benefícios para as carreiras policiais, diminuiu a extensão dos contratos temporários para o serviço público e inadmitiu as emendas que pretendiam incluir juízes e promotores na reforma. Além disso, evidenciou-se uma disputa interna entre os policiais. Um dos pontos que causou mais protestos era a transferência da Polícia Federal de órgão da segurança pública para órgão judiciário, mudança criticada pelas demais forças policiais.

O relator também decidiu alterar as regras de avaliação de desempenho dos servidores públicos, fazendo com que os funcionários que tivessem avaliação insuficiente fossem alvo de abertura de um procedimento administrativo. O julgamento se daria por servidores da própria carreira, sonho de qualquer defensor do corporativismo e da ineficiência do processo de avaliação de desempenho do funcionalismo.

Em paralelo, foram declaradas inconstitucionais as emendas que impediriam que os novos concursados tivessem direito a privilégios como férias de mais de 30 dias, aumentos retroativos e progressão na carreira exclusivamente por tempo de serviço. Foi abandonada, também, a possibilidade de redução dos salários dos servidores em 25%, com diminuição proporcional da jornada de trabalho. Com isso, conseguiu-se o inimaginável: até quem era a favor passou a trabalhar contra a PEC. Em vez de combater privilégios e injustiças, a atual formatação do texto acabou afastando do horizonte mais uma chance de o país discutir o tamanho do Estado e suas ineficiências.

 

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