terça-feira, 21 de setembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Apoio à democracia é alento no Brasil sob Bolsonaro

O Globo

Os brasileiros continuam a ser a fortaleza a dar sustentação à democracia. A última pesquisa de opinião do Datafolha, feita em todo o país após as manifestações golpistas do 7 de Setembro, dá a dimensão de como o sentimento democrático tem crescido entre os brasileiros — um alento num país governado por um presidente que já demonstrou repetidas vezes não ter muito apreço por ele. Para 70% dos entrevistados entre os dias 13 e 15 deste mês, a democracia é o melhor regime de governo para o país.

É o segundo maior percentual registrado desde que o Datafolha começou a fazer a pergunta, em 1989. Quando Jair Bolsonaro assumiu a Presidência, em 2018, o apoio à democracia estava em 56%. Num clássico exemplo de ação e reação, os discursos e atos antidemocráticos de Bolsonaro levaram a ampla maioria dos brasileiros a valorizar ainda mais a liberdade de escolher nas urnas eletrônicas quem governa o Brasil.

Na questão mais crítica para avaliar o apoio ao regime democrático, caiu para 9% a parcela daqueles que acreditam que, em certas circunstâncias, uma ditadura poderia ser melhor. É o nível mais baixo da série histórica e quase metade do registrado nos primeiros meses do atual governo. A maioria silenciosa não vai a protestos nas ruas, mas está atenta. Para 51% há a chance de nova ditadura — e é justamente esse receio que impulsiona a valorização da democracia.

Quando critica o voto eletrônico, Bolsonaro só quer criar um pretexto para questionar o resultado em caso de derrota em 2022, sob a falsa acusação de fraude. Mas a campanha autoritária bolsonarista, disfarçada de libertária, só engana os incautos. Dois terços acham que as manifestações e as mensagens nas redes sociais pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) ameaçam a democracia.

O brasileiro está hoje entre os povos com maior sentimento democrático, revela outra pesquisa, feita em 53 países entre fevereiro e abril, sob encomenda da Aliança de Democracias, com sede na Dinamarca. O Brasil está no grupo de 17 países onde ao menos 85% da população acredita que a democracia é importante. Também aparece entre as nações em que mais de 50% deseja que a democracia aumente. Ao mesmo tempo, no relatório deste ano do sueco Instituto V-Dem, o Brasil é destaque como um dos lugares onde o cerceamento à democracia é mais dramático.

Logo depois das manifestações do 7 de Setembro, Bolsonaro — mais por conveniência que convicção — deu uma guinada e, numa iniciativa capitaneada pelo ex-presidente Michel Temer, divulgou uma carta pregando paz entre as instituições. Apesar disso, 56% dos entrevistados pelo Datafolha ainda apoiam um processo de impeachment do presidente. O apoio sobe para 76% na eventualidade de Bolsonaro cumprir a promessa de não obedecer à Justiça.

Quando pôs tanques na Praça dos Três Poderes, ele quis intimidar o Congresso. Quando orquestra sua milícia on-line contra as instituições, quer tê-las sob o seu domínio. Mas os desvarios de Bolsonaro só agradam aos fanáticos. A pesquisa Datafolha mostra, de forma incontestável, que as instituições não têm o respaldo somente da Constituição na defesa contra o golpismo do presidente. Estão amparadas num amplo e sólido apoio popular à ordem democrática.

Nova rodada de privatização de aeroportos atrairá investimentos

O Globo

O governo levará hoje a consulta pública o edital da sétima e última fase da privatização dos aeroportos brasileiros. Serão vendidos três blocos com 16 terminais, entre eles Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio. Trata-se de notícia excelente. A venda atrairá os investimentos necessários para modernizar a infraestrutura aérea, essencial ao desenvolvimento. Como em toda privatização, porém, será necessário tomar cuidado com o modelo adotado para evitar arrependimentos.

Os investimentos exigidos para os próximos 30 anos somam R$ 8,8 bilhões (R$ 3,3 bilhões só em Congonhas). O lance mínimo pago pela concessão é estimado em R$ 487 milhões para Congonhas e R$ 355 milhões para Santos Dumont. Para formar um bloco, cada um dos dois chamarizes foi associado a terminais menos atraentes. Congonhas será vendido com os aeroportos de Campo Grande, Corumbá, Ponta Porã, Altamira, Marabá, Santarém, Parauapebas e o Campo de Marte. Santos Dumont, com os de Jacarepaguá, Uberlândia, Montes Claros e Uberaba. O terceiro bloco é formado pelos de Belém e Macapá.

É correta a estratégia de reunir pedaços que despertam maior e menor interesse. Quem levar Congonhas, cujo movimento antes da pandemia superava 22 milhões de passageiros ao ano, estará encarregado de modernizar os aeroportos da Região Norte. O governo também acertou ao reduzir a discussão do edital de 100 para 70 dias, para realizar o leilão até abril de 2022. O principal cuidado deve ser evitar inviabilizar os negócios para quem arrematar a concessão.

O Brasil já dispõe de exemplos de sucesso e insucesso para saber o que fazer. Entre os sucessos estão os aeroportos de Cumbica/Guarulhos, na Grande São Paulo, e Brasília. Depois da privatização, Cumbica ganhou um novo terminal e alcançou padrão equivalente ao de aeroportos internacionais. Entre os insucessos estão Viracopos, no interior paulista, São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte (cujas concessões foram devolvidas) e o Galeão, no Rio. Diante do movimento aquém do esperado, a empresa que levou o Galeão suspendeu pagamentos em 2017 e ainda renegocia o contrato.

É fundamental que a Anac mantenha a vocação do Santos Dumont como origem e destino de voos nacionais de menor extensão e jatos executivos. Dada a localização privilegiada, obviamente seria mais interessante para as empresas que o arrematarem operar voos para qualquer destino. Mas não seria necessariamente melhor para a cidade ou mesmo para o passageiro.

A pista curta limita o tamanho das aeronaves que podem operar lá, portanto os principais voos para o exterior continuarão no Galeão. Se o Santos Dumont ficar com os demais, o esvaziamento tornaria o Galeão inviável. Ao mesmo tempo, o crescimento da economia fluminense nas próximas décadas exigirá plena capacidade de ambos. O modelo adotado precisa levar tudo isso em conta, conciliando o valor do negócio para o investidor com as perspectivas para a cidade.

A contrarreforma administrativa

O Estado de S. Paulo

O monstrengo gestado pelas bases parlamentares governistas agravará o quadro fiscal, prejudicará a eficiência dos serviços e degradará a moralidade pública

Nada evidencia mais o patrimonialismo, o corporativismo e o clientelismo entranhados no Poder Público quanto a tramitação da reforma administrativa. A proposta do governo foi tardia e limitada. As piores distorções não foram enfrentadas. Na Câmara, entre a desarticulação do Planalto e as pressões corporativas, os poucos pontos positivos foram dilapidados, avanços históricos foram revertidos e novas distorções foram criadas. O texto final relatado pelo deputado Arthur Maia (DEM-BA) é uma verdadeira contrarreforma.

Uma boa administração deve prosperar em uma cultura de liderança orientada pelo espírito público, manifesto em valores como imparcialidade, proatividade e inovação. Deve ser eficaz e confiável, premiando o esforço, o talento e a iniciativa. E deve ser flexível e adaptável às transformações sociais, por meio de canais transparentes e abertos de diálogo entre servidores e servidos. As demandas excepcionais ao Poder Público suscitadas pela crise pandêmica escancararam o abismo entre esse ideal e a realidade. 

O Estado brasileiro gasta muito e gasta mal. Os servidores têm mais benefícios que seus pares na iniciativa privada, e no próprio funcionalismo a desigualdade entre a elite e as bases é maior do que no mercado privado. Os incentivos à produtividade e os prêmios ao mérito são escassos e viciados. O resultado é uma máquina de gerar desigualdades, custosa, ineficiente e vista com desconfiança pelo cidadão comum, o que desencadeia um ciclo vicioso de vilanização dos servidores, retroalimentado pela sua vitimização. 

Desde o início, as promessas do governo eram limitadas ao liberalismo de fancaria do ministro da Economia, Paulo Guedes. Cortar gastos, reduzir quadros excessivos e eliminar privilégios são condições necessárias para sanear a administração, mas não são suficientes nem as mais importantes para modernizá-la.

Mesmo esses objetivos, contudo, se perderam. O presidente Jair Bolsonaro, historicamente ligado aos interesses do funcionalismo, nunca se empenhou em aprovar as propostas de seu Ministério da Economia e manobrou para privilegiar suas bases, como as forças de segurança.

O texto final foi tão pervertido, que o Centro de Lideranças Públicas (CLP), que tem uma atuação consistente em prol da modernização do Estado e vinha subsidiando os parlamentares, considerou o projeto irremediável e retirou o apoio à reforma.

Entre as distorções, o CLP aponta a declaração de inconstitucionalidade de qualquer emenda que inclua membros da Justiça, justamente os que mais acumulam privilégios. O texto também abre brechas constitucionais para burlar a lei de supersalários. Se a matéria for aprovada, a avaliação de desempenho, que poderia ser regulada com mais agilidade e flexibilidade por leis ordinárias, será constitucionalizada. Ao mesmo tempo, as regras propostas inviabilizam o desligamento por insuficiência, já que ela seria julgada no interior das corporações. O único gatilho fiscal da reforma, o mecanismo de redução de jornada e remuneração por adesão voluntária, foi eliminado.

Mais escandalosos são os afagos às forças de segurança: não só foram restaurados antigos privilégios eliminados na reforma da Previdência, como foram criados novos, como o foro especial para delegados; a inclusão das guardas municipais e polícias legislativas no rol de carreiras exclusivas de Estado; a nova pensão por morte; ou a retirada da cassação de aposentadoria como sanção administrativa.

Como constatou o presidente do CLP, Luiz Felipe d’Avila: “As mudanças só têm um sentido: melar a reforma. Eles não querem fazer a reforma, então fazem um parecer absurdo, que é óbvio que vai ser derrubado. E, se for aprovado, é um enorme problema para o País, que já gasta 13% do PIB com máquina pública e vai gastar ainda mais”. 

O monstrengo gestado pelas bases parlamentares governistas agravará o quadro fiscal, prejudicará a eficiência dos serviços e degradará a moralidade pública. A conclusão é incontornável: “O meu resumo”, disse D’Avila, “é que esse parecer tem de ser jogado na lata de lixo”. 

Um governo opaco

O Estado de S. Paulo

Por motivos políticos, governo Bolsonaro se recusa a cumprir a Lei de Acesso à Informação

Segundo a narrativa bolsonarista, uma das características do governo Bolsonaro seria sua interlocução direta com a sociedade. Jair Bolsonaro não precisaria de intermediários, seja em campanha eleitoral, seja no governo. Com seu jeito despojado de falar, teria colocado o Palácio do Planalto em inédito patamar de proximidade e transparência com a população. As lives semanais do presidente – com direito a sanfonas, orações e piadas de mau gosto – seriam exemplo dessa nova comunicação.

Todo esse discurso, no entanto, mais se assemelha a uma cortina de fumaça. Jair Bolsonaro colocou o Executivo federal num patamar de opacidade inédita na experiência democrática brasileira. Por exemplo, seu governo tem se recusado a cumprir, por motivos políticos, a Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/11). Ou seja, Bolsonaro não faz sequer sua obrigação, desobedecendo aos parâmetros mínimos de comunicação com a população exigidos pela lei.

Conforme revelou o Estado, servidores do Palácio do Planalto orientaram ministérios a avaliar o “risco político” e omitir informações nas respostas a pedidos solicitados por meio da LAI. Por exemplo, no dia 15 de junho, Danillo Assis da Silva Lima, assessor da Secretaria de Governo, editou uma resposta do Ministério da Saúde a um pedido de informação do jornal, alegando preocupação com a entrega dos dados requisitados. Eis o que Silva Lima argumentou, ipsis litteris: “Acho que não seria o caso de exemplificar, pois se informar um ofício deverá informar todos (avaliar se os ofícios oferecem algum risco político)”.

O Estado tinha pedido o nome dos deputados e senadores que solicitaram e obtiveram no Ministério da Saúde repasses com emendas do relator-geral. Eram, portanto, informações relativas a uso de recursos públicos, sobre as quais não deve recair nenhum sigilo.

Vale lembrar que a Lei 12.527/11 apenas regulamenta um direito previsto na Constituição. “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”, diz o art. 5.º, inciso XXXIII da Constituição.

Os termos constitucionais são precisos. A população tem o direito de receber a informação, exceto se o sigilo for “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Esconder uma informação sob o pretexto de que ela pode prejudicar politicamente o governo é precisamente o que a Constituição e a LAI vieram coibir.

A Lei 12.527/11 qualifica como conduta ilícita do agente público “recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa” (art. 32, I). Os documentos obtidos pelo Estado revelam que, ao responder a um pedido de informação previsto na Constituição, o governo Bolsonaro escondeu dados com base em critérios políticos, descumprindo a lei.

O caso é mais uma demonstração de que o governo Bolsonaro tem uma concepção equivocada, inteiramente inconstitucional, a respeito da informação pública. Os dados relativos ao poder público não são de titularidade do governo, como se coubesse ao governante definir o que divulga e o que não divulga – ou seja, como se o governante tivesse o direito de esconder o que lhe traz risco político. A informação é, ao contrário, um direito da sociedade.

No início do ano passado, o governo Bolsonaro extinguiu as sessões, quase diárias, nas quais o então porta-voz da Presidência da República, general Otávio do Rêgo Barros, respondia a perguntas da imprensa. Depois, em outubro de 2020, o cargo de porta-voz foi desativado. Bolsonaro exonerou Rêgo Barros da função e não colocou ninguém no lugar.

É no mínimo estranho que um governo que se diz próximo da população esteja tão preocupado em dificultar o acesso à informação. Ao esconder dados sobre seu governo, Jair Bolsonaro revela descaso com os deveres da função pública e com os direitos do cidadão. A Constituição exige transparência.

O desmanche da ciência

O Estado de S. Paulo

Redução de recursos para o Ipen compromete a produção de remédios contra o câncer

Com a informação de que suspenderá temporariamente a importação de insumos para a produção de medicamentos utilizados em diagnóstico e tratamento de câncer por falta de recursos orçamentários, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) é mais uma vítima da asfixia financeira que o governo Bolsonaro vem promovendo na área de ciência, pesquisa e educação desde sua posse.

A informação foi divulgada pelo Ipen menos de dois meses após dois acontecimentos lamentáveis. O primeiro foi o colapso da Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que reúne informações sobre trabalhos realizados por todos os pesquisadores brasileiros. O segundo acontecimento foi a advertência feita pela comunidade científica brasileira para o risco de um apagão, também decorrente de cortes orçamentários, das atividades do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que atua na área de tecnologias de exploração espacial e meio ambiente, de desenvolvimento de programas de previsão meteorológica por meio de satélites e de monitoramento de queimadas e emissão de alertas climáticos. 

No caso do Ipen, a paralisia de suas atividades e serviços de medicina nuclear afetará não só a fabricação de remédios contra o câncer, mas, também, a elaboração de estudos e diagnósticos de diversas outras doenças, num momento em que o País enfrenta uma das mais graves crises de saúde pública de sua história. A paralisia também dificultará o funcionamento de hospitais e clínicas especializadas e causará problemas em famílias que têm algum de seus membros fazendo quimioterapia. Segundo previsões da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), a suspensão na distribuição dos radiofármacos do Ipen prejudicará cerca de 1,5 milhão de pessoas.

Atualmente, o órgão produz 25 diferentes radiofármacos, o que corresponde a 85% do fornecimento nacional. Além disso, os remédios produzidos pelo Ipen representam cerca de 10% dos medicamentos usados para tratar diversas doenças graves. “A crise do Ipen causará um apagão no tratamento do câncer no País”, adverte o presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares, Celso Cunha. “O Ipen é produtor quase exclusivo no Brasil dos isótopos radioativos que são utilizados na medicina nuclear. Por exemplo, no diagnóstico de cintilografia óssea para procurar metástase óssea em pacientes com câncer e na cintilografia miocárdica para avaliar pacientes infartados e com doenças coronarianas”, afirma o presidente da SBMN, George Coura Filho. 

Há duas semanas, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada publicou um estudo chamando a atenção para o preço que o País está pagando pelo desprezo demonstrado pelo governo Bolsonaro à ciência e à pesquisa. O estudo mostrou que, no ano passado, a União investiu em ciência um volume de recursos inferior ao que destinou em 2009. Apesar da importância das pesquisas num período de pandemia, em 2020 foram repassados R$ 7,2 bilhões, ante R$ 18 bilhões em 2009, em valores corrigidos pela inflação. Entre outros órgãos, além do Ipen, do Inpe e do CNPq, essa redução prejudicou o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o Centro de Pesquisa em Energia e Materiais, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. 

No campo econômico, a asfixia orçamentária da ciência acarreta perda de competitividade do País, num momento em que as disputas no âmbito de um comércio globalizado são cada vez mais acirradas. No campo político, o menosprezo pela produção do conhecimento dificulta a formação de uma política científica capaz de subsidiar um projeto de futuro para o País, ao mesmo tempo que o torna um mero figurante nas discussões nas relações internacionais e na geopolítica mundial. 

Esse é o preço que o Brasil está pagando por ter um governo incapaz de compreender que ciência é progresso e poder. 

Baralho paulista

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra força de nomes conhecidos, mas candidaturas estão indefinidas

pesquisa Datafolha sobre a disputa eleitoral paulista registra o bom desempenho de atores de um elenco já conhecido pelo eleitorado: ex-governadores, ex-prefeitos e ex-candidatos bem votados. O que não se sabe, entretanto, é quais desses nomes estarão de fato no palco de estreia da campanha.

O quase eterno Geraldo Alckmin se mostra o preferido do eleitorado, com 26% das intenções de voto, com força especialmente no interior e entre os mais pobres. Hoje sem cargo público, o médico governou o estado por quase 12 anos e meio, em quatro mandatos.

Está de saída do PSDB, provavelmente para o PSD de Gilberto Kassab. Nesse cenário eleitoral do Datafolha, Alckmin ainda aparece como nome do PSDB e, pois, não enfrenta Rodrigo Garcia, tucano noviço e vice de João Doria.

Na prática, é quase certo que Alckmin e Garcia se enfrentem nas urnas. Garcia, no DEM até este ano, ex-deputado, ex-secretário estadual de governos tucanos e gerente-geral do governo Doria, ainda é um desconhecido do eleitorado.

No cenário em que disputa o governo (que exclui Alckmin), Garcia marca 5%. Mas é razoável imaginar que possa tirar votos de Alckmin no eleitorado de centro ou centro-direita que desde 1994 tem colocado o PSDB no governo estadual.

De volta ao cenário com Alckmin na disputa, o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT) aparece em segundo lugar, com 17%, na prática empatado com Márcio França (PSB), com 15%. Em seguida, com 11%, surge Guilherme Boulos (PSOL), coordenador do MTST, que chegou ao segundo turno da eleição para prefeito, em 2020.

França, vice de Alckmin e governador por alguns meses em 2018, talvez não seja candidato. Pode vir a ser um aliado de Alckmin, o que em parte depende da definição de alianças nacionais do PSB, partido que analisa um acordo com o PDT de Ciro Gomes ou mesmo com o PT.

A candidatura de Boulos, por sua vez, também é passível de se tornar objeto de negociação em um acordo entre seu partido e o PT a respeito da eleição presidencial.

A definição na esquerda, além do mais, depende de um cálculo sujeito a outras hipóteses: sem França na disputa, caso Alckmin mantenha seu eleitorado e caso Garcia decole, há o risco de que a esquerda dividida não chegue ao segundo turno.

Como se não faltasse névoa no cenário paulista, ainda é preciso saber das perspectivas presidenciais de João Doria, sua capacidade de diminuir a má avaliação de seu governo e, assim, de levantar a candidatura de seu vice, Garcia.

Por ora, a pesquisa revela o valor das cartas que os jogadores receberam na primeira rodada. A situação ainda está embaralhada.

Eleições à russa

Folha de S. Paulo

Fossilização do sistema político do país sob Putin avança com pleito parlamentar

Um dos elementos da vida política na Rússia de Vladimir Putin, figura dominante no país desde 1999, era a busca constante de um legalismo formal por parte do presidente. Eleições e respeito ao regramento constitucional, por ilusórios que fossem, eram a regra.

Parte disso decorria do imperativo de popularidade para legitimar seu poder ante a elite, situando Putin num time de autocratas à parte de tiranetes mais vulgares.

Mas o cenário está mudando. A fossilização do sistema político sob o presidente deu largos passos quando Putin operou em 2020 uma mudança constitucional para ficar no poder até 2036. O dissenso, que nunca encontrou viabilidade orgânica num ambiente partidário controlado, passou a ser reprimido de forma implacável.

O ativista Alexei Navalni virou símbolo dessa realidade. Tendo mobilizado multidões inauditas contra o Kremlin desde 2017, ele passou a apostar em uma guerrilha. Seus aliados promoveriam quaisquer candidatos de partidos com chances de derrotar nome do Rússia Unida, a sigla do putinismo.

Deu certo pontualmente. No ano passado, Navalni acabou envenenado e teve de ser tratado na Alemanha, acusando Putin pelo crime. O mandatário deu de ombros, como em outros episódios de morte de rivais. Assim que o ativista voltou ao país, em janeiro, foi preso.

O que se viu depois foi uma campanha sistemática de repressão em reação a gigantescos protestos pró-Navalni. Focos de independência na mídia foram tachados de agentes estrangeiros, desculpa para multas pesadas e arbitrárias.

Em preparação à eleição parlamentar nacional finalizada domingo, dezenas de candidatos de oposição foram proibidos de concorrer por filigranas legais.

Para coroar o processo, foi implantada em Moscou e outras regiões a opção de voto online, um teórico avanço que, segundo a oposição consentida dos comunistas, promoveu uma fraude maciça.

Após atraso de 14 horas na tabulação dos votos, o Rússia Unida venceu na capital, usualmente mais refratária a Putin. O partido segue comandando a Duma (Câmara baixa do Parlamento), com 324 de 450 cadeiras.

O processo sugere o fim da era em que Putin edulcorava seu jugo com alguns temperos democráticos, mas também mostra que o presidente talvez já não confie tanto no apoio que claramente ainda reúne na sociedade russa.

Novos e velhos desafios fiscais esperam Estados e municípios

Valor Econômico

Movimentos recentes do governo federal jogam contra os regionais e representam problemas adicionais a serem administrados

Recentemente o Tesouro Nacional alertou os governos regionais para não se animarem com os bons resultados fiscais que apresentaram em 2020 e seguem mostrando neste ano. Os números são positivos, mas atípicos e consequência de acontecimentos excepcionais derivados da pandemia, que vão afetar os dados fiscais até o fim deste ano e não se repetirão a partir de 2022. Pagamento de dívidas, ajuste das folhas de pagamento e aposentadoria dos funcionários são alguns dos temas espinhosos a serem enfrentados pelos governos regionais, além da retomada dos investimentos.

O Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, elaborado pelo Tesouro, mostrou que 2020 foi um ano atípico também nas finanças públicas. Estados e municípios, e suas estatais, tiveram o maior resultado primário da história, de R$ 42,9 bilhões. Por outro lado, o governo federal teve o maior déficit já registrado, de R$ 745,9 bilhões.

O padrão se repete neste ano. Dados mais recentes do Banco Central contabilizaram superávit primário de R$ 7,3 bilhões para Estados e municípios em julho, e R$ 54,4 bilhões no ano. Enquanto isso, o governo central (excluindo estatais) registrou déficit de R$ 16,8 bilhões em julho e de R$ 234,7 bilhões no ano.

Estados e municípios conseguiram os bons resultados de 2020 graças ao recebimento de recursos da União para atender as despesas extraordinárias para enfrentar a pandemia do novo coronavírus e compensar a perda de receitas. O auxílio emergencial ajudou a manter a demanda em alguns segmentos, gerando receita tributária. Além disso, o crescimento das despesas foi contido pelas limitações impostas ao reajuste de contas como o pagamento de salários e às contratações. Com isso, as receitas aumentaram mais do que as despesas.

O Tesouro argumenta, porém, que a maior arrecadação do ICMS não foi consequência do crescimento do número de bens transacionados, mas sim da elevação dos preços, puxados pela inflação. O relatório pontua que elevados níveis de benefícios fiscais, ampliados ainda mais por alguns Estados durante a pandemia, constituem um problema. Segundo o relatório, a renúncia fiscal média dos Estados é de 18,2% do ICMS. Mas o percentual sobe a 50,3% no caso do Amazonas por conta da Zona Franca de Manaus. Aumentaram o benefício São Paulo e o Paraná. Lembra ainda que a limitação ao reajuste de algumas despesas, como a com pessoal, vale até o fim deste ano, e é praticamente certo que haverá pressão por uma recomposição.

Embora o aumento de benefício fiscal possa representar alguma margem de manobra para a recuperação de receita, não há garantia de manutenção ou incremento dos resultados dada a perspectiva de crescimento menor da economia em 2022. O aumento da inflação, o aperto da política monetária, a preocupação fiscal e a tensão política são fatores que fortalecem as recomendações de cautela.

Alguns temas espinhosos ficaram em suspenso e deverão agora ser encarados. Um deles é padronização dos cálculos para apuração do limite de despesa com pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que ganharam novas regras no início deste ano. Outra questão é a adesão aos programas de ajuste sob patrocínio federal. Há ainda o desafio estrutural constante do déficit da previdência, embora o relatório do Tesouro registre que 18 Estados fizeram reformas.

O relatório não faz referência, mas alguns movimentos recentes do governo federal jogam contra os regionais e representam problemas adicionais a serem administrados. Um deles é a proposta de reforma do Imposto de Renda (IR), que deve acarretar perda de quase R$ 20 bilhões na arrecadação. Além disso, o governo retomou o projeto do IVA dual, que agora tem apoio dos Estados, mas é rejeitado pelos municípios. Outra questão é o adiamento do pagamento de precatórios: Estados e municípios têm a receber R$ 17 bilhões dos R$ 89 bilhões que a União precisa pagar em 2022, mas pretende postergar.

Algumas lições obtidas por Estados e municípios durante a pandemia não deveriam ser esquecidas. Diante do negacionismo do governo federal em relação às vacinas e aos problemas climáticos, os governos regionais souberam se organizar em comitês e consórcios para debater os assuntos e, no mínimo, influenciar a decisão federal. Assim, as vacinas começaram a chegar e se construíram pontes pra negociar com o exterior sobre questões ambientais.

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