segunda-feira, 27 de setembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Legislação eleitoral à la carte

O Estado de S. Paulo

Uma média de sete projetos de alteração da lei eleitoral por ano nada tem de razoável. Revela que as mudanças são um debate permanente

De 2010 a 2021, a Câmara dos Deputados aprovou nada menos do que 76 projetos que alteraram a legislação eleitoral do País, o que representa uma média de sete projetos aprovados por ano. O levantamento foi feito pelo Instituto Millenium, em parceria com a Neocortex, com base em dados da própria Casa. O mais recente desses projetos, que recebeu aval de 378 deputados há poucos dias e seguiu para o Senado, institui o novo Código Eleitoral, um calhamaço de quase 900 artigos que altera de uma só vez desde os critérios para uso dos recursos do Fundo Partidário, que se tornam bem mais flexíveis, até as regras para divulgação de pesquisas de intenção de voto, que beiram a censura e abrem perigoso espaço para disseminação de mentiras às vésperas das eleições (ver editorial A afoiteza da Câmara, publicado em 12/9/2021). Trata-se da mais profunda e perigosa alteração da legislação eleitoral e partidária em muito tempo.

Ao longo desses 11 anos, não houve rigorosamente nada que justificasse uma produção legislativa tão prolífica em matéria partidária e eleitoral. Se é verdade que, sob muitos aspectos, o Brasil mudou de 2010 para cá, no que concerne ao processo eleitoral e ao funcionamento dos partidos políticos não houve alterações tão significativas a ponto de ensejar essa profusão de projetos como aponta o Instituto Millenium. É lícito inferir, portanto, que as mudanças têm a ver com uma espécie de ajuste periódico da legislação eleitoral aos interesses dos parlamentares de turno. Não sem razão, o relatório do Instituto Millenium classifica as mudanças das regras do jogo eleitoral como uma “obsessão” dos parlamentares, sempre ávidos por aprovar projetos que, ao fim e ao cabo, representem o aumento do grau de segurança na reeleição e na manutenção de poder.

Naturalmente, mudanças pontuais em um ou outro dispositivo da legislação eleitoral seriam razoáveis com o passar dos anos. Mas não é disso que se trata. Uma média de sete projetos de alteração da lei eleitoral por ano nada tem de razoável. O que o levantamento revela é que as mudanças na legislação sobre partidos e eleições são um debate permanente para os parlamentares.

Em que pese a grande quantidade de projetos aprovados pelos deputados com a finalidade de alterar a legislação eleitoral desde 2010 (76), o número representa bem menos do que o total de propostas apresentadas na Câmara nesses 11 anos. Segundo o levantamento do Instituto Millenium, foram 2.243 projetos apresentados no período, pouco mais de 200 por ano. Ou seja, o desejo dos deputados de mudar as regras do jogo eleitoral é muito maior do que a capacidade da Câmara de absorver seus projetos. Metade das proposições foi para o arquivo, foi devolvida ao autor para ajuste ou ainda aguarda a indicação de um relator ou parecer para ser levada ao plenário.

“O período democrático acentua de forma significativa os debates sobre as reformas políticas”, disse ao Estado o cientista de dados Wagner Vargas, da Neocortex. O problema é quando essas reformas visam apenas à criação de condições que facilitem a manutenção do poder dos parlamentares, ampliem o acesso a recursos públicos e, consequentemente, aumentem suas chances de manutenção de poder, sem representar melhora na qualidade da representação política ou na funcionalidade do sistema político-eleitoral como um todo.

O Congresso já mostrou ao País que é capaz de aprovar projetos de reforma política que se coadunam perfeitamente com o melhor interesse público. O fim das coligações partidárias em eleições proporcionais, que distorcem a vontade dos eleitores, e a instituição de uma cláusula de barreira que, ao longo do tempo, diminua a quantidade de partidos políticos com representação no Congresso, são dois exemplos luminares. O curioso é que tanto um como outro avanço na legislação eleitoral agora estão sob ameaça de retrocesso por não serem do interesse da atual legislatura. O País só perde com esse reformismo por espasmos, ao sabor dos interesses de ocasião.

Ambiente: só discurso não basta

O Estado de S. Paulo

No Congresso, maioria reconhece relevância da agenda ambiental, mas isso não leva a ação

Quase a totalidade dos parlamentares brasileiros demonstra interesse nos temas relacionados ao meio ambiente e admite preocupação com os efeitos das mudanças no clima. Essa é a boa notícia. A má é que a consciência de deputados e senadores sobre a gravidade da crise climática – o mais premente desafio global do século 21 – não se traduz em ações concretas no âmbito do Poder Legislativo. Na prática, é como se os congressistas reconhecessem que a agenda ambiental tem importância capital, sendo justificável que todo o mundo civilizado esteja debruçado sobre o assunto, sem, no entanto, colocá-la no topo das prioridades legislativas.

Esse descolamento entre consciência e ação foi revelado pela recém-publicada pesquisa A agenda do clima no Congresso Nacional, feita pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV) e o Instituto Clima e Sociedade (ICS). O levantamento, realizado entre fevereiro e maio deste ano, é resultado de entrevistas com 114 deputados, 17 senadores e 28 assessores parlamentares que representam a opinião de congressistas. A Raps contatou 556 parlamentares no total (487 deputados e 69 senadores), mas nem todos quiseram ou puderam responder aos questionamentos. O período de entrevistas coincidiu com a fase mais dramática da pandemia de covid-19 no País.

A pesquisa concluiu que a esmagadora maioria dos entrevistados reconhece a relevância da crise climática (94%) e não vê qualquer incompatibilidade entre políticas públicas que visam ao crescimento econômico e à preservação do meio ambiente (98%). Não obstante, a percepção de que o Brasil e o mundo vivem uma emergência climática não tem levado a ações legislativas mais incisivas. A bem da verdade, a legislação ambiental brasileira já é muito boa, tida em todo o mundo como paradigmática. Talvez mais importante do que novos marcos legislativos seja uma ação mais determinante do Congresso na cobrança de ações de proteção ambiental pelo Executivo a fim de fazer valer o que a legislação já prevê. Para 89% dos parlamentares entrevistados, “o governo federal precisa fiscalizar mais o desmatamento na Amazônia e no Pantanal”.

Embora a pesquisa não tenha sido direcionada a partir de vinculações de natureza político-ideológica, foi possível identificar diferentes gradações de interesse e percepção do problema entre parlamentares da oposição e os que compõem a base de apoio do presidente Jair Bolsonaro. As mudanças climáticas são um problema “muito sério” para 86% dos parlamentares que se opõem ao atual governo. O índice cai para 52% entre os apoiadores de Bolsonaro. Essa expressiva queda de 34 pontos porcentuais se justifica. O presidente da República é reconhecidamente um inimigo do meio ambiente e da ciência. Sob Bolsonaro, o País registra recorde após recorde de queimadas e desmatamentos ilegais. O Brasil é o 5.º maior emissor de gases de efeito estufa do mundo e, sozinho, o desmatamento corresponde a 94% dessas emissões – 87% dos focos concentrados na Região Amazônica. Um problema gravíssimo, comprovado por dados científicos aferidos por instituições insuspeitas, que é tido por Bolsonaro como uma “conspiração internacional esquerdista”, ou algo que o valha.

O descaso do governo Bolsonaro pela agenda ambiental fez o País sair da condição de interlocutor fundamental em qualquer fórum internacional sobre questões relativas ao meio ambiente para se tornar pária internacional. Quando não há qualquer esperança de que o Executivo vá alternar sua política irresponsável para o meio ambiente, tanto mais necessária se torna a ação do Legislativo. “Nós conhecemos a gravidade do que estamos vivendo, mas o Parlamento não está lidando com o problema como deveria”, disse Mônica Sodré, diretora executiva da Raps.

A pesquisa é uma valiosa contribuição de seus realizadores para que a sociedade conheça melhor a visão de seus representantes sobre temas ligados ao meio ambiente e sobre a gravidade do problema das mudanças climáticas. Esse é um problema de todos, que, para ser bem enfrentado, demanda dos políticos mais do que discursos e boas intenções. É necessário agir, e rápido.

A desnecessária criação de mais um TRF

O Estado de S. Paulo

Juízes pressionaram o Legislativo a aprovar PEC carente de fundamentação técnica

A toque de caixa, o Senado aprovou a criação de um novo Tribunal Regional Federal (TRF), para atender basicamente o Estado de Minas Gerais. Com isso, a segunda instância da Justiça Federal passa de cinco para seis tribunais. Como o projeto já foi aprovado em agosto pela Câmara, ele só depende de sanção do presidente da República. Atualmente, a Justiça Federal mineira está vinculada ao Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, sediado no Distrito Federal. 

A polêmica em torno da criação do TRF-6 não é nova. Ela começou em 2001, quando um grupo de senadores apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para aumentar o número de TRFs. Como carecia de fundamentação técnica, a PEC sofreu forte oposição do Supremo Tribunal Federal (STF), cujos ministros consideravam desnecessárias novas cortes de segunda instância para a Justiça Federal. A PEC também foi questionada pela Associação Nacional dos Procuradores Federais, tendo sido acolhida em caráter liminar pelo presidente do STF na época, ministro Joaquim Barbosa. Além disso, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) considerou irrealistas os valores previstos para o custeio de novos TRFs e afirmou que só a criação de um deles já exigiria um significativo aumento no orçamento da Justiça Federal, num período de crise fiscal.

Como o caso até hoje não foi julgado pelo plenário do STF, magistrados e políticos de Minas Gerais lançaram uma nova ofensiva. Há dois anos, o líder oficioso do grupo, ministro João Otávio de Noronha, que também é mineiro, valeu-se de suas prerrogativas como presidente do Superior Tribunal de Justiça e enviou para a Câmara o Projeto de Lei 5.919, que passou a tramitar em regime de urgência, sob a justificativa de que a criação do TRF-6 é “matéria de inadiável interesse nacional”. 

Ao justificar sua pretensão, políticos e juízes mineiros afirmaram que a nova corte é “essencial” para Minas Gerais, pois o Estado responde por 30% dos processos que tramitam no TRF-1.Também alegaram que o TRF-6 não aumentará as despesas no Orçamento da União, uma vez que a Justiça Federal remanejará recursos dos demais cinco TRFs para financiar a instalação na nova corte. E lembraram, ainda, que não haverá necessidade de criação de novos cargos de servidores, pois a nova corte contará com o remanejamento de servidores do TRF-1. 

Esses argumentos, porém, não são convincentes. Por um lado, economistas especializados em finanças públicas afirmam que, em plena pandemia, não faz sentido recolocar açodadamente na ordem do dia um projeto de lei que, além de não ser prioritário, também é – a exemplo da PEC – desprovido de fundamentos técnicos. Também lembram que, se o presidente da República não vetar o Projeto de Lei 5.919, políticos e magistrados de outros Estados seguirão a trilha aberta por seus colegas mineiros. Basta ver que, durante a votação desse projeto, as bancadas da Bahia e de Sergipe tentaram, por meio de uma emenda ao Projeto de Lei 5.919, acrescentar a criação de um TRF-7, com jurisdição nesses dois Estados. 

Por outro lado, juristas afirmam que a criação de mais uma corte de segunda instância na Justiça Federal é um retrocesso, pois colide com o espírito da Emenda Constitucional (EC) n.º 45. Essa emenda promoveu a reforma do Judiciário brasileiro que, apesar de consumir 2% do PIB, cerca de quatro vezes mais do que a média dos países da OCDE, sempre teve um desempenho pífio. Entre outras inovações, a EC 45 criou medidas processuais para encerrar os conflitos de massa ainda na primeira instância da Justiça. Uma delas é súmula impeditiva de recursos. Ao valorizar a aplicação dos precedentes relativos às demandas judiciais mais recorrentes, ela torna desnecessária a subida desses processos para a segunda instância. 

Infelizmente, ao insistir na criação de mais um TRF, o Judiciário mostrou mais uma vez, num momento em que o País atravessa a mais grave crise de saúde pública de sua história, o quão desconectado está da realidade econômica e social do País.

Contra o relógio

Folha de S. Paulo

Com represas vazias, país volta a cogitar horário de verão para poupar energia

O debate sobre reinstituir o horário de verão voltou à baila porque o Brasil está de novo perante o risco de apagões. Não fosse a incúria do governo federal ao administrar reservatórios de hidrelétricas e planejar outras fontes limpas de energia, a questão dificilmente ocuparia a opinião pública.

No entanto aqui chegamos. Represas do Sudeste e do Centro-Oeste, principais regiões fornecedoras de hidreletricidade, entraram na primavera com menos de 20% da capacidade. A maior estiagem em nove décadas ameaça essa reserva para abastecimento no verão, quando cresce o consumo.

Inoperante como em tudo, a administração de Jair Bolsonaro negou haver risco de escassez e demorou a acionar termelétricas para poupar água nas barragens. Ao final, teve de majorar tarifas para custear a modalidade de geração mais custosa e poluente.

Entornado o caudal, só tem agora a alternativa de reduzir a demanda, mas encara o desafio com providências tímidas, como um programa voluntário para grandes clientes deslocarem o consumo, evitando períodos de pico.

Não haverá surpresa se o Palácio do Planalto voltar atrás, retomar o horário de verão e ao menos dar a impressão de prudência. Mesmo sem mitigar minimamente a crise que se avizinha (pesquisas internacionais indicam economia média de apenas 0,34%), a atitude serviria para sinalizar à população a urgência de poupar energia.

Qualquer que seja a decisão, virá sem grande impacto. Pode-se afirmar que o país passou quase indiferente pela suspensão da medida, como prometido na campanha eleitoral. A prática de adiantar o relógio em uma hora para poupar eletricidade parece ter afetado pouco o cotidiano dos brasileiros.

Pesquisa Datafolha em meados deste mês de setembro mostrou que a maior parte da população (55%) é favorável à volta do horário de verão, e 38% a rejeitam. Em 2017, com o esquema ainda em vigor, eram 58% e 35% —variação dentro da margem de erros de 2 pontos para mais ou para menos.

Há que ressalvar o fato de quase dois quintos de brasileiros se posicionarem contra a medida. Um contingente considerável se incomoda o suficiente com tal modificação da rotina para descartá-la, mesmo ameaçado de falta de eletricidade e pagando contas de luz que só aumentam.

Uma hora de adiantamento parece pouco, mas basta para afetar de modo significativo ritmos corporais influenciados pelo ciclo diário de luz e escuridão. Há estudos que apontam maior incidência de infartos, depressão e acidentes de trânsito e trabalho durante a vigência do horário de verão.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico descarta a providência, mas em breve poderá ser obrigado a catar quilowatt-hora por quilowatt-hora onde for possível. Trata-se de escolha defensável diante da gravidade da situação, mas ainda carece de mais embasamento para se firmar como política pública.

Violência americana

Folha de S. Paulo

Alta de homicídios nos EUA também deveria ser estudada no Brasil de Bolsonaro

Os EUA registraram a maior elevação anual na taxa de homicídios por 100 mil habitantes de toda a série histórica iniciada nos anos 1960. É o que aponta o relatório anual do FBI preliminarmente disponibilizado no site da agência federal, que deve ser publicado oficialmente nesta segunda-feira (27).

Entre 2019 e 2020, a taxa cresceu perto de 29% —a segunda maior alta já registrada foi de 12,7%, em 1968. Ao todo, foram 21,5 mil assassinatos no ano passado, 5.000 acima do período anterior.

Em termos proporcionais, foram 6,55 para cada 100 mil habitantes, ante 5/100 mil anteriormente.

Por trás desse número, impressionante em si, há um emaranhando de fenômenos que demandam análise mais aprofundada. Embora especialistas apontem explicações diversas, sendo uma das principais as tensões interpessoais impulsionadas pela pandemia, algumas tendências são claras.

Há uma boa e uma má notícia. A primeira é que, apesar do salto, a taxa ainda continua bem abaixo da verificada nos anos 1990 —e nem se compara à brasileira, por exemplo, de 19,9 por 100 mil habitantes.

A má notícia é que a elevação é um fenômeno nacional, não algo localizado em algumas regiões apenas. Esse é um cenário diferente do brasileiro, onde após dois anos de queda houve um aumento de 4% do número de mortes violentas.

Por aqui, a expansão foi impulsionada em especial pelo Nordeste e esteve concentrada em 138 municípios, dentre 5.570, que respondem por 37% do total de ocorrências.

Nos Estados Unidos, os crimes como um todo se encontram em queda há 18 anos, e 77% dos homicídios foram cometidos com uso de armas de fogo.

Isso significa que parte considerável das mortes em território americano não se devem a um agravamento da atividade criminosa, mas por incidentes interpessoais. Calcula-se que houve vendas recordes de armas no país em 2020.

São dados que deveriam ser observados com atenção no Brasil, onde o governo Jair Bolsonaro procura reproduzir a ideologia armamentista enraizada na sociedade americana como arremedo de política de segurança pública.

Crise na fronteira com o México é teste para a popularidade de Biden

O Globo

Em julho, patrulhas na fronteira sul do país registraram 212 mil encontros com ilegais, maior número em duas décadas

Faltando pouco mais de um ano para as eleições que renovarão a Câmara e cerca de 30% do Senado dos Estados Unidos, o presidente americano Joe Biden vive um pesadelo na área da imigração que poderá colocar em risco a maioria democrata em ambas as Casas do Congresso. Se continuar a mostrar firmeza ao deportar quem chega sem documentação, enfurecerá ainda mais a ala mais à esquerda de seu partido. Caso adote uma política mais branda, desagradará a quem está mais à direita.

O último levantamento do Pew Research Center mostra que Biden tem conseguido o que parecia impossível: nesse tema, está perdendo a aprovação de eleitores tanto de seu partido quanto da oposição. Em março, 85% dos democratas diziam que ele tomava decisões acertadas na área da imigração, patamar que caiu para 73% em setembro. No mesmo período, o número entre os republicanos foi de 15% para 8%.

Em julho, patrulhas na fronteira sul do país registraram 212 mil encontros com ilegais, maior número em duas décadas. Em agosto, houve leve queda, mas o total se manteve no mesmo patamar, com 209 mil, 25% dos quais com pessoas que haviam sido interceptadas pelo menos uma vez nos 12 meses anteriores. A brasileira Lenilda dos Santos, encontrada morta numa área de deserto do estado do Novo México, é um exemplo. A tragédia de ser abandonada por conhecidos e por um coiote se deu em sua segunda tentativa de realizar o sonho de entrar nos Estados Unidos.

A crise ganhou nova dimensão com imagens de agentes da imigração montados em cavalos e perseguindo haitianos negros em busca de asilo em Del Rio, no Texas, onde vários acampavam debaixo de uma ponte. Fugindo da destruição provocada por um recente terremoto, de uma crise política após o assassinato de seu presidente, haitianos têm cruzado o Rio Grande em maior número, engrossando contingente formado majoritariamente por centro-americanos.

As cenas de Del Rio fizeram o líder do governo no Senado, Charles E. Schumer, e a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP) criticar o presidente. Biden tem usado uma regra criada por Donald Trump, que permite deportações rápidas em tempos de crise sanitária, para mandar embora milhares de ilegais e de potenciais refugiados. Para parte dos críticos, tem sido duro demais. No outro extremo, é descrito como sem pulso.

A polarização provocada pela imigração tem longa história. Soluções duradouras dependem do desenvolvimento econômico e de avanços na área da segurança na América Central e no Haiti. No curto prazo, o custo político de adotar uma posição mais branda parece ser maior. Com a notícia de eventual relaxamento das patrulhas fronteiriças, muitos outros se deslocarão para o Rio Grande, piorando uma crise já de grandes proporções.

Congresso tenta de novo encarar a reforma tributária

Valor Econômico

Se não for possível melhorar o sistema tributário, é importante não piorá-lo

Ao final de seu terceiro ano de governo, o presidente Jair Bolsonaro não foi capaz de tirar do atoleiro uma reforma para enfrentar um dos mais óbvios problemas da economia brasileira: o custoso e complexo sistema tributário. Não está sozinho. Seus antecessores desde 1988 também falharam nesse intuito, embora todos tenham iniciado seus mandatos colocando o tema como prioridade.

No entanto, esse é um caso inédito em que um presidente confronta abertamente uma proposta elaborada por sua própria equipe e chega ao ponto de demitir um secretário da Receita por causa da contribuição sobre transações financeiras. Essa é, ou era, a peça central do desenho tributário ruim elaborado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Por causa disso, ficou faltando aquele ingrediente necessário à aprovação de matérias sensíveis no Congresso: o impulso dado pelo presidente da República. Mas não se deveria esperar de Bolsonaro a defesa do tributo sobre transações, pois ele passou sua vida de parlamentar lutando contra a CPMF e seu antecessor, o IPMF.

Diferentemente do que ocorreu em outros governos, o impasse não levou à interrupção dos debates. Há diversas propostas de alteração no sistema tributário em análise no Congresso.

A reforma do PIS/Cofins, por exemplo, é um remendo do plano inicial do governo. Diz a lenda que ninguém na Receita domina totalmente as normas desses tributos, dado o caminhão de exceções e regimes especiais. É a personificação do manicômio tributário nacional e a maior fonte de litígios entre o Fisco e o contribuinte.

Há sete anos, o governo estuda como desarmar essa bomba. A proposta da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), enviada há um ano ao Congresso, ataca um ponto vital da complicação do PIS/Cofins, ao determinar um amplo sistema de créditos e débitos. Hoje, uma empresa tem de saber se o uso da água é atrelado à produção (gera crédito tributário) ou para o consumo dos funcionários (não gera crédito).

No entanto, a proposta ficou parada porque o setor de serviços é contra. A alíquota única de 12% representará aumento de carga para ele e para as empresas que têm na mão de obra seu principal insumo. Gasto com folha salarial não geraria crédito tributário.

No plano de Guedes, esse problema seria atacado com a desoneração da folha. Que, por sua vez, depende da contribuição sobre transações para se viabilizar.

O ministro tenta a intermediação do Congresso para relançar a contribuição sobre transações. Aproveita a discussão sobre prorrogar a desoneração da folha de 17 setores muito empregadores para buscar uma solução global. Que, pela resistência do presidente, teria de ser iniciativa do Congresso.

A contribuição sobre transações bancaria também a promessa de Bolsonaro de elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Sem ela, foi proposta uma péssima reforma do IR. Aprovada na Câmara, agora aguarda análise no Senado.

Nos próximos dias, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) deve apresentar seu relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110. Esse projeto trata da reforma dos tributos sobre o consumo. É mais amplo do que o projeto da CBS, pois abarca também tributos estaduais e municipais. Com variações, é a reforma tributária ampla que se persegue desde sempre.

A novidade em relação às tentativas anteriores é que, desta vez, há acordo entre o governo federal e os Estados. Sem alarde, Rocha convenceu os secretários estaduais de Fazenda a aceitar que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja criação é proposta na PEC 110, seja dual e não unificado. É a tese do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual que Guedes defende desde o início do governo.

Falta vencer a resistência dos municípios. As grandes cidades não querem ver seu principal tributo, o Imposto sobre Serviços (ISS), fundido com o ICMS, como previsto no desenho do IVA Dual. Querem um IVA trino: cada esfera cuida do seu tributo.

Rocha diz que há como fazer tramitar em paralelo a PEC 110, a criação da CBS, a reforma do IR e a criação de um Imposto Seletivo, cobrado apenas sobre produtos que causam risco à saúde ou ao meio ambiente.

É um desafio político grande. Maior ainda é o de fazer emergir desse conjunto um desenho que seja bom para a sociedade, e não pautado apenas por interesses dos congressistas. Seria o caso de se fazer uma análise prévia do impacto dessa nova legislação. Se não for possível melhorar, seria imprescindível não piorar.

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