sábado, 4 de setembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Reforma ruim e na hora errada

O Estado de S. Paulo

Tributação envolve questões múltiplas e complicadas. Paulo Guedes insiste em promover um arremedo de reforma. E na hora errada

Atolado em dívida, pressionado para gastar e com muita dificuldade para cumprir suas obrigações, o governo federal ainda poderá perder cerca de R$ 21,8 bilhões de receita, se a reforma do Imposto de Renda (IR) aprovada na Câmara for transformada em lei. Os senadores ainda poderão barrar ou modificar a proposta, evitando ou atenuando o desastre. Sancionado na forma atual, o projeto causará uma perda de arrecadação de R$ 41,1 bilhões à União, aos Estados e aos municípios. Para os governos subnacionais a sangria deverá chegar a R$ 19,3 bilhões. Os cálculos foram solicitados ao economista Sérgio Gobetti pelo Comitê Nacional de Secretários Estaduais da Fazenda.

Numa votação apressada e baseada em acordos coordenados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), deputados aprovaram um texto qualificado como “projeto secreto” pelo tributarista Luiz Bichara, citado pelo Estado. O documento final apresentado pelo relator, Celso Sabino (PSDB-PA), nem sequer foi protocolado. Não houve tempo para análise e mais uma vez funcionou o famigerado rolo compressor.

O atropelo na votação de um texto mal conhecido foi apenas mais um capítulo numa longa história de erros. O ministro da Economia, Paulo Guedes, errou ao tentar mexer no IR neste momento. Não é hora de pensar em mudanças complicadas.

O País mal saiu de uma recessão. A economia cresceu 1,2% no primeiro trimestre e encolheu 0,1% no segundo. Mais de 14 milhões estão desempregados, os preços aumentam em disparada, há muita incerteza sobre as contas públicas e a insegurança é evidente em todos os mercados. A proposta orçamentária enviada há poucos dias ao Congresso poderá ser amplamente deturpada.

É hora de proteger o projeto de Orçamento, de cuidar dos mais vulneráveis, de favorecer o consumo, de eliminar entraves burocráticos, de facilitar a exportação, de tranquilizar os mercados, de aumentar a confiança na solvência do Tesouro e de administrar a crise hídrica. Um ministro da Economia comprometido com seu papel deveria também estar empenhado em conter os impulsos populistas e eleitoreiros do presidente da República.

Mas o ministro começou a errar muito antes, desde suas primeiras manobras para mexer no sistema tributário. Gastou tempo e energia tentando ressuscitar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), uma bem conhecida aberração. Depois, apresentou propostas de mudanças de alguns tributos federais, sem jamais se ocupar de uma efetiva reforma do sistema.

Agiu sempre como se fosse possível cuidar do assunto sem levar em conta Estados e municípios e sem pensar, portanto, no conjunto da tributação e em seus enormes problemas. Sempre desprezou projetos já disponíveis no Parlamento e elaborados por pessoas de conhecida competência. Tampouco recorreu a profissionais experientes e conhecedores do tema para discutir uma reforma de verdade.

O ministro da Economia nem deveria ter mandado ao Congresso seus ensaios medíocres de mudança tributária. Nem deveria ter imaginado – outro erro considerável – a hipótese de cuidar do tema sem uma séria discussão. A última grande reforma, em vigor a partir de 1967, já era debatida antes da implantação do regime militar. Não foi estudada só a partir de 1964 e ninguém poderia descrevê-la como improvisada.

Tributação envolve questões múltiplas e complicadas, como o equilíbrio das contas públicas, o bom funcionamento dos negócios, a competição, o crescimento econômico e a distribuição dos encargos entre pessoas com diferentes níveis de renda. O sistema brasileiro é complexo, trabalhoso para as empresas, oneroso para a produção, injusto na distribuição e nocivo à competitividade internacional. A dependência excessiva da tributação do consumo joga um peso desproporcional sobre as famílias de renda média e renda baixa. Não se pode pensar numa reforma verdadeira, é preciso insistir, sem considerar esses pontos. O ministro da Economia insiste em ignorá-los e em promover um arremedo de reforma – e na hora errada. O País perde.

Casa Verde e Amarela ainda é uma promessa

O Estado de S. Paulo

Paralisia do programa habitacional é reflexo de um governo que não tem planos para o País

Um presidente da República não deveria assumir o poder com a predisposição de descontinuar políticas públicas implementadas por seus antecessores apenas por deles divergir no campo ideológico. O cargo exige altivez do governante de turno para analisar quais dessas políticas devem ser mantidas como estão, quais devem ser aprimoradas e, eventualmente, quais devem ser encerradas, sempre à luz do melhor interesse público.

A descontinuidade administrativa motivada por interesses mesquinhos provoca enormes prejuízos financeiros, retarda o desenvolvimento do País e, principalmente, deixa desamparados os cidadãos que mais precisam do Estado para terem supridas suas necessidades mais básicas. Moradia digna é uma delas.

A fim de substituir o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), fortemente vinculado aos governos do PT, o presidente Jair Bolsonaro decidiu criar um programa habitacional para chamar de seu, o Casa Verde e Amarela. É compreensível que um presidente queira deixar a própria marca, um traço que o diferencie dos demais. O então presidente Lula da Silva, quando lançou o MCMV, em 2009, também não partiu do zero. Dilma Rousseff, que expandiu o programa, também não.

A mera troca de nome de uma política habitacional, no entanto, de nada serve se não vier acompanhada por ajustes que devem ser feitos no modelo anterior e alterações visando à expansão do público atendido, meta primordial de uma política de financiamento habitacional voltada para a população de baixa renda em um país como o Brasil. De acordo com a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional no País saltou de 5,657 milhões de moradias em 2016 para 5,877 milhões de moradias em 2019, ano da mais recente aferição. O problema deve ser tratado com muita seriedade. Uma política habitacional não pode se prestar a ser mero estandarte eleitoral.

Pouco mais de um ano após o lançamento, o programa Casa Verde e Amarela ainda é uma promessa. Não há recursos previstos no Orçamento para execução das obras e expansão dos subsídios. Em 2021, faltando apenas quatro meses para o fim do ano, o governo federal entregou cerca de 20 mil unidades do antigo MCMV voltadas à faixa 1 do programa, que atende famílias com renda mensal de até R$ 1 mil. O número é muito abaixo da média mensal registrada desde o lançamento do programa, há 12 anos: 1,49 milhão de moradias, de acordo com a Controladoria-Geral da União. A apuração do Estado revelou que a conclusão das obras em andamento está ameaçada por falta de recursos. Novos projetos abarcados pelo programa repaginado, então, não passam de uma quimera nesta dramática quadra da história.

O governo federal argumenta que a entrega de novas moradias não será mais a única ação da política habitacional no âmbito federal. Fala-se em regularização de terrenos ocupados e reformas de habitações existentes. De fato, quando se fala em déficit habitacional, está-se falando não apenas de falta de moradia construída, mas de domicílios improvisados, cômodos utilizados por famílias inteiras, habitações em condições sub-humanas, etc. Porém, até o momento nenhuma moradia foi regularizada ou reformada.

A paralisia do programa Casa Verde e Amarela é mais um desdobramento de um governo que não tem um projeto para o Brasil. A própria incapacidade de Bolsonaro para diagnosticar os reais problemas do País, por óbvio, compromete a boa concepção de políticas públicas para resolvê-los, que dirá a execução. Desde seu lançamento, o programa habitacional de Bolsonaro tem sido criticado tanto pela falta de detalhamento, por ter sido feito de afogadilho para atingir objetivos estritamente eleitoreiros, como pela falta de empenho do governo para priorizar o programa. “É a falta de vontade política para botar dinheiro nesse assunto. É obra contratada, em andamento, e você tem que passar o pires como se estivesse pedindo um favor”, disse ao Estado José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria de Construção (Cbic).

Em vez de inventar crises e criar políticas públicas de papel, Bolsonaro deveria trabalhar para valer a fim de garantir que os brasileiros tenham, no mínimo, a esperança de uma vida melhor.

A longa crise da indústria

O Estado de S. Paulo

De novo abaixo do nível pré-pandemia, a indústria enfrenta mais um ano ruim

Depois de um mau desempenho no primeiro semestre, a indústria ingressou no segundo com mais um tombo, o quinto em sete meses. A produção de julho foi 1,3% menor que a de junho, quando havia caído 0,2%. Com a nova queda, o volume ficou 1,2% abaixo do patamar pré-pandemia, de fevereiro de 2020. Em recuperação a partir de maio do ano passado, a indústria atingiu em janeiro um nível 3,5% superior àquele patamar, mas o impulso logo se esgotou, num ambiente de baixo consumo, custos crescentes e muita incerteza gerada em Brasília. O total produzido mensalmente encolheu em fevereiro, março, abril, junho e julho.

O segundo semestre começou mal para quase toda a indústria. A produção encolheu em 19 ramos dos 26 cobertos pela pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse desempenho é em parte atribuível ao desarranjo da cadeia produtiva, com os consequentes problemas de abastecimento de matérias-primas e componentes. Esse desarranjo tem sido visível no mercado global. Também é preciso levar em conta as condições da demanda interna. O consumidor nacional é o principal cliente da indústria brasileira. A maior parte das empresas dificilmente vai bem quando esse cliente vai mal.

O Brasil encerrou o primeiro semestre com 14,4 milhões de desempregados, 7,5 milhões com horas insuficientes de trabalho e 5,6 milhões de desalentados, além de 10 milhões de empregados informais. Já muito curto, o dinheiro desses milhões de consumidores ainda vem sendo corroído, mês a mês, por uma inflação alta e crescente.

É fácil, portanto, entender por que o consumo das famílias teve crescimento zero no segundo trimestre. Dinheiro curto, péssimas condições de emprego e preços em disparada têm composto, neste ano, o maior entrave ao crescimento da produção industrial. Mesmo sem outros fatores conjunturais, como os problemas de suprimento de insumos, a situação da indústria seria complicada. O quadro fica pior quando se consideram as condições de financiamento, agravadas pelo aumento dos juros básicos.

A elevação de juros tem sido a resposta do Banco Central (BC) às persistentes e fortes pressões inflacionárias. Embora tecnicamente justificável, essa estratégia agrava a situação dos consumidores já endividados e dificulta a obtenção de empréstimos pelas empresas. A taxa básica já chegou a 5,25% ao ano, pode atingir 6,25% neste mês e alcançar 7,50% até dezembro, segundo estimam especialistas do setor privado.

O controle da inflação é mais difícil quando há muita insegurança nos mercados. No Brasil, o principal fator de insegurança é o presidente da República, fonte de tensão política permanente e de enorme incerteza quanto à evolução das contas públicas. Em permanente campanha eleitoral, ele depende do apoio de uma base fisiológica – e, portanto, custosa – e de uma pauta claramente populista.

Mas os problemas da maior parte da indústria são mais que conjunturais. Em julho, a produção foi 18,5% inferior à de maio de 2011, pico da série histórica. O desempenho do setor foi especialmente ruim na recessão de 2015-2016 e na fase mais crítica de 2020, mas, mesmo sem esses episódios, a tendência nos últimos dez anos teria sido negativa. Entre 2011 e 2020 houve seis anos com desempenho negativo.

Erros do período petista explicam parte desse retrocesso. Não houve estímulo à ampliação e à modernização da capacidade produtiva, a inovação foi negligenciada, incentivos foram mal planejados e desperdiçados, o protecionismo foi excessivo, faltou integração global e a dependência dos mercados vizinhos foi exagerada.

A recuperação iniciada em 2017 foi interrompida em 2019, no começo do mandato do presidente Bolsonaro. Desde janeiro desse ano, nada parecido com uma política de crescimento econômico e de competitividade surgiu em Brasília. A única reforma relevante, a da Previdência, havia sido amadurecida pelo presidente Michel Temer. Se estiver em gestação alguma política de retorno ao desenvolvimento, deve estar sob estrito sigilo em algum gabinete em Brasília.

Orçamento viável

Folha de S. Paulo

Há como gerir o governo em 2022 sob o teto de gastos, com prioridade ao social

divulgação do projeto de lei orçamentária para 2022 desmonta uma falsa versão propagada pelo governo e por lideranças do Congresso —a de que o salto da conta de precatórios inviabiliza o cumprimento do teto de gastos e ameaça paralisar atividades essenciais.

Respeitar o teto não exige malabarismo contábil ou jurídico, seja um calote nas dívidas derivadas de decisões judiciais ou mudanças legais que na prática levem à burla dos limites constitucionais para as despesas federais.

Basta explicitar os dilemas com clareza ao público e eleger prioridades, tudo o que Executivo e parlamentares, movidos por interesses eleitoreiros, não querem.

Há um problema real a ser enfrentado. O projeto mostra que o salto na despesa com precatórios de R$ 89,1 bilhões —R$ 32,1 bilhões acima da previsão anterior— cabe no teto, mas elimina espaço para aumento de outros gastos, em especial com uma nova versão do Bolsa Família, salários do funcionalismo e emendas parlamentares.

O caminho, porém, não é parcelar as dívidas judiciais, como propôs o governo por meio de uma proposta de emenda constitucional. Isso configuraria uma nova versão da pedalada fiscal, ainda que autorizada pela legislação, além de abrir espaço para a criação de um fundo que poderá ser usado para outros pagamentos fora dos limites.

Tampouco é boa solução a ideia aventada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, de chamar o Conselho Nacional de Justiça para uma arbitragem, o que na prática afrontaria sentenças transitadas em julgado, aumentaria a insegurança jurídica e criaria uma bola de neve de dívidas para o futuro.

As saídas, na verdade, podem ser mais convencionais. Metade do adicional de precatórios, R$ 16 bilhões, deriva de ações relativas ao Fundef, antecessor do Fundeb. Como o fundo atual para a educação já está fora do teto de gastos, aceitar que dívidas dessa natureza também possam ser excluídas da norma não seria um malabarismo.

Dependendo das condições de inflação e crescimento econômico, o espaço remanescente para enquadrar todas as novas demandas não seria maior que R$ 20 bilhões. O ideal é preservar ao máximo a margem para ampliação do Bolsa Família, o que implicaria cortar emendas e outras rubricas.

Eis a origem da resistência política, uma vez que são essas emendas —em especial as que ficam a cargo do relator da lei orçamentária no Congresso, no montante de R$ 18,5 bilhões neste ano— que garantem interesses de parlamentares e, por extensão, a sustentação política do governo Bolsonaro.

Mais pobres no Enem

Folha de S. Paulo

Governo deve reabrir prazo de solicitação de gratuidade da inscrição no exame

São inquietantes os dados referentes às inscrições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, a ser realizado no final de novembro. Com 3,1 milhões de candidatos, a prova de 2021 receberá o menor número de concorrentes registrado desde 2005. Uma queda, na comparação com o ano passado, de nada menos que 46%.

Esse declínio compreende especialmente pretos (51,7%), pardos (53,1%) e indígenas (54,8%), interrompendo de modo brusco o aumento gradual da participação desses estratos que vinha ocorrendo desde 2009, quando o Enem se tornou o principal meio de acesso às universidades federais.

No que tange à participação, um levantamento do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior aponta que, neste ano, 11,7% dos inscritos são pretos —a menor proporção desde 2009. Já os pardos representam 42,2% dos participantes da próxima prova, o mais baixo percentual desde 2012.

Chama a atenção, sobretudo, a dramática redução do número de estudantes de baixa renda. A quantidade de inscritos com isenção da taxa por declaração de carência caiu 77% em relação à prova realizada no ano passado, quando perfizeram 63% do total. Em 2021, eles serão apenas 26,5%.

Embora constitua fenômeno multifatorial, dois elementos parecem sobressair-se entre as causas da menor participação de negros e pobres na prova de 2021.

Após um ano e meio de ensino remoto, é razoável supor que uma parcela considerável de alunos, principalmente dos que estudam em escolas públicas, tenha desistido de prestar o exame por não se sentir suficientemente preparada, ou, pior, por ter simplesmente abandonado os estudos.

Soma-se a isso a miopia do Ministério da Educação, que manteve o veto da gratuidade àqueles que faltaram à prova anterior e não conseguiram justificar documentalmente a ausência. Realizado em janeiro, em um momento de aumento de casos de Covid-19, o Enem teve abstenção recorde de pouco mais de 50%.

Assim, aqueles que deixaram de comparecer por apresentar algum sintoma da doença, ou por receio de infectar-se, foram penalizados.

É bem-vindo, portanto, que o Supremo Tribunal Federal tenha formado maioria para obrigar o ministério a reabrir o prazo de solicitação de gratuidade da inscrição do Enem e proibir que a isenção seja negada a quem se ausentou na prova de 2020. Ao menos esse erro do MEC pode ser corrigido.

 

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