terça-feira, 7 de setembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Os pressupostos da independência

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro tenta usar o 7 de Setembro para acirrar tensões e conflitos entre os Poderes, um comportamento ilegal e imoral

Hoje se comemora a Independência do Brasil. Trata-se de marco cívico importante, que registra o momento em que o País obteve sua soberania como Nação. Mais do que simplesmente recordar um acontecimento do passado, o feriado de 7 de Setembro é oportunidade de refletir sobre os pressupostos e as condições para manter e fortalecer a independência conquistada há exatos 199 anos.

A tarefa de reflexão é especialmente necessária neste ano. Sob o pretexto de mobilizar sua base de apoio, o presidente Jair Bolsonaro vem tentando, nas últimas semanas, utilizar o 7 de Setembro não apenas para acirrar tensões e conflitos entre os Poderes, mas para atribuir uma conotação de ruptura institucional. Além de irresponsável, esse comportamento é ilegal e imoral. No dia 1.º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro jurou cumprir e defender a Constituição.

A situação exige atenção. Deve-se reconhecer, no entanto, que, no mesmo período em que o bolsonarismo promoveu sua escalada de ameaças, houve abundantes respostas de maturidade e responsabilidade, advindas dos mais variados âmbitos. “A democracia não pode ser ameaçada; antes, deve ser fortalecida e aperfeiçoada”, lembrou um manifesto de empresários mineiros.

Este talvez seja um dos principais pontos de reflexão a respeito da independência do Brasil. Não há autonomia, não há liberdade, sem responsabilidade. Nenhum desses elementos – a anarquia, o caos, o medo, a afronta, a desordem ou a violência – é capaz de gerar desenvolvimento social ou econômico. Nenhum deles promove soberania. Nenhum deles fortalece o princípio constitucional de que “todo o poder emana do povo”. Ao contrário, a bagunça e a confusão favorecem os liberticidas e usurpadores do poder.

O caminho para o fortalecimento da independência não é, portanto, o do confronto ou o da paralisia das instituições democráticas. Como lembrou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a responsabilidade exige a “construção de um ambiente de estabilidade política”.

De forma muito especial, a defesa da independência inclui também a convivência pacífica. “Num ambiente democrático, manifestações públicas são pacíficas; por sua vez, a liberdade de expressão não comporta violências e ameaças. O exercício de nossa cidadania pressupõe respeito à integridade das instituições democráticas e de seus membros”, disse o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, na semana passada.

A esse respeito, vale lembrar o alerta feito pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), um dos principais aliados de Jair Bolsonaro no momento. “O presidente (Bolsonaro) sabe da responsabilidade dele com relação a isso (eventual agressão às instituições) e sabe que é o único a perder se por acaso houver tumulto na manifestação”, disse Arthur Lira na quinta-feira passada.

Mais do que um recado circunstancial, o alerta sobre a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro – que também pode ser estendido para cada autoridade, em suas respectivas atribuições – é de fundamental importância para a maturidade institucional do País. A independência não é conceito abstrato ou mera categoria jurídica. É, deve ser, uma realidade construída todos os dias, a partir do exercício responsável do poder, que num Estado Democrático de Direito é sempre limitado pela lei e sujeito a uma série de controles independentes entre si.

“Seja nos momentos de tormenta, seja nos momentos de calmaria, o bem do País se garante com o estrito cumprimento da Constituição”, disse Luiz Fux, no dia 2. O caminho de independência e liberdade passa necessariamente pelo respeito à Carta de 1988, que lista, entre os fundamentos da República, a soberania, a cidadania e o pluralismo político.

Os adversários políticos não são inimigos a serem abatidos. As instituições democráticas não são obstáculos a serem removidos. Os limites constitucionais de cada Poder não são empecilhos a serem eliminados. Na verdade, os três elementos são a garantia da vigência de um regime de liberdade e de independência.

A Anvisa, o futebol e a lei

O Estado de S. Paulo

O futebol se sujeita às leis, não é universo à parte, regido por normas e costumes próprios

Ao interromper a partida de futebol entre Brasil e Argentina no domingo passado, válida pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) transmitiu três potentes mensagens. Primeiro, há leis no País e elas devem ser cumpridas, seja por nacionais, seja por estrangeiros. Segundo, o futebol não é um universo à parte, como se fosse regido por normas e costumes próprios, consubstanciados pela suposta soberania das emoções que provoca nas multidões – e das cifras bilionárias que movimenta. O futebol está tão sujeito ao ordenamento jurídico pátrio como estão outras atividades esportivas, econômicas e culturais. Por fim, mas não menos importante, ao impedir a realização do grande clássico sul-americano a Anvisa fez lembrar que a pandemia de covid-19 ainda não acabou, ao contrário do que muitos querem crer, e uma variante do coronavírus mais contagiosa, a variante Delta, circula entre nós e precisa ser contida.

Com cerca de cinco minutos de jogo, servidores da Anvisa, acompanhados por agentes da Polícia Federal (PF), entraram em campo para interromper a partida porque quatro jogadores da Argentina nem sequer deveriam estar no estádio do Corinthians, em Itaquera, quanto menos em campo. Os quatro atletas – Emiliano Martinez, Emiliano Buendía, Giovani Lo Celso e Cristian Romero – deveriam estar resguardados em quarentena. Eles entraram no Brasil a partir do Reino Unido e, desde junho passado, passageiros que chegam ao País oriundos do Reino Unido, da África do Sul, da Irlanda do Norte e da Índia devem obedecer à quarentena de 14 dias para evitar a disseminação das variantes do coronavírus identificadas nestes países, sobretudo a Delta.

É o que determina a Portaria n.º 655, coassinada pelos ministros da Casa Civil, da Justiça e da Segurança Pública e da Saúde, e que faz referência à Lei n.º 13.979/2020. Os estrangeiros de qualquer nacionalidade que chegam ao Brasil oriundos daqueles países devem ter a entrada “restringida” de forma “excepcional e temporária”, considerando o “impacto epidemiológico” das variantes do coronavírus identificadas no Reino Unido, na Irlanda do Norte, na África do Sul e na Índia. Os viajantes devem realizar testes RT-PCR com 72 horas de antecedência ao embarque e, uma vez admitidos no País, têm de respeitar a quarentena de 14 dias. Embora a Portaria n.º 655 se aplique exclusivamente aos estrangeiros, a entrada de brasileiros que partem daquele grupo de países também é regulamentada por outras normas da Anvisa, que impõem aos nacionais, basicamente, as mesmas restrições sanitárias.

Não obstante o acerto do poder público ao interromper a partida após tentativas frustradas de evitar que os jogadores da Argentina deixassem o vestiário, é evidente que houve erros até o desfecho mais dramático. Os quatro jogadores argentinos não deveriam ter entrado no País da forma como entraram. Suspeita-se que eles preencheram um documento afirmando que não provinham dos países sobre os quais pesam as restrições sanitárias, o que, em tese, configura crime de falsidade. Mas, certamente, há os registros de origem nos seus passaportes. Como a PF não verificou esta informação com mais cuidado no controle alfandegário? Como os deixou entrar no País 48 horas antes da partida, tempo mais que suficiente para, caso contaminados, infectarem outras pessoas?

Da Anvisa, espera-se o mesmo rigor na aplicação das normas sanitárias em outras situações que não tenham a mesma visibilidade gerada por uma partida de futebol da importância de um jogo Brasil x Argentina. Sob a ameaça de um vírus mortal, ainda não debelada, o controle sanitário deve ser rigoroso em quaisquer circunstâncias.

Por fim, as entidades privadas responsáveis pela partida – Fifa, CBF e Conmebol – não podem simplesmente alegar que desconheciam a situação irregular dos atletas argentinos. Ao que parece, deixaram a bola correr porque acreditaram na força simbólica do futebol e no sucesso de eventuais arranjos de bastidor nas esferas de poder, que, em boa hora, não prosperaram, para triunfo da lei.

Um país violento

O Estado de S. Paulo

‘Atlas da Violência’ revela a grande distância que separa o Brasil dos países civilizados

Atlas da Violência 2021, estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que o Brasil ainda é um país muito perigoso no que concerne às mortes violentas. Em 2019, ano-base do estudo publicado na terça-feira passada, houve 45.503 homicídios no País, o que representa uma taxa de 21,7 assassinatos por cada grupo de 100 mil habitantes.

O resultado representa um recuo de 21,4% em relação às 57.956 vítimas de assassinato registradas no ano anterior. No entanto, os pesquisadores responsáveis pelo estudo alertam para a queda da qualidade da base de dados que o consubstancia a partir de 2018, ano em que começou a ser notado um expressivo aumento de registros de mortes violentas “com causa indeterminada”. O Atlas da Violência é baseado em dados extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.

A bem da verdade, tanto o número como a taxa de homicídios registrados desde 2009 no País têm apresentado uma tendência de queda, com alguns picos pontuais, como em 2014, 2016 e 2017. A variação do número e da taxa de homicídios entre 2009 e 2019 foi de -12,6% e -20,3%, respectivamente. Porém, um país que ainda hoje perde anualmente tantos milhares de cidadãos para a violência, sobretudo os mais jovens, não pode ser considerado um país pacífico sob nenhuma perspectiva racional. Ainda há enormes esforços a serem empreendidos pelo Estado e pela sociedade para que o Brasil atinja não um patamar “aceitável” de homicídios por 100 mil habitantes, mas ao menos se aproxime dos indicadores de violência das nações mais civilizadas.

O Atlas da Violência 2021 também confirmou que o Brasil é um país particularmente perigoso para os negros. Segundo o estudo, a chance de uma pessoa negra morrer assassinada no País é 2,6 vezes maior do que pessoas não negras serem vítimas de homicídio. Em 2019, houve 29,2 assassinatos de negros para cada grupo de 100 mil habitantes. Entre não negros, a taxa foi de 11,2 assassinatos por 100 mil habitantes.

O Atlas também revelou que a vulnerabilidade das mulheres negras permanece praticamente estável, em patamar muito ruim, desde 2009. Entre aquele ano e 2019, o total de mulheres negras vítimas de homicídio cresceu 2%, passando de 2.419 vítimas em 2009 para 2.468 em 2019. Já o número de mulheres não negras assassinadas no mesmo período despencou quase 27%, saindo de 1.636 mulheres assassinadas em 2009 para 1.196 em 2019. Ou seja, no mesmo período de 11 anos, os avanços das políticas públicas visando à proteção das mulheres contra a violência no País se refletiram apenas sobre a população de mulheres não negras, e de forma substancial. Em 2019, dois terços das mulheres assassinadas no Brasil eram negras. “Como explicar a melhoria dos índices de violência entre mulheres não negras e o agravamento, no mesmo período, dos números de violência letal entre mulheres negras?”, questionam os responsáveis pelo Atlas. É uma pergunta sobre a qual a sociedade deve refletir.

De acordo com o Atlas, São Paulo é o Estado mais seguro do País. Há 7,3 homicídios a cada grupo de 100 mil habitantes no Estado, índice muito abaixo do indicador nacional (21,7). São Paulo também tem os menores indicadores de violência contra as mulheres, os negros e os jovens. Em 2019, houve 1,7 assassinato de mulheres por 100 mil habitantes, metade do indicador nacional (3,5). A taxa de homicídio de negros em território paulista foi de 9,1 mortos por cada 100 mil habitantes, enquanto a média nacional ficou em 29,2 homicídios por 100 mil habitantes. Já entre os jovens de 15 a 29 anos, a taxa paulista foi de 12,5 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, em face da média nacional de 45,8 assassinatos por 100 mil habitantes. Os dados refletem ações que o governo do Estado, não de hoje, tem tomado para coibir a violência e que, pelo que indicam os números, têm sido bem implementadas.

Essa talvez seja a principal informação a ser extraída do Atlas, a enorme desigualdade do País. É imperiosa a coordenação nacional de boas políticas de segurança pública. Nesta seara, como em muitas outras, as promessas de Jair Bolsonaro são o que sempre foram: apenas promessas.

Bolsonaro é o perdedor

Folha de S. Paulo

Nenhuma imagem do feriado mudará o apoio da imensa maioria do país à democracia

Paira no ar um frisson, de certa forma compartilhado por bolsonaristas e antibolsonaristas, sobre qual será a imagem de maior impacto no período de 7 a 12 de setembro —vale dizer, a foto com mais manifestantes, como se isso retratasse a maioria dos brasileiros.

Trata-se de um equívoco flagrante.

A ciência da pesquisa, como no levantamento conduzido pelo Datafolha em junho de 2020, mostra que a maioria esmagadora de 75% dos brasileiros é favorável à democracia —e que para 78% o regime militar foi uma ditadura da qual não há saudades.

Não importa o quão fanaticamente os bolsonaristas apoiem seu chefe e o quanto os opositores estejam menos mobilizados ainda em respeito à crise sanitária; nada muda o fato de que Jair Bolsonaro erra, mais uma vez, ao apoiar atos golpistas repudiados pela imensa maioria que não irá às ruas.

Repudiados também pelos setores organizados da sociedade que, a despeito de preferências e interesses heterogêneos, compreendem que só o ambiente de livre manifestação do pensamento e respeito ao Estado de Direito permite a apresentação de demandas e a busca por justiça e prosperidade.

Tal entendimento se espelha na representação política. Entre governadores, prefeitos e parlamentares inexiste massa crítica a encorajar ensaios de ruptura. A sustentação fisiológica ao governo no Congresso não faz mais do que levar adiante projetos econômicos e evitar o impeachment.

As instituições, ainda que imperfeitas, se encontram amadurecidas por mais de três décadas de democracia —o período mais longo de normalidade na história republicana— e consolidação dos freios e contrapesos a serem respeitados por todos os Poderes.

Está claro para todos que o alarido provocado por Bolsonaro deriva de sua incapacidade de governar e da perspectiva de ser mandado para casa pelos brasileiros em uma eleição livre e justa, como têm sido todos os pleitos realizados no país.

O mandatário usa a data nacional para uma demonstração de suposta força. Conta, não é novidade, com o apoio de parcela minoritária, mas ainda expressiva, do eleitorado. Mas só aprofundará seu fracasso ao insistir na arruaça e na truculência golpista.

Brasil, 199

Folha de S. Paulo

Em quadra pouco iluminada da história nacional, elite precisa reagir com vigor

O Brasil completa nesta terça (7) uma trajetória de 199 anos como país independente. Nesses quase dois séculos, uma colônia agrícola escravocrata transformou-se em país de sociedade complexa e economia diversificada, sem que isso fosse suficiente para sanar suas imensas desigualdades e injustiças.

É pouco iluminado, porém, o horizonte próximo ao bicentenário.

Perdido em um devaneio autoritário, o Brasil tem hoje um governo que fracassa em prover a melhoria das condições de vida para 213 milhões de habitantes. Revive fantasmas que só fazem promover insegurança econômica e medo em toda uma geração que aprendeu a grandeza da democracia, reconquistada com esforço.

Seria despejar demasiada expectativa na suposta liderança em Brasília pedir que se notasse o encolhimento da importância relativa do país, num mundo em que o centro do poder mais e mais se desloca para a Ásia. Nem mesmo o papel de locomotiva regional cabe com nitidez no Brasil atual.

Para uma nota mais positiva, convém evitar o fatalismo. O país não está fadado ao sucesso, tampouco a perpetuar essa má quadra.

Possui capital humano qualificado para superar a tormenta. Congrega dimensões que lhe dão lugar de destaque no planeta, seja pelo porte econômico (o oitavo maior Produto Interno Bruto pelo critério de paridade de poder de compra), pelo físico (a quinta maior área) ou pelo populacional (o sexto maior contingente, ainda que esse fator seja declinante, dado que o país caminha para ficar fora do grupo dos dez mais habitados).

As aspirações de qualquer conjunto de pessoas razoáveis passam muito longe do choque contracivilizacional ora vivido no Brasil. Este em algum momento cessará. Infelizmente, os traumas dele decorrentes devem se fazer notar por mais tempo, e sua cura não ocorrerá apenas pelo passar dos anos.

Nessa reconstrução, existe um papel do qual a elite não poderá fugir. O topo da íngreme pirâmide social brasileira apenas recentemente começa a dar sinais, ainda desconexos, de que não está disposto a aceitar os descalabros em curso. Será necessário fazê-lo com muito mais vigor.

Desse estamento espera-se ainda compromisso bem mais firme com o avanço educacional e com a preservação ambiental.

Também da elite política agrupada nas principais instituições deseja-se mais. Seu trabalho não é apenas manter sólidos os pilares da democracia. Deveria ser mais ativa no avanço do arcabouço legal e na diminuição de incertezas jurídicas que atrasam o país.

Decerto não é por descrença dos brasileiros que o país chegou a esse ponto. Como detectou pesquisa do Datafolha, 90% deles acreditam que o país é viável, e 70% dizem sentir orgulho de sua pátria. É preciso dar materialidade a esse sentimento, e efemérides são momentos propícios à reflexão. Que o aniversário desta construção chamada Brasil seja útil nesse sentido.

Vexame em campo

Folha de S. Paulo

Alegações contra argentinos são graves; ação de autoridades ainda gera dúvidas

Ainda estão por ser esclarecidas todas as circunstâncias da vexaminosa paralisação do jogo entre Brasil e Argentina, ocorrida no domingo (5), em São Paulo.

De certo, sabe-se que, aos 6 minutos de jogo, agentes da Polícia Federal e da Anvisa adentraram o campo da Neo Química Arena para retirar quatro jogadores argentinos que haviam descumprido normas sanitárias contra a disseminação do Sars-CoV-2.

Diante da situação, a seleção visitante optou por se retirar de campo, e o jogo, válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022, terminou suspenso.

A trapalhada teve início no dia anterior. Numa reunião entre a delegação do país vizinho e autoridades sanitárias estaduais e federais constatou-se, segundo a Anvisa, que os jogadores Emiliano Martínez, Buendía, Cristian Romero e Giovani Lo Celso haviam prestado informações falsas acerca dos locais em que estiveram nos dias anteriores à entrada no Brasil.

Os quatro teriam ocultado uma passagem pelo Reino Unido nos últimos 14 dias. Assim, de acordo com portaria interministerial de 23 de junho, eles só poderiam ter ingressado no Brasil com autorização específica fornecida pelo governo brasileiro. Nesse caso, os jogadores ainda teriam de cumprir quarentena de 14 dias.

Trata-se de atitude deplorável, e a PF já apura um possível crime de falsidade ideológica por parte dos desportistas argentinos. Quanto à portaria, válida também para viajantes estrangeiros oriundos de Índia, Irlanda do Norte e África do Sul, pode-se discutir o mérito, mas o fato é que está em vigor.

Ainda no sábado, segundo o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, o quarteto foi orientado a ficar isolado para aguardar a deportação, mas há versões conflitantes. Seja qual for a verdade, indubitável é que os jogadores se dirigiram ao estádio no domingo.

Cerca de três horas antes da partida, a agência sanitária divulgou nota classificando o episódio como “risco sanitário grave”, na qual afirma haver contatado a PF para que as providências fossem adotadas. Lamenta-se que isso tenha sido feito a tempo de evitar o vexame.

Senado tem de barrar a volta das coligações

O Globo

Numa amostra de 31 países, o Brasil é o segundo com maior fragmentação partidária no Parlamento, segundo levantamento publicado ontem pelo GLOBO com base em dados da União Interparlamentar. Nada menos do que 30 partidos elegeram representantes para a Câmara dos Deputados brasileira em 2018, resultado que coloca o país atrás apenas da congênere indiana, a Casa do Povo, onde 36 agremiações obtiveram cadeiras.

Em virtude de fusões e migrações, os 30 partidos caíram para os atuais 24. Mesmo assim, muito acima da média de 11 eleitos para as Câmaras Baixas mundo afora. Metade dos países da amostra elegeu menos de oito partidos. Foram 16 na Assembleia Nacional francesa, 13 no Knesset israelense, dez no Parlamento britânico, nove na Assembleia da República portuguesa, oito na Câmara de Deputados mexicana, sete no Bundestag alemão, seis na Duma russa, cinco na Câmara dos Comuns canadense e apenas dois na Câmara dos Representantes americana.

A profusão de partidos é uma das principais causas de disfunção na democracia brasileira. Parcela significativa são agremiações sem a menor consistência ideológica, transformadas em negócios comandados por caciques a mercadejar apoio político em troca de verbas e cargos na máquina pública. Reduzir a quantidade de partidos com representação é fundamental para combater o fisiologismo que macula as negociações no Congresso.

O caminho para a redução gradual começou a ser trilhado pela minirreforma política de 2017. Em agosto, porém, a Câmara, movida pelo interesse de pequenas legendas ameaçadas pelas novas regras que passarão a vigorar a partir do ano que vem, deu marcha a ré nesse caminho ao aprovar uma espécie de “contrarreforma” .

Dois dispositivos introduzidos em 2017 contribuem para reduzir a fragmentação. O primeiro é o percentual mínimo de votos para que as legendas obtenham acesso ao fundo partidário ou a tempo de propaganda, conhecido como “cláusula de barreira” ou “desempenho”. A reforma estipulou que esse percentual aumentará aos poucos até 3% dos votos válidos na eleição de 2030 (com 2% — ou, alternativamente, 15 deputados — em pelo menos um terço das unidades federativas).

O segundo dispositivo é a proibição de coligações partidárias em eleições proporcionais, para evitar os casos bizarros (e comuns) em que o voto em candidatos de esquerda ajuda a eleger deputados de direita e vice-versa. A nova regra começou a valer em 2020 e já reduziu a fragmentação nas Câmaras municipais. O pleito de 2022 é o primeiro em que os dois dispositivos passarão a valer simultaneamente, exercendo força depuradora na Câmara e nas Assembleias Legislativas.

A contrarreforma aprovada em agosto tenta ressuscitar as absurdas coligações nas eleições proporcionais. Outra alternativa, menos escandalosa, urdida para dar sobrevida às pequenas legendas foi a aprovação das federações partidárias, coligações mantidas também durante a legislatura. O presidente Jair Bolsonaro afirmou que vetaria as federações. No Senado, as coligações proporcionais enfrentam resistência. Os senadores deveriam mesmo barrá-las. Não faz sentido qualquer mudança nas regras aprovadas em 2017 antes de ao menos testá-las. O Brasil precisa prosseguir no caminho da depuração partidária, que só tem a contribuir para aperfeiçoar nossa democracia.

Casos do ‘mal da vaca louca’ provam que país tem mantido vigilância

O Globo

O Ministério da Agricultura confirmou dois casos “atípicos” de encefalopatia espongiforme bovina (EEB), conhecida popularmente como “mal da vaca louca”. Um deles foi registrado num frigorífico de Mato Grosso, estado líder em abates no Brasil, o outro em Minas Gerais. A doença, causada por um agente infeccioso conhecido como “príon”, afeta o sistema nervoso dos animais. Um de seus tipos — ao que tudo indica, distinto do detectado no Brasil — pode ser transmitido a humanos e, em casos raros, causar uma variedade da doença de Creutzfeldt-Jakob, que provoca degeneração cerebral e morte.

A EEB também recebe diferentes classificações. Na “clássica”, a infecção se dá pela ingestão de ração feita a partir de restos de animais contaminados, como aconteceu no Reino Unido nos anos 80 e 90. A EEB não é contagiosa, mas, como o gado foi alimentado com rações comprometidas, as exportações britânicas tiveram de ser banidas por vários anos, causando danos astronômicos ao país. Milhões de cabeças de gado foram sacrificadas.

Na forma “atípica”, como os dois casos brasileiros, a causa é uma mutação espontânea sem relação com a dieta dos animais. É um evento que ocorre em vários países, não é motivo para medo entre os consumidores nem para boicote. De acordo com a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), o Brasil, assim como Austrália, Estados Unidos e outros 49 países, está na lista de locais onde o risco de EEB é insignificante. Independentemente disso, o governo acertou ao ser transparente. Em 23 anos de vigilância contra a doença, o Brasil registrou cinco casos da EEB atípica e nenhum da clássica.

Numa medida preventiva, as exportações para a China foram suspensas, como prevê o protocolo sanitário entre os dois países. As vendas deverão ser retomadas depois que os chineses se certificarem de que não há risco de o problema ter uma extensão maior que a detectada pelas autoridades brasileiras.

Todos os cuidados são bem-vindos. A pecuária é uma das forças das exportações brasileiras. O país tem o maior rebanho bovino do mundo, com 217 milhões de cabeças, mais que o dobro do americano. Quando se examinam as exportações, o Brasil é também o primeiro, com vendas de 2,2 milhões de toneladas em 2020, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A pecuária bovina teve grande peso para que o Brasil fechasse o ano passado mantendo o segundo lugar entre os maiores exportadores de carnes, incluindo aves e suínos, num total de US$ 15 bilhões. É isso que está em risco quando se fala em controlar doenças como a EEB. Para que o Brasil se mantenha no topo do ranking global, como grande fonte de carne e gado para o mercado internacional, e para que também passe a ser um dos maiores exportadores de material genético, é crucial manter o rebanho sob escrutínio constante e revelar toda ocorrência, como foi feito.

 

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