quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - A quarta de cinzas de Bolsonaro

As manifestações pro-Bolsonaro no 7 de setembro foram mais amplas do que este observador esperava. O fato de não ter havido violência física contra pessoas, vias ou prédios deve aliviar. Havia justificados temores disso, face ao tom virulento com que essas manifestações foram convocadas, pelo presidente e seu entorno, durante um mês inteiro.

Se Bolsonaro fosse um político com mínima afinidade com a democracia, faria desse inegável apoio demonstrado na rua um recurso para tentar, até com alguma chance, reverter o isolamento político e o desgaste crescente da sua imagem. Se politicamente tratadas pelo seu beneficiário, as manifestações de ontem poderiam fazer retornar o apoio de parte dos seus eleitores de 2018 hoje desencantados. Tal façanha poderia ser facilitada pelo caráter pacífico dos atos (reduzindo o constrangimento de conservadores civilizados) e pela demonstração de força que poderia incutir, em eleitores antipetistas extremados, a sensação de que Bolsonaro continuaria sendo a possibilidade de evitar a volta de Lula.

Mas Bolsonaro fez o oposto. Mirando alvos que ele, sua família e círculo miliciano elegeram como inimigos, procurou insuflar um público que lhe dava o benefício da dúvida a se jogar contra o resto da sociedade. Ele confunde a multidão que foi à rua com os seus milicianos e seguidores fanáticos, como se todos formassem uma massa só. Está cego para a diversidade de motivos que formou aquela multidão. Na sua marcha batida ao "confronto final" tende a frustrar expectativas da maioria do seu próprio público, a qual não se move por ideologia, mas pela esperança de que ele, com apoio da rua, governe, afinal, o país e cumpra suas promessas de campanha.

É um público que sente atração por autocratas porque acha que eles podem "resolver” aquilo que consideram ser os maiores problemas seus e do Brasil. E que problemas seriam esses? Certamente não são os que preocupam outros públicos, cujos interesses se combinam com mais igualdade social. A pauta dos manifestantes pro-Bolsonaro começa (paradoxalmente, aliás) pelo combate à corrupção, derivando em rejeição da política; segue na defesa, ideológica e pragmática, da autossuficiência do mercado, implicando em redução de direitos sociais; estende-se à reivindicação de segurança na base da tolerância zero e inclui ainda pautas conservadoras no campo dos costumes.

É o que se pode chamar, grosso modo, de uma pauta de direita.  Ela, em si, pode caber, legitimamente, nos marcos da democracia política. Dentro de um regime democrático há lugar para pretensões assim, desde que não se desrespeite os direitos humanos, nem o conjunto da letra da Constituição. Hoje elas formam o mix orientador de quem ainda apoia o governo que aí está. Parte desses apoios é dado por métodos golpistas, outra parte não.

Mas são, no geral, apoios condicionados à eficácia. Muita gente foi à rua, no dia 7, por acreditar que Bolsonaro não governa porque não deixam. Foi para ajudá-lo a formar "seu" STF, livrando-se de juízes como Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso; a "enquadrar" o Congresso para poder dispensar "corruptos" em geral, do seu governo; a se defender de governadores e partidos, da imprensa e dos incréus. Tudo para o mito poder, enfim, governar para liberar apetites pessoais de controles exercidos pelo mundo público.

O que pensará essa gente meio crédula, meio interessada, quando o intenso apoio dado ao mito não o tornar capaz de agir?  A decepção é provável quando os apoiadores virem que o mito é só mito e nunca será presidente. Esse foi o sentido de um comentário da colunista Dora Kramer, que inspirou o meu, ao tocar nesse ponto com muita propriedade, a meu ver.

Em suma, penso que, para Bolsonaro, foi uma farra de terça-feira gorda. Hoje ele já vive uma quarta de cinzas. Porém, é preciso ligar o alerta dos democratas. O 7 de setembro foi o dia da multidão pacífica (ao menos nos gestos). A data que for escolhida para a primeira manifestação unitária da oposição e da cidadania majoritária – e que certamente ocorrerá - poderá ser o dia em que os golpistas vão querer colocar nas ruas os milicianos, de fora e de dentro das polícias militares, nas quais procuram se infiltrar. Em algum momento também haverá o dia de caminhoneiros bolsonaristas e o de tratores da parte incivil do agronegócio.  Barulho não faltará e para que sociedade política e sociedade civil não se deixem intimidar por ele, será preciso não se perder a noção do processo inteiro.

A quaresma política que o 7 de setembro anunciou promete muitas tensões e provações. Mas se houver firmeza e, também, juízo, para não dar a golpistas o pretexto que procuram, chegará o dia do Aleluia e depois a Páscoa que o Brasil merece e ansiosamente espera.

*Cientista político e professor da UFBa.

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