As manifestações pro-Bolsonaro no 7 de setembro foram mais amplas do que este observador esperava. O fato de não ter havido violência física contra pessoas, vias ou prédios deve aliviar. Havia justificados temores disso, face ao tom virulento com que essas manifestações foram convocadas, pelo presidente e seu entorno, durante um mês inteiro.
Se Bolsonaro fosse um político com mínima
afinidade com a democracia, faria desse inegável apoio demonstrado na rua um
recurso para tentar, até com alguma chance, reverter o isolamento político e o
desgaste crescente da sua imagem. Se politicamente tratadas pelo seu
beneficiário, as manifestações de ontem poderiam fazer retornar o apoio de parte
dos seus eleitores de 2018 hoje desencantados. Tal façanha poderia ser
facilitada pelo caráter pacífico dos atos (reduzindo o constrangimento de
conservadores civilizados) e pela demonstração de força que poderia incutir, em
eleitores antipetistas extremados, a sensação de que Bolsonaro continuaria
sendo a possibilidade de evitar a volta de Lula.
Mas Bolsonaro fez o oposto. Mirando alvos
que ele, sua família e círculo miliciano elegeram como inimigos, procurou insuflar
um público que lhe dava o benefício da dúvida a se jogar contra o resto da
sociedade. Ele confunde a multidão que foi à rua com os seus milicianos e
seguidores fanáticos, como se todos formassem uma massa só. Está cego para a
diversidade de motivos que formou aquela multidão. Na sua marcha batida ao
"confronto final" tende a frustrar expectativas da maioria do seu próprio
público, a qual não se move por ideologia, mas pela esperança de que ele, com
apoio da rua, governe, afinal, o país e cumpra suas promessas de campanha.
É um público que sente atração por autocratas porque acha que eles podem "resolver” aquilo que consideram ser os maiores problemas seus e do Brasil. E que problemas seriam esses? Certamente não são os que preocupam outros públicos, cujos interesses se combinam com mais igualdade social. A pauta dos manifestantes pro-Bolsonaro começa (paradoxalmente, aliás) pelo combate à corrupção, derivando em rejeição da política; segue na defesa, ideológica e pragmática, da autossuficiência do mercado, implicando em redução de direitos sociais; estende-se à reivindicação de segurança na base da tolerância zero e inclui ainda pautas conservadoras no campo dos costumes.
É o que se pode chamar, grosso modo, de uma
pauta de direita. Ela, em si, pode
caber, legitimamente, nos marcos da democracia política. Dentro de um regime
democrático há lugar para pretensões assim, desde que não se desrespeite os
direitos humanos, nem o conjunto da letra da Constituição. Hoje elas formam o mix
orientador de quem ainda apoia o governo que aí está. Parte desses apoios é
dado por métodos golpistas, outra parte não.
Mas são, no geral, apoios condicionados à
eficácia. Muita gente foi à rua, no dia 7, por acreditar que Bolsonaro não
governa porque não deixam. Foi para ajudá-lo a formar "seu" STF,
livrando-se de juízes como Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso; a
"enquadrar" o Congresso para poder dispensar "corruptos" em
geral, do seu governo; a se defender de governadores e partidos, da imprensa e
dos incréus. Tudo para o mito poder, enfim, governar para liberar apetites
pessoais de controles exercidos pelo mundo público.
O que pensará essa gente meio crédula, meio
interessada, quando o intenso apoio dado ao mito não o tornar capaz de
agir? A decepção é provável quando os
apoiadores virem que o mito é só mito e nunca será presidente. Esse foi o
sentido de um comentário da colunista Dora Kramer, que inspirou o meu, ao tocar
nesse ponto com muita propriedade, a meu ver.
Em suma, penso que, para Bolsonaro, foi uma
farra de terça-feira gorda. Hoje ele já vive uma quarta de cinzas. Porém, é
preciso ligar o alerta dos democratas. O 7 de setembro foi o dia da multidão
pacífica (ao menos nos gestos). A data que for escolhida para a primeira
manifestação unitária da oposição e da cidadania majoritária – e que certamente
ocorrerá - poderá ser o dia em que os golpistas vão querer colocar nas ruas os
milicianos, de fora e de dentro das polícias militares, nas quais procuram se
infiltrar. Em algum momento também haverá o dia de caminhoneiros bolsonaristas
e o de tratores da parte incivil do agronegócio. Barulho não faltará e para que sociedade política
e sociedade civil não se deixem intimidar por ele, será preciso não se perder a
noção do processo inteiro.
A quaresma política que o 7 de setembro
anunciou promete muitas tensões e provações. Mas se houver firmeza e, também, juízo,
para não dar a golpistas o pretexto que procuram, chegará o dia do Aleluia e
depois a Páscoa que o Brasil merece e ansiosamente espera.
*Cientista político e professor da UFBa.
Boa, Paulo Fábio.
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