quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Ricardo Noblat - Liberdade de expressão, o novo nome de crimes contra a democracia

Blog do Noblat / Metrópoles

Se aprovado, novo Código Eleitoral deixará em maus lençóis Bolsonaro e os que se comportam como ele

Está marcada para amanhã a votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados do novo Código Eleitoral. Se ele for aprovado ali e, depois, no Senado, o presidente Jair Bolsonaro, seus devotos e quem mais hostiliza a democracia e distribui notícias falsas terão muito com o que se preocupar.

Há seis artigos no Código que tratam do combate à desinformação em período eleitoral. O artigo 882 prevê pena de 1 a 4 anos de reclusão para quem divulgar ou compartilhar notícias falsas. Torna-se crime a propagação de fatos inverídicos ou gravemente descontextualizados com a intenção de influenciar eleições.

Se a conduta for praticada com a finalidade de “atingir a integridade dos processos de votação, apuração e totalização de votos para promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais”, a pena é acrescida de metade a dois terços do seu tamanho. Se o Código vigorasse, Bolsonaro estaria ferrado.

Deputados bolsonaristas começaram a reclamar do Código em nome da liberdade de expressão, argumento preferido do seu líder para justificar qualquer coisa que diga ou faça. Para ele, lançar dúvidas sobre a segurança do sistema de votação, mesmo sem apresentar provas, não passa de liberdade de expressão.

Atacar ministros do Supremo Tribunal Federal, sem provas, seria liberdade de expressão. Dizer que sem voto impresso não haverá eleições, liberdade de expressão. Bem como reunir multidões para pedir o fechamento do Supremo e do Congresso. Coitado, porém, de quem disser, por exemplo, que deseja a morte de Bolsonaro.

Ou adverti-lo para o risco de sofrer um novo atentado. Ou então compará-lo a Hitler e a Mussolini. Aí não é liberdade de expressão, mas crime.

Onde foi que erraram Michelle Bolsonaro e tia Zezinha

Ambas barganharam com Deus usando nome de terceiros

“Muito antes de o Jair ser eleito, eu fiz um compromisso com Deus para que tivéssemos essa oportunidade de estar no poder. Nós usaríamos o poder para ajudar aqueles que precisavam”, disse Michelle Bolsonaro, a primeira-dama do país, na solenidade que marcou no Ministério da Saúde o lançamento do programa Ações de Educomunicação em Doenças Raras.

Quer dizer: Michelle prometeu a Deus que se o marido e ela chegassem ao poder, ajudariam os necessitados. Promessa é uma barganha. Você promete algo em troca do atendimento a um pedido – no caso de Michelle, a eleição de Bolsonaro. Ela pode estar fazendo a sua parte no que prometeu, mas talvez tenha se esquecido de combinar com o marido para que ele fizesse a dele.

Lembrou-me tia Zezinha, a segunda mãe que tive. Era muito religiosa. Quando o Papa Pio XII estava morrendo em 1958, ela desesperou-se, chorava e não largava o terço. Em 1963, contudo, quando o Papa João XXIII agonizava, tia Zezinha não estava nem aí. Estranhei seu comportamento e quis saber por que era assim. Ela então me contou até com uma ponta de alegria:

– Fiz um compromisso com Deus. Em troca da vida do Papa, ele poderá levar a minha, a de Maria Laurinda e a sua.

– Como assim? Levar para onde?

– Levar para o céu – ela respondeu.

Tia Zezinha tinha mais de 70 anos. Maria Laurinda, uma amiga dela, mais de 50 e vivia numa cadeira de rodas; eu completaria 15 anos. Tia Zezinha simplesmente não nos consultou a respeito.

– Mas não quero ir para o céu agora – disse assustado.

– O céu é muito bom, Ricardo José, você vai gostar – ela retrucou.

A agonia de João XXIII foi demorada, bem como a minha que torcia para que Deus recusasse a proposta de tia Zezinha. Fiz até promessa para isso.

 

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