terça-feira, 26 de outubro de 2021

Ana Carla Abrão - Vamos falar a verdade?

O Estado de S. Paulo

Ao rasgar a fantasia da responsabilidade fiscal, o governo escancara tudo aquilo que nunca foi

O Bolsonarismo triunfou por uma combinação de ojeriza ao PT e seus vergonhosos casos de corrupção com a crença de que uma agenda liberal e reformista seria encabeçada por um presidente que se dizia a antítese do sistema. Esta última parte, além de incompatível com a trajetória retrógrada e corporativista do longevo deputado Jair Bolsonaro, vinha fantasiada de um discurso de humilde ignorância em Economia.

Inflou-se – no tamanho e no ego – um vistoso Ministério da Economia que levaria a cabo reformas e corrigiria décadas de erros de política econômica. Faríamos jus, finalmente, ao papel que a história nos reservava. Respeito à responsabilidade fiscal, privatizações de 1 trilhão, déficit público zerado, abertura comercial e choque de gestão. Além do fim da corrupção e dos conchavos políticos obscuros. Seria a redenção de um País que vivia havia gerações de joelhos. Seria a pátria revivida. Ledo engano daqueles que acreditaram.

Três anos depois, privatizações não houve, déficit zerado tampouco, reformas viraram contrarreformas e a abertura comercial ficou esquecida. Destacam-se solitárias e positivamente a agenda de modernização do sistema financeiro pelo Banco Central e sua autonomia. Mas uma andorinha só não faz verão. Ainda mais agora, sobrevoando sob chuva um mar repleto de tubarões.

Ao rasgar a fantasia da responsabilidade fiscal neste seu penúltimo novembro, o governo escancara tudo aquilo que nunca foi e, mais ainda, o que é. Alternando obsessão por um imposto de transações financeiras, reformas mal ajambradas e ideias esdrúxulas para driblar o teto de gastos, um Executivo federal cada vez mais sequestrado pelo Legislativo jogou nesse mar de tubarões a última das âncoras fiscais e com ela muito do que conquistamos com árduos e descontínuos avanços.

Agora é do populismo despudorado o papel de protagonista. Não há teto de gastos, planejamento ou orçamento. Os 90 bilhões de gastos adicionais visam à eleição de 2022, não à acomodação de gastos sociais. É desonesto dizer diferente. Assim como é desonesto afirmar que a reforma administrativa que aí está nos devolverá algum recurso. São as emendas de relator (e seus desvios), o fundo eleitoral (prevenindo a renovação política), os subsídios fiscais (sem avaliação de impacto) e várias outras benesses privadas distribuídas no varejo dos interesses individuais as motivações para o fim do teto. O governo não governa, o parlamento distribui para si o orçamento e o povo padece. Essa é a verdade neste País sem rumo.

 

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