sábado, 2 de outubro de 2021

Ascânio Seleme - As imagens dos mil dias do governo Bolsonaro

O Globo

primeira imagem foi o escatológico golden shower com a qual Jair Bolsonaro brindou os brasileiros logo no início de seu governo. No dia 5 de março de 2019, o presidente compartilhou em suas redes sociais um vídeo em que um homem urina na cabeça de outro. Fez isso para gratuitamente atacar os blocos de carnaval. Visto de hoje, depois de tudo o que temos passado, aquele compartilhamento absurdo vindo da maior autoridade nacional parece até bobagem. Além desta imagem inaugural, há uma coleção de retratos que explica bem o caráter doentio deste governo.

A série de ataques à democracia e aos Poderes instituídos tem três momentos símbolos. O primeiro foi a manifestação do dia 19 de abril de 2020 liderada por Bolsonaro em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília. A foto síntese tem o presidente em primeiro plano discursando para um grupo de pessoas que levavam cartazes pedindo o fechamento do Supremo e do Congresso, a volta do AI-5 e a intervenção militar. Por isso apenas um processo de impeachment deveria ser aberto por Rodrigo Maia, que nada fez. O segundo momento foi o desfile de tanques fumacentos na Esplanada, e o terceiro, a tentativa fracassada de golpe do dia 7 de setembro passado.

No quesito pandemia, há um sem número de imagens que entristeceram o país. As fotos das sepulturas sendo abertas em escala industrial são as mais duras. Mas há as ridículas também, como a da ema fugindo de Bolsonaro, que lhe ofereceu uma caixa de cloroquina. O presidente fez tudo o que esteve ao seu alcance para sabotar o combate ao coronavírus. O resultado da sua ação deletéria será conhecido em toda a sua extensão no relatório da CPI da Covid, mas estudos indicam que pelo menos 200 mil das 600 mil mortes no pais poderiam ter sido evitadas se o governo tivesse agido de modo contrário.

Ainda no capítulo Covid, a imagem de um pária comendo pizza numa calçada de Nova York virou piada humilhante, não apenas para o presidente desmascarado, mas para toda a nação. O desmatamento e as queimadas na Amazônia também compõem o mosaico que define o esdrúxulo governo brasileiro. A figura do ex-ministro Ricardo Salles tentando fazer passar a sua boiada antiecológica é a peça mais visível deste pântano que virou o que deveria ser apenas amor e devoção ao meio ambiente.

Finalmente, chegamos à imagem que resume de maneira mais cabal o governo Bolsonaro. A foto de Domingos Peixoto do caminhão de ossos sendo escrutinado por miseráveis, publicada na primeira página do jornal Extra de quarta-feira, mostra não apenas a dor da pobreza e da fome que se espalha pelo país, mas a degradação de um governo ineficiente e corrupto. O motorista do caminhão, José Divino dos Santos, explicou assim ao jornal o que mudou de alguns anos para cá: “Antes, as pessoas passavam aqui e pediam um pedaço de osso para os seus cachorros. Hoje, elas imploram por um pouco de ossada para fazer comida. O meu coração dói”.

Embora o índice tenha se recuperado um pouco, há 14,1 milhões de desempregados no Brasil. Segundo o IBGE, em 12 meses cresceu em 5,6 milhões o número de trabalhadores sem remuneração ou que iniciaram trabalhos por conta própria. Estes somam 36,3 milhões de brasileiros, ou 40,8% da população tecnicamente ocupada no país. E o que faz Sua Excelência o presidente da República para reverter este quadro? Nada. Bolsonaro é preguiçoso e não gosta de trabalhar. Prefere viajar pelo país em campanha eleitoral antecipada. O Brasil que se dane.

Atos de hoje

As manifestações de hoje em favor da democracia e contra Bolsonaro ocorrem no dia do nascimento do maior pacifista da história, o indiano Mahatma Gandhi. Os atos, que por sua natureza são essencialmente a favor da vida, da tolerância e da pluralidade, e que todos os brasileiros de bom coração deveriam apoiar, poderiam servir também como uma homenagem ao líder ativista da não violência.

Pressa para quê?

O presidente do Supremo, Luiz Fux, vem pressionando o Senado para que a sabatina de André Mendonça seja logo pautada. Fux alega que o trabalho da Corte está muito pesado e que a qualquer hora pode eventualmente ocorrer um empate em causa que seja relevante, que interesse ao governo ou ao presidente Bolsonaro. Pode ser, ministro, pode dar empate, como pode não dar. Até houve um empate em ação menor envolvendo um ex-deputado. E daí? Daí, nada. O ministro Lewandowski disse que empate em votação beneficia o réu, o que parece bastante razoável. Com Mendonça aprovado, não haveria empates, e nas questões de Bolsonaro, ele sempre seria vencedor.

Lira e Lula

O presidente da Câmara não consegue ficar quieto, mete-se em tudo. A última foi seu pitaco na questão do preço da gasolina. De maneira simplória, propositalmente simplória, apontou o culpado: o ICMS. E disse que a solução é mudar a lei, unificando os valores do tributo em todo o país. Parece haver um interesse escondido aí, que Lira não é bobo. Ele sabe que mudar o ICMS resolve nada no preço dos combustíveis. Outro que enfiou a sua colher foi Lula. O ex-presidente disse que a Petrobras mantém o preço alto porque está acumulando dinheiro para pagar seus acionistas americanos. Lula também tem outra pauta, mas pelo menos a dele é transparentemente eleitoreira.

Passaporte da vacina

Deve ser negacionista o desembargador que derrubou o passaporte da vacina criada pelo prefeito Eduardo Paes como forma permitir que apenas pessoas devidamente imunizadas entrem em locais públicos fechados. Sua Excelência não entendeu que o passaporte é um estímulo à vacinação, e não somente um instrumento para “impedir a liberdade de locomoção”. O desembargador deveria ver como a coisa anda em Nova York, mas talvez ele nem possa entrar nos EUA por falta de vacina. Neste caso, tampouco voaria pela United Airlines, que anunciou a demissão de 593 empregados que se recusam a se vacinar. Sabiamente, o STF derrubou a liminar do magistrado carioca.

Afrouxamento geral

Confirmado pelo Senado o afrouxamento da lei que pune crimes de improbidade administrativa. Com o mesmo argumento usado pelos deputados, de que o crime só ocorre quando ele é intencional, senadores de todos os partidos abrandaram a lei. Agora, roubo só vira crime se ficar provado que a intenção era mesmo roubar. Roubar sem querer pode. Como se sabe, parlamentares de todos os partidos apoiaram a “causa”, mas ninguém como o PT. Na Câmara, 52 dos seus 53 deputados votaram pelo afrouxamento. No Senado, toda a bancada foi a favor da tese de que roubo sem intenção não é crime. Foi sancionada também a lei que permite que políticos que tiveram suas contas rejeitadas sejam candidatos a cargos eletivos. A lei anterior estabelecia inelegibilidade por oito anos para mandatário com contas negadas. Ao sancionar a lei, o Palácio distribuiu nota afirmando que a punição era desproporcional em casos que existe “pequeno potencial ofensivo”. Pois é.

Estátua polêmica

Causou polêmica na Itália uma estátua inspirada num poema do século XVII em que uma mulher se junta a um revolucionário por amor e com ele compartilha o fracasso. A estátua ressalta as curvas, sobretudo as nádegas da mulher apaixonada. A obra causou rebuliço porque muitos a consideraram fruto do machismo e do sexismo do seu autor, Emanuele Stifano. Será? Recomendo uma visita ao cemitério de Père Lachaise, em Paris, para ver o túmulo do jornalista Victor Noir. Ele foi assassinado em 1870, aos 21 anos. Sua morte gerou uma comoção num momento de turbulência política, e ele acabou merecendo um túmulo com estátua no mais célebre cemitério parisiense. Ocorre que o artista Jules Dalou o esculpiu morto, estendido no chão, e, notem bem, com uma ereção post mortem muito visível sob as dobras da calça de bronze. Não houve escândalo na época, nem hoje, quando o túmulo virou local de visita obrigatória. Os que visitam o túmulo de Noir não podem se esquecer de tocar o membro enrijecido da estátua. Reza a lenda que ele é afrodisíaco e ajuda mulheres que querem engravidar.

Entreouvido por aí

Um mineiro de Leopoldina em visita ao Rio deparou-se com uma placa numa padaria no Jardim Botânico anunciando um galeto a R$ 85,00. E era o preço só do galetinho de 300 gramas de carne, pele e osso, sem qualquer acompanhamento. No que o mineirinho não conseguiu se segurar e perguntou para um funcionário da casa: “Isso tudo? Mas o que é que o bichinho faz?”.

 

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