quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Bruno Boghossian - Um ministro em duplo conflito

Folha de S. Paulo

Ministro protege patrimônio no exterior enquanto pede sacrifícios no Brasil

Ainda no primeiro ano de governo, Paulo Guedes avisou que o país deveria se acostumar com um real desvalorizado. “O dólar está alto? Problema nenhum, zero”, declarou. Na ocasião, ele descrevia os efeitos de uma nova política econômica, com juros mais baixos. Agora, os brasileiros descobriram que o patrimônio do ministro cresce a cada vez que a cotação da moeda americana sobe.

Agentes públicos devem afastar situações que afetem interesses particulares porque precisam evitar que suas decisões no poder fiquem sob suspeita. Guedes pode acreditar que o dólar nas alturas favorece a dinâmica atual da economia brasileira, mas a titularidade de depósitos no exterior faz com que o ministro protagonize um conflito duplo.

O primeiro diz respeito à valorização e à blindagem da conta da offshore que ele abriu cinco anos antes de chegar o governo Bolsonaro. Desde 2019, a alta do dólar fez com que o patrimônio da empresa subisse R$ 14 milhões em moeda nacional.

Nesse tempo, o ministro defendeu abertamente o câmbio mais alto e trabalhou contra medidas que poderiam taxar depósitos de brasileiros no exterior. Mesmo que a equipe econômica tenha dezenas de argumentos para defender essas posições, Guedes mergulhou num conflito de interesses milionário.

O segundo problema tem relação com as escolhas políticas feitas pelo ministro. Guedes sempre advogou por uma redução de gastos do governo, elaborou propostas que limitam direitos e resistiu a adotar algumas medidas de proteção social, enquanto sua saúde financeira estava preservada de algumas das intempéries que afetam o restante da população brasileira.

Um cidadão não deve ser obrigado a fazer um voto de pobreza ao assumir uma função pública. Mas há um conflito moral quando esse ministro diz não enxergar "problema nenhum" no dólar alto que forma seu patrimônio, enquanto a escalada do câmbio afeta os preços dos combustíveis, da comida e de outros custos de quem já é muito pobre.

 

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