sexta-feira, 15 de outubro de 2021

César Felício - “Mensalão por dentro”

Valor Econômico

Governo não tem como contrariar o Congresso em questões de orçamento

A fraqueza do governo Bolsonaro no Congresso produz vítimas de forma aleatória. Uma das baixas recentes é a ciência brasileira. O ministro da área, Marcos Pontes, ainda tenta recompor o corte em créditos suplementares do Orçamento de cerca de R$ 600 milhões feito pelo Congresso, com o aval do governo. De forma atarantada, dizendo-se “muito chateado” e admitindo que de nada sabia e que de nada foi consultado, Pontes expôs a situação em audiência pública na terça-feira na Câmara.

A questão é a seguinte: a pasta da Ciência e Tecnologia já sofrera um corte cavalar no Orçamento antes. Em 2020 haviam sido R$ 11,8 bilhões. Em 2021, R$ 8,3 bilhões. O quadro piora agora porque os créditos suplementares cortados estavam dentro desta previsão orçamentária e foram retirados com a aprovação do PLN (Projeto de lei do Congresso Nacional) 16, relatado pelo deputado Juscelino Filho (DEM-MA). O montante foi redistribuído para outras pastas. Mas depois da queda o tombo: foi aprovado também um outro PLN, o 12, relatado pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso, que permite o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (FNDCT), da ordem de R$ 2,7 bilhões, equivalente a todo o valor que a pasta usa para despesas discricionárias.

Uma mobilização será feita hoje pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para tentar reverter esse quadro, que, segundo o presidente da entidade, Renato Janine Ribeiro, afeta os pedidos de insumo em geral para laboratórios e pesquisas de campo. Na prática, os cientistas ficam impedidos de pesquisar. Mas somente o presidente Jair Bolsonaro tem poder para enviar um novo PLN ao Congresso restabelecendo o Orçamento da área. E são poucos os estímulos do governo federal para fazê-lo.

Conforme exposto na audiência pública por diversos deputados, a motivação para o corte está na área política do governo. Teria sido preciso sangrar a ciência para garantir o previsto para as emendas parlamentares. As acusações feitas na audiência pública são graves:

“O que houve no PLN 16 foi uma rasteira do próprio governo. Mas de qual governo? o do Centrão ou o da área econômica?”, indagou o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), para concluir: “O governo Bolsonaro paga o mensalão por dentro, enquanto o PT pagava o mensalão por fora”. Quase o mesmo disse o deputado Ivan Valente (Psol-SP): “Esse dinheiro é para comprar voto de fidelidade do Centrão. É compra de votos, é disso que se trata”, afirmou.

Dilma

Manhã de ontem, na Rádio Grande FM de Dourados. Luiz Inácio Lula da Silva, em mais uma de suas entrevistas à mídia regional, recebeu do entrevistador a primeira bola quadrada: “Qual o legado dos governos Lula e Dilma”? Lula se esquivou: “Posso falar de minha gestão”, respondeu. Insatisfeito, o entrevistador insistiu no pedido para que ele avaliasse a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff. Aí Lula não tinha como escapar. Teve que responder com uma defesa candente, de sua sucessora, não sem antes ressalvar que é “muito difícil falar do governo de outra pessoa”. E que a política econômica de desoneração feita por Dilma em seu primeiro mandato foi “exagerada”.

O exemplo de ontem é uma pequena amostra do desafio que Lula terá que lidar durante sua campanha no próximo ano para tentar voltar ao cargo. Este desafio se chama Dilma Rousseff. A ex-presidente, afastada do cargo pelo impeachment em 2016 e derrotada ao disputar o Senado por Minas Gerais dois anos depois, é uma companhia potencialmente tóxica.

Dilma complica uma aproximação com políticos do Centrão, sobretudo os do MDB, que apoiaram seu afastamento há cinco anos; e com o meio empresarial, traumatizado com a política econômica intervencionista que a ex-presidente praticou durante a maior parte de seu mandato e que contribuiu para uma recessão da qual o país não se recuperou totalmente até agora.

Ao longo dos últimos cinco anos, o PT investiu energia em construir a narrativa de que o processo de impeachment de Dilma teria sido um golpe de Estado. Não foi, dado que o devido processo legal foi seguido, mas é fato que a jornada de 2016 envelheceu mal. Há um certo consenso hoje de que as alegações que embasaram o afastamento de Dilma foram frágeis. Ela caiu oficialmente por ter assinado decretos de crédito suplementares sem autorização legislativa. Parece pouco em comparação com as acusações feitas a seus sucessores, Michel Temer e Jair Bolsonaro.

As motivações do impeachment de Dilma também são vistas como nebulosas. Houve muita manifestação de rua, mas o processo não teria avançado se não interessasse a próceres do MDB que estavam pressionados pelas revelações da Operação Lava-Jato e precisavam, na célebre definição dada pelo então senador Romero Jucá em sua conversa com o ex-senador Sérgio Machado, “estancar a sangria”. Quem presidiu o impeachment foi o deputado Eduardo Cunha, com a corda no pescoço e o cadafalso se abrindo a seus pés, emparedado que foi pelas investigações relacionadas à Petrobras.

Esses dois fatores, contudo, não foram suficientes para reabilitar a imagem de Dilma. A ex-presidente move-se hoje em um espaço público muito limitado. Só transita na militância petista mais radicalizada. Não há notícias de sua presença ser requisitada por atores fora desse nicho.

Por isso o presidenciável Ciro Gomes (PDT) conseguiu ganhar pontos ao arrastar Dilma para uma polêmica que só interessa ao pedetista.. Ele disse que o ex-presidente Lula na prática teria atuado para favorecer o impeachment de Dilma. A ex-presidente reagiu e por aí foram os dois batendo boca nas redes sociais. Ao intrigar Dilma com Lula, o pedetista sabia que haveria uma reação petista que, de alguma forma, iria realçar a existência do liame entre os dois.

Lula evitou este debate na quarta-feira, mas não teria como continuar a fazê-lo sendo questionado sobre o tema. E o assunto Dilma, por iniciativa dos adversários ou não, deve voltar muitas e muitas vezes. Se Dilma foi herdeira de Lula no passado, hoje é a sua herança.

 

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