quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Cristiano Romero - A gênese da polarização política

Valor Econômico

Polarização nasceu do mensalão e acirrou-se na gestão Dilma

O fracasso do governo da presidente Dilma Rousseff (2011-maio de 2016), responsável por jogar a economia numa das mais longas e profundas recessões de nossa história, diminuiu em amplos setores da sociedade brasileira a resistência à adoção improvável e inédita de uma agenda liberal no país. A forte e improvisada intervenção de Dilma na atividade provocou o colapso da confiança tanto dos consumidores quanto dos empresários na economia. Para tentar reanimá-la, o governo da presidente partiu para uma forma de populismo fiscal que não se via por aqui desde o início do Plano Real.

O resultado daquela experiência foi a destruição da razoável situação fiscal deixada pelas duas gestões anteriores, a volta dos déficits primários nas contas públicas (conceito que exclui do cálculo apenas os gastos com juros), o crescimento explosivo da dívida do Tesouro Nacional e das taxas de juros administradas pelo Banco Central (BC), o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e, o pior dos males - porque "as consequências vêm depois", como costumava dizer o político pernambucano Marco Maciel, citando o Barão de Itararé -, o aumento sem precedentes da taxa de desemprego.

Nos 16 anos anteriores à ascensão de Dilma Rousseff à Presidência da República, durante os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), o país viveu sob a égide de um consenso tanto na política quanto na economia. Na política, ambos reconheceram rapidamente que seria impossível governar este imenso país apenas com o apoio de seu próprio partido, mesmo somando os votos de aliados tradicionais. Isoladamente, suas legendas não contavam nem 20% dos votos da Câmara dos Deputados.

Na economia, a ênfase de FHC e Lula foi, antes de mais nada, em assegurar a estabilidade de preços. Além disso, nos oito anos de cada um dos presidentes os objetivos centrais foram: reduzir (ainda que sem radicalismo) o tamanho do Estado na economia, melhorar gradativamente a situação fiscal (reduzindo o desequilíbrio das contas), realizar algumas reformas institucionais (a da Previdência foi promovida pelos dois presidentes), respeitar os contratos, cultivar boas relações com credores e investidores internacionais e projetar o Brasil no exterior como um ator relevante.

Na política, o pragmatismo imperou. FHC e Lula fizeram alianças à esquerda e à direita, inclusive, com ex-adversários do campo distinto ao deles. O PSDB do tucano aliou-se preferencialmente ao antigo PFL (rebatizado depois para DEM e, desde ontem, se o TSE aprovar a fusão com o PSL, União Brasil) de Marco Maciel (PE), Antônio Carlos Magalhães (BA) e Jorge Bornhausen (SC). Mas, o arco de alianças foi muito além disso.

O maior aliado do PT, o mais forte no Congresso, foi o PMDB de Michel Temer (SP), Renan Calheiros (AL), Moreira Franco (RJ), Sérgio Cabral (RJ) e Eunício de Oliveira (CE). No entanto, além do PMDB e das siglas de esquerda que sempre estiveram com Lula (PSB e PC do B, por exemplo), os petistas abrigaram em seus governos o PTB de Roberto Jefferson (RJ) e o PP de Paulo Maluf (SP).

“Que atire a primeira pedra quem nunca pecou.” Esta passagem dá Bíblia se aplica à perfeição quando petistas e tucanos acusam uns aos outros quanto ao caráter de suas alianças à direita. Dizer que FHC e Lula formaram coalizões ou que governaram sob o escopo do chamado "presidencialismo de coalizão" é discutível.

Num artigo publicado na "Revista Brasileira de Ciência Política", três cientistas políticos da Universidade de Brasília (UnB) _ Lucas Couto, Andéliton Soares e Bernardo Livramento _ discutem o tema, com o objetivo de conceituar teoricamente o "presidencialismo de coalizão".

Em tese, diz-se que há coalizão quando partidos se juntam em torno de um programa comum e, defendendo-o como seu receituário, são eleitos para governar o país. Geralmente, coalizões são formadas em países com regime parlamentarista. No exercício do mandato, o primeiro-ministro _ o líder do partido que elege o maior número de parlamentares _ governa de acordo com o programa resultante da coalizão de forças formada para comandar aquela nação. Coalizões são muito comuns em momentos de crise política ou econômica aguda, que ameaçam a manutenção da própria democracia.

Mencionando autores como Sérgio Abranches (pioneiro no estudo desse tema) Octávio Amorim Neto, Couto, Soares e Livramento mencionam duas definições de coalizão antes de ampliar a discussão dessa matéria em seu artigo:

1. "Considera-se que há a formação de uma nova coalizão quando um presidente inaugura o seu mandato adotando um pacto interpartidário de distribuição de ministérios em troca de apoio legislativo;

2. E quando ocorre alguma mudança partidária na composição do gabinete ao decorrer do termo presidencial. Desse modo, o quadro cobre desde governos que só tiveram uma coalizão durante todo seu mandato, como o caso das coalizões uruguaias, até os casos brasileiros, em que o governo Lula II chegou a formar seis coalizões diferentes em um único mandato.

Sem ironia, o titular desta coluna vê nas coalizões nacionais a formação, na verdade, de frentes anti-impeachment. Lula passou por seis coalizões porque, no mensalão, percebeu que, mesmo fazendo um governo, no primeiro mandato, que representava continuidade do segundo termo de FHC, ainda que com ênfases distintas, as elites financeiras e empresariais desejaram apeá-lo do poder.

Naquele momento (meados de 2005), o petista trouxe os sindicalistas para postos-chave da administração e começou a flexibilizar a ortodoxia econômica seguida até aquele momento. Reprimiu qualquer possibilidade de privatização _ havia planos prontos para desestatizar o IRB e a gestão de aeroportos, por exemplo _ e de continuidade do processo de reformas. Ao acenar para a esquerda, não o fez apenas simbolicamente porque, na política real, isso não existe. Não se tenha dúvida que foi naquele momento que a semente da polarização política que impera no país foi plantada.

Dilma rompeu com os dois consensos firmados por FHC e Lula. Na política, brigou com aliados de seu partido e de seu maior apoiador - o PMDB. Na economia, implodiu o arcabouço macroeconômico herdado. Assim, contribuiu para acirrar a polarização e abrir caminho para a vitória do impensável Jair Bolsonaro.

 

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