sábado, 30 de outubro de 2021

Dora Kramer - Volta do cipó

Revista Veja

Doria conta com vitória sabendo que dirigentes do PSDB trabalham contra ele nas prévias

O governador João Doria faz jus ao seu estilo e se vale do perfil confiante para considerar como mera impressão o cenário em que o adversário Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, representaria grave ameaça aos seus planos de vencer as prévias marcadas para o próximo dia 21 de novembro e, assim, concorrer à Presidência da República pelo PSDB.

Os adeptos da postulação do paulista atribuem o crescimento (aparente, segundo eles) do gaúcho a duas razões: o trabalho contra João Doria feito pelos dirigentes — incluídos aí vários integrantes do tucanato tradicional, de “raiz” — e o esforço de Eduardo Leite na conquista de visibilidade para se firmar como figura de relevância nacional.

Na visão dos defensores de Doria, esses fatores asseguram posição de destaque para Leite no noticiário político, mas não alteram a preferência interna pelo candidato deles, que hoje contabiliza uma dianteira de 64% a 34% em relação ao principal oponente. O terceiro concorrente, o ex-­prefeito de Manaus e ex-senador Arthur Virgílio Neto (simpático a Doria), nessa conta estaria com cerca de 2% dos votos.

Mesmo que esses números correspondam à realidade, ainda assim surpreende que um terço do partido se mostre disposto a escolher a candidatura de um novato em detrimento de alguém, como o governador de São Paulo, que é conhecido, tem uma gestão bem avaliada e, sobretudo, atuou em favor da vacinação, obrigando o governo federal a sair do negacionismo e abraçar a causa da imunização.

No Palácio dos Bandeirantes a avaliação inicial era a de que tais ativos seriam suficientes — e, mais, determinantes — para atrair apoios e conquistar uma vitória fácil. Os obstáculos, no entanto, surgiram e foram maiores que os previstos com a entrada em campo da “oposição”.

Para citar apenas os mais vistosos personagens dessa ofensiva, temos o deputado Aécio Neves (desgastado externamente, controla o partido em Minas Gerais e exerce forte influência na direção nacional), o senador Tasso Jereissati e o ex-governador Geraldo Alckmin, que atrasa sua saída do PSDB para poder trabalhar contra Doria nas prévias, ajudando Eduardo Leite a abrir flancos em São Paulo.

Diante disso, o grupo do governador paulista reage com certa frieza. Alega que os dirigentes não terão a mesma influência de antigamente, quando as candidaturas tucanas eram decididas em jantares de cúpula. Valerá, segundo esse pessoal, o esforço de convencimento dos votantes: vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores, dirigentes locais e filiados.

João Doria adotou como estratégia não atacar o adversário. Isso em público, porque nos bastidores a conversa não é amena. “Quem tem a certeza da vitória não pode desqualificar o oponente, pois vai precisar dele depois. A opção pelo ataque é atitude de perdedor”, diz um dos ativos formuladores da campanha do paulista já alfinetando Eduardo Leite, que tem sido duro e direto nas críticas a Doria.

Nas internas, o colégio eleitoral tucano tem ouvido que não vale a pena votar no gaúcho agora porque, além de excessivamente jovem (36 anos), ele não teria a intenção real de se candidatar à Presidência, estando mesmo propenso a fazer o jogo de dois de seus apoiadores, Tasso Jereissati e Aécio Neves.

Por essa versão, o senador cearense estaria mais interessado em fazer de Eduardo Leite candidato a vice na chapa de Ciro Gomes e o deputado mineiro empenhado em deixar o PSDB de fora da disputa presidencial, a fim de empregar o dinheiro do Fundo Eleitoral nas campanhas de candidatos à Câmara.

Como “prova”, o grupo de Doria aponta aos eleitores internos as frequentes declarações do governador do Rio Grande do Sul sobre a possibilidade de desistência para facilitar a composição de alianças com outras forças do centro. Ocorre, porém, que a certeza de que o paulista não abriria esse espaço de negociação é um dos fatores favoráveis a Leite no ambiente fora do PSDB, onde começará o jogo para valer logo após as prévias.

A turma do Bandeirantes sabe das dificuldades, não nega a existência de rejeição a João Doria no mundo político e no universo do eleitorado, mas acha que supera isso quando os êxitos da gestão forem postos na vitrine, os ganhos da vacinação puderem ser mais bem explorados e a bandeira de “reconstrução do país para a retomada dos empregos” for levantada como ideia força da campanha à Presidência.

Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2021, edição nº 2762

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