terça-feira, 26 de outubro de 2021

Fabio Graner - Entre o pânico e a melhora nos dados fiscais

Valor Econômico

Brasil está na idade da pedra lascada no debate sobre tributação, diz o professor Eduardo Fagnani, um dos organizadores de um fórum internacional sobre o tema

O drible no teto de gastos para levar o Auxílio Brasil para R$ 400 empurrará a despesa total da União de 17,5% para 18,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O cálculo feito pelo economista e especialista em política fiscal Manoel Pires a pedido do Valor mostra que, mesmo com gastos novos, o país caminha para o nível mais baixo de despesas em relação ao PIB desde 2014.

Além disso, ela ficará bem inferior ao que havia antes da pandemia e no fim do governo Temer, e, descontada a inflação, deve ter queda ante 2021.

As estimativas estão em linha com o que foi mencionado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que, em meio pânico no mercado, tentou destacar que vai entregar as despesas abaixo do que recebeu, fato incomum na história recente do país.

Com base nesses dados é natural que se questione se o mercado não estaria exagerando em sua reação aos eventos da semana passada, como indicam Guedes e assessores próximos a ele. Ainda mais porque o movimento agora, quando se burlou o teto para melhorar a situação dos menos favorecidos (ainda que com intenções e soluções eleitoreiras), foi muito mais violento do que quando se enviou a controversa PEC dos Precatórios ao Congresso.

Julgar o mercado é tarefa complicada, dado que nele há uma profusão de visões e interesses. Mais importante é tentar entender como se chegou no choque da semana passada. Se a equipe de Guedes tem razão ao criticar o núcleo político do governo, que, mirando a eleição, o “sitiou” para fazer valer um Auxílio Brasil maior que R$ 300, a área econômica também ajudou a construir o problema.

A combinação de soluções temporárias (como a calamidade pública até dezembro de 2020 e a retomada do auxílio de abril a outubro, sem estratégia de saída, como se o coronavírus obedecesse os desígnios fiscais) com a aposta em projetos polêmicos (PEC dos Precatórios e reforma do IR) formou o substrato que levou à crise instalada semana passada.

Sem avançar com o IR no Senado e pressionados pelo tempo, Guedes e equipe foram emparedados e tiveram de aceitar não só um valor maior para o sucessor do Bolsa Família, mas também ajuda a caminhoneiros e mais verbas para parlamentares.

Na falta daquilo que consideravam uma boa solução, ficaram com uma péssima: uma pirueta contábil (a oportunista mudança de prazo do indexador que corrige o teto), que machucou a âncora fiscal e mostrou que o chefe da Economia está politicamente fragilizado, o que é perigoso.

Esse quadro ajuda a entender o porquê de, apesar desse aumento de gastos não ser nenhuma tragédia fiscal em si, os ativos financeiros terem piorado tanto, ainda que possa estar, como enxerga a Economia e alguns analistas, havendo exageros.

Manoel Pires destaca que as soluções encontradas foram ruins porque criam incerteza fiscal para o futuro, ainda que, em sua visão, fosse necessário um valor maior para o programa social, pelo agravamento da pobreza no país.

“O Auxílio Brasil tem uma questão eleitoreira, que é a ampliação temporária do valor, até o fim de 2022. E tem uma bola de neve na discussão dos precatórios, que vai ser inevitável se trabalhar no futuro. As soluções deles são temporárias e ensejam riscos econômicos e sociais para frente”, disse, apontando que a situação enseja mais perguntas do que respostas, dificultando a mensuração desses riscos. Nesse contexto, diz, o governo não consegue atrair a atenção dos investidores para a melhora dos dados fiscais.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o problema é a quebra de um regime, independentemente dos números. “Isso passa a ideia de que o fiscal não consegue ser disciplinado por regras no Brasil e isso que é grave. Dizer que a despesa vai cair pela inflação não é uma mudança estrutural, mas uma gambiarra ruim.”

Segundo ele, o mais grave é o que chama de “displicência com regras fiscais de um ministro que se esperava total dedicação ao equilíbrio fiscal”. Vale diz que havia tempo para encontrar uma solução dentro do Orçamento. A consequência disso, aponta, será crescimento baixo por anos.

Samuel Kinoshita, economista e ex-assessor especial de Guedes, avalia que o teto de gastos foi “trincado” e isso gera custos, pela perda de uma bússola relevante de solvência fiscal. Ele aponta que ainda é possível conter os danos e diminuir o estresse se o governo for efetivo em mostrar que até o fim do ano que vem não haverá novas medidas que desgastem esse mecanismo, uma engenharia de ancoragem fiscal que ajuda a sociedade a ter um horizonte mais claro de controle da dívida e solvência do Estado.

“Se conseguirem mostrar um compromisso peremptório com isso, os ativos podem ganhar perspectiva melhor de médio e longo prazo”, afirmou.

Ele ressalta a importância do teto, mas aponta que ele não deveria ser tratado com devoção religiosa. Para 2023, diz, há um “encontro marcado” do governo, seja ele qual for, com um redesenho do arcabouço fiscal, que tem muitas regras. O ideal, pondera, seria rever esse conjunto, melhorando o processo de gestão fiscal e a coordenação das expectativas, em um modelo crível e gerador de perspectiva benigna para a relação dívida/PIB.

Mesmo com dados fiscais não desprezíveis, a reação violenta do mercado deveria servir de lição. Não para que este e os futuros governos se submetam ao pensamento dominante de investidores, mas para que aprendam a escutar até adversários, buscando soluções que atendam curto e longo prazos, sem atalhos.

Pedra lascada

“O Brasil está na idade da pedra lascada no debate sobre tributação. Aqui não prosperam, sequer, ideias de justiça fiscal que estão sendo propostas por organismos que fazem parte do establishment das finanças globais (como FMI, OCDE e ONU) ou por governos liberais dos países centrais.” A conclusão é do professor Eduardo Fagnani, um dos organizadores do Fórum Internacional de Tributação (FIT 21). Para ele, no Brasil há décadas é debatido como “simplificar” a tributação do consumo, enquanto se esquece que “somos um dos países mais desiguais do mundo e a nossa tributação é uma das mais regressivas na comparação internacional”.

Esse colunista participou de um dos painéis no qual os palestrantes mostraram que no mundo e na região, o Brasil está atrasado nesse tema. E, dada a reação à reforma do IR, assim deve seguir por mais tempo.

 

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