quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Fernando Exman - Véspera de aniversário do Bolsa Família

Valor Econômico

Aliados cobram há meses solução para a área social

No fim do ano passado, um aliado do presidente Jair Bolsonaro, daqueles poucos que não têm medo de dizer o que pensa a um homem poderoso de temperamento imprevisível, alertou-o sobre a urgência de o governo olhar para os milhões de brasileiros que passam fome. A discussão sobre a necessidade de uma prorrogação do auxílio emergencial já estava à mesa, mas o apelo ia além. Era imperativo, argumentava o parlamentar do Centrão, que o governo acelerasse as discussões do programa social que substituiria o Bolsa Família. Mesmo que a equipe econômica fosse contra a ampliação do valor do benefício.

A tese, agora aplicada na prática, era que o mercado precisava compreender que não ganharia todas. A questão era política e por políticos seria tratada.

O aliado estava impressionado com o número de pessoas pedindo dinheiro nas ruas. Não só no Nordeste, para onde continuava a ir aos finais de semana visitar sua base eleitoral e o Bolsa Família virara um valioso ativo eleitoral do PT. Ele também mantinha reuniões frequentes em São Paulo. Em Brasília, vez ou outra precisava fazer compras. “Não tem um supermercado que você entre e não seja abordado por alguém pedindo ajuda.”

Era preciso, portanto, movimentar a máquina federal para cativar essa parcela da população. Em outras palavras, agir com mais celeridade tanto na definição de um novo valor para o principal programa social do país como acelerar as discussões voltadas à sua reformatação. Àquela altura, a marca “Bolsa Família” já tinha 17 anos, mas em tese ainda havia tempo para ela ser apagada da memória do brasileiro.

Além disso, cresciam os rumores de que o Supremo Tribunal Federal (STF) poderia tornar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva novamente elegível, o que de fato começou a ganhar forma em março, com a decisão do ministro Edison Fachin de anular todas as decisões da 13a Vara Federal de Curitiba nas ações penais abertas contra o petista no âmbito da Operação Lava-Jato. No mês seguinte, o plenário da Corte confirmou a decisão e recolocou no jogo aquele que voltaria a circular pelo país discursando sobre a sua experiência na implementação de uma política pública considerada referência mundial no combate à miséria.

Deve-se ponderar que Lula também teve dificuldades no início de sua gestão para tirar do papel o Fome Zero, promessa de campanha frustrada que, após uma reorganização dos programas sociais criados por gestões passadas, acabou gerando o Bolsa Família. Em paralelo, o Cadastro Único se consolidou como o principal repositório de dados sobre os brasileiros de baixa renda.

Segundo registros oficiais, o número de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família aumentou substancialmente de 2003 a 2006, quando alcançou 11 milhões de lares. Em 2009, a meta do programa foi fixada em cerca de 13 milhões de famílias, a qual passou para 13,8 milhões de beneficiários dois anos depois.

Quando o programa completou 15 anos, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) chegou a divulgar um balanço sobre seus efeitos e concluiu que o Bolsa Família proporcionou a redução de cerca de 15% no número de pobres e de mais de 25% no número de extremamente pobres no período. A publicação ocorreu em agosto de 2019, já durante a gestão Bolsonaro: “Os resultados também sugerem que o que impede o PBF (Programa Bolsa Família) de ser mais eficaz no combate à pobreza e à desigualdade é o valor modesto dos benefícios”, registraram os autores do estudo no sumário executivo.

Em 2013, chegou-se ao ponto de a administração Dilma Rousseff precisar intensificar a mobilização de diversos ministérios e órgãos federais, além de prefeituras e governos estaduais, para localizar as famílias em situação de miséria que não eram beneficiadas pelos programas sociais nem integravam o Cadastro Único. O esforço foi batizado de “busca ativa”, o qual foi interrompido junto com o mandato da ex-presidente. Na prática, o Estado mirava o grupo que, anos depois, passou a ser conhecido como “os invisíveis” localizados durante o enfrentamento da pandemia pelo atual governo.

Isso só foi possível devido à implementação do auxílio emergencial, o qual veio com valores superiores ao Bolsa Família e ampliou a popularidade de Bolsonaro para patamares artificialmente elevados.

Enquanto aliados insistiam em sucessivas prorrogações do benefício, as áreas técnicas do governo seguiam tentando desenhar um novo programa social que coubesse no teto de gastos, implementasse parcerias com a iniciativa privada para dar “portas de saída” aos atendidos e valorizasse o desempenho escolar das crianças no cálculo dos recursos que seriam transferidos para as famílias contempladas. Enfim, a tal marca para um governo formado por pessoas que sempre criticaram o Bolsa Família.

O tempo passou e Bolsonaro, embora tenha editado em agosto uma medida provisória criando um novo programa no lugar do Bolsa Família, não apresentou uma solução concreta capaz de colocá-lo de pé sem atingir de forma fatal a estrutura do teto de gastos. Uma situação que integrantes da base aliada sabiam que teriam de enfrentar, uma hora ou outra, diante das dificuldades de aprovar no Congresso as propostas que dariam lastro fiscal ao projeto, como a PEC dos Precatórios e a reforma do Imposto de Renda.

Para piorar a situação do Executivo, a oposição demonstra a intenção de elevar o valor do novo programa de R$ 400 para R$ 600, numa possível reedição da batalha ocorrida entre Planalto e Congresso durante a definição do valor inicial do auxílio emergencial. Se isso ocorrer, Bolsonaro pode ter que assumir o ônus político de vetar essa iniciativa e, com isso, continuar tentando achar uma solução para o problema que criou quando revogou a medida provisória que instituiu o Bolsa Família em 2003. Esta MP, aliás, hoje completaria 18 anos de idade. Talvez por isso o governo tenha corrido tanto para fazer algum anúncio na área social nesta terça-feira.

 

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