quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Hélio Schwartsman - Direita rouba da esquerda o termo libertário

Folha de S. Paulo

A esquerda vem se afastando da ideia de liberdade porque esta é incompatível com a de igualdade

Assim como o bolsonarismo sequestrou as cores da bandeira do Brasil, a direita está sequestrando a ideia de liberdade, notadamente o adjetivo “libertário”. O confisco começou nos EUA, depois que Ron Paul e seus seguidores ganharam projeção e ocuparam uma posição de certa visibilidade no Partido Republicano nos primeiros anos deste século. Mais recentemente, tivemos o sucesso eleitoral dos libertários argentinos, liderados por Javier Milei. Mas, se Paul ainda se distingue um pouco das alas mais extremistas da direita americana, é difícil dizer o mesmo de Milei e seu grupo, que são contra o aborto, as “axilas peludas” das feministas, atraem a simpatia de neonazistas e ainda se congraçam com os Bolsonaros.

Obviamente, ninguém pode pleitear direitos de exclusividade sobre palavras, mas, se examinarmos a genealogia dos movimentos libertários, observaremos que eles surgiram à esquerda, com os anarquistas (William Godwin) no fim do século 18 e se multiplicaram numa plêiade de correntes que inclui mutualismo, coletivismo, anarco-sindicalismo, vários socialismos, a New Left, o geolibertarianismo, entre outros. Noam Chomsky se descreve como libertário de esquerda. É só a partir de meados do século 20 que aparecem os libertários de direita, que defendem um capitalismo do tipo “laissez-faire” com pouco ou nenhum Estado.

A esquerda vem paulatinamente se afastando da ideia de liberdade porque esta é incompatível com a de igualdade, outro conceito que lhe é caro. Se a sociedade é livre, algumas pessoas, por esforço ou sorte, acumularão mais bens e os transmitirão a quem desejarem, tipicamente os filhos. Mas, neste caso, a sociedade deixa de ser igualitária, pois não só alguns terão mais do que outros como também herdarão riquezas pelas quais não trabalharam. O paradoxo não tem solução. Cada sociedade precisa definir o “blend” de liberdade e igualdade com o qual vai operar.

 

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