quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Míriam Leitão - Crise na economia e acusação na CPI

O Globo

O procurador-geral da República, Augusto Aras, começou a conversa num estilo “Rolando Lero”, na definição de um senador. O presidente da CPI, senador Omar Aziz, encurtou a conversa e disse: “procurador, o deputado Ricardo Barros está dizendo por aí que o senhor vai arquivar esse relatório em 30 dias. A gente espera que isso não seja premonição.” O dia começou nessa cena “constrangendo Aras”, continuou com a Câmara às voltas com a PEC que fura o teto de gastos e terminou com uma grande alta da taxa de juros. A Selic foi para 7,75%, com aumento de 1,5%.

O grupo dos parlamentares que liderou a mais competente CPI dos últimos tempos decidiu que vai entregar a cada autoridade responsável a cópia do documento. Começou, claro, por Aras. Os senadores e as senadoras trabalharam para não ligar o forno de pizza. Por isso, a CPI produziu durante os seus trabalhos inúmeros efeitos que ajudaram a salvar vidas. É difícil imaginar o que teria sido do Brasil sem a CPI e sem o STF reforçar a autoridade de os governadores adotarem medidas protetivas. Mesmo assim há um duro caminho à frente, segundo fontes do Ministério Público.

— O mais promissor está nos crimes contra a saúde. Crime de agravamento de epidemia com resultado de morte pode ser o mais forte, mas é preciso mostrar o nexo causal. Não adianta ser óbvio, o MP tem que provar. Precisamos de provas e não de convicções —disse um procurador, lembrando uma frase que ficou famosa na Lava-Jato.

Um dos fatos que parece fácil provar é prevaricação na compra de vacinas, explicou o procurador. Mas, nesse caso, a prescrição ocorre rapidamente. E qual será a estratégia de Aras? Segundo fontes do MP, a tendência de Aras é ganhar tempo para nada decidir:

— Ganhar tempo é vital para ele na disputa da cadeira do STF.

Outro procurador avaliou que há provas de todos os crimes, ainda que seja incerto o caminho na PGR:

— Poder ele pode (arquivar o relatório) porque é titular exclusivo da ação penal contra o presidente da República. Por outro lado, eu li o relatório e acho que as provas são abundantes.

Os senadores da CPI dizem que vão marcar em cima, e no Supremo já há sinais de irritação com o método do PGR de não decidir.

A economia do governo Bolsonaro atravessou ontem um marco. Passou a ter uma taxa de juros mais alta do que a que recebeu. Quando o governo começou, a taxa estava em 6,5% e com o terreno preparado para continuar caindo. Ontem foi para 7,75%. E já prometeu mais 1,5 ponto na próxima reunião, isso significa que terminará o ano em 9,25%.

Era necessário o Banco Central apertar o passo. A inflação passou de 10% no acumulado de 12 meses, pelo IPCA, diante de uma meta que é 3,75%. Nesse contexto, o governo promove uma mudança constitucional casuística para ampliar gastos. E, como já disse aqui, nunca foi pelos pobres. A pobreza está sendo usada como biombo. O governo quer ter espaço para gastos eleitoreiros e para compra de apoio no Congresso que o blinde de um processo de impeachment.

A PEC dos precatórios é um completo absurdo. Mesmo assim recebeu elogios do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que prometeu levá-la diretamente ao plenário quando estiver aprovada na Câmara.

Técnicos do Câmara dizem que o espaço a ser aberto com a manobra da mudança do teto de gastos e o adiamento do pagamento dos precatórios pode ser maior do que os R$ 83 bilhões. Isso porque o governo vai ter vantagem com a inflação. Quanto mais ela subir, maior será o valor no teto de gastos com a transferência da data de reajuste. Em vez de 12 meses até junho, será de 12 meses de janeiro a dezembro. A inflação está acelerando e isso ampliará o teto. Claro que os benefícios também serão corrigidos por esse valor, mas o correto, se o objetivo fosse a sincronização, era passar também as despesas para serem corrigidas com o índice de julho a junho.

O governo está fazendo uma sucessão de pedaladas nesta PEC. O crime fiscal usado como acusação contra a ex-presidente Dilma agora é incluído na Constituição. A economia, contudo, reage com elevação da inflação, que provoca a alta de juros. Nesse cenário, o país caminha para a recessão no ano que vem. Com estouro de teto, inflação, juros altos, recessão, chegaremos ao último ano de mandato de um presidente acusado pela CPI de ter cometido nove crimes.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário