terça-feira, 5 de outubro de 2021

Míriam Leitão - Tremores externos e dúvidas internas

O Globo

O mercado ontem teve mais um dia de quedas de bolsa, temores de crises de energia na Europa, problemas nas empresas chinesas e dúvidas sobre as contas públicas brasileiros. O dólar subiu, o Ibovespa caiu, e o risco-país atingiu no ano uma alta de 41%. Foi dia de queda da Nasdaq, da bolsa de Nova York também. A Opep anunciou que não vai aumentar a produção, e na China outra empresa imobiliária não conseguiu pagar suas dívidas. Nesse ambiente, as informações sobre empresas offshore do ministro da Economia e do presidente do Banco Central pioraram o humor.

A pessoa pública precisa dar todas as explicações possíveis diante da dúvida sobre cada um dos seus atos e, no caso, seus investimentos. É o ônus espinhoso da função pública. Se o dinheiro tiver origem definida, for declarado à Receita e ao Banco Central, não é crime ter uma empresa em paraíso fiscal, como têm o ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Isso é consenso entre economistas, tributaristas e advogados que ouvimos. Não há ilegalidade. Mas no Brasil nunca foi bem visto ter conta, e muito menos empresa, no exterior e em paraísos fiscais. Foi assim que muito dinheiro desviado foi escondido, por isso seria necessário ter tido mais transparência desde o começo.

O ministro Paulo Guedes abriu a empresa em 2014. O cenário naquela época era de uma recessão e aumento da inflação, o que realmente aconteceu nos anos seguintes. Então, ele deve ter remetido recursos para se proteger das incertezas da economia brasileira. Em 2016 foi aberto prazo para repatriação, mas ele não fez isso. Quando assumiu o cargo e passou a tomar decisões que afetavam a economia, como a de aumentar o IOF, propor um imposto sobre dividendos, a situação ficou um pouco pior. Guedes criticou desde a campanha os que, na visão dele, pagam menos tributos do que deveriam, como os profissionais liberais que se transformam em pessoas jurídicas ou os declarantes pelo lucro presumido. Ele tentou elevar até imposto sobre livros, argumentando que só privilegiados compravam livro. Por isso, ele estar num paraíso fiscal jamais será bem visto. Pelo cargo que ocupa, pelo que disse, pelo que fez. O PGR Augusto Aras abriu investigação, mas pode ser mais uma encenação dele.

O tributarista Gustavo Brigagão diz que se a origem do dinheiro é comprovada, se for declarado à Receita e ao Banco Central não há qualquer problema. Mas lembra do artigo 5º do Código de Conduta do setor público que veda “investimento em bens cujo valor e cotação pode ser afetado por sua decisão”. Bom, nisso o câmbio sempre será afetado por declarações ou atos do ministro da Economia e do presidente do Banco Central.

O economista Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos, acha que independentemente de eles terem seguido todas as obrigações legais vai haver desgaste de imagem de Paulo Guedes e também de Roberto Campos Neto:

— Para grande parte dos brasileiros offshore é palavrão e soa como coisa ilícita. Já para duas pessoas que foram executivos do mercado financeiro isso é normal, é diversificação de ativos. Mas, como a pauta de Paulo Guedes é a de aumentar a arrecadação cobrando de quem tem mais, é um mau exemplo.

O fato é que quando alguém tem uma conta nos Estados Unidos paga muito imposto, principalmente o de herança. Sendo em paraíso fiscal nada paga. Há vários pontos nebulosos que poderiam ser corrigidos com uma medida simples, como entregar para um administrador os bens.

Guedes sempre será apontado como o ministro que quer criar um imposto sobre dividendos, mas colocou uma parte do seu dinheiro em paraíso fiscal. É isso que será discutido agora no Senado quando o projeto for à votação. E o Ministério da Economia precisa desse projeto aprovado para criar o Auxílio Brasil em substituição ao Bolsa Família. O temor que alguns economistas do governo têm é que diante da dificuldade de aprovar uma nova fonte de receita, a reforma do IR, o governo vá pelo caminho mais fácil: o da renovação sucessiva do auxílio emergencial. Desta forma a despesa não fica submetido ao teto de gastos e, além disso, libera verba orçamentária para outras despesas.

Ontem foi mais um dia de tensão nos mercados mundiais e no Brasil. O ambiente externo não está favorável a um país que vive tantas instabilidades no seu cotidiano.

 

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