quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Estamos vencendo

Folha de S. Paulo

Vacinação se dissemina no Brasil como em poucos países e permite retorno vigilante à normalidade

É uma lástima que a incompetência e a ignorância do governo Jair Bolsonaro tenham retardado a vacinação contra a Covid-19, contribuindo para dezenas de milhares de mortes evitáveis no Brasil. A resistência da sociedade, entretanto, empurrou a campanha para a frente e produziu resultados que já podem ser considerados excelentes.

No estado de São Paulo, adiantado no processo, 87 de cada 100 adultos completaram seu ciclo de imunização. Os indicadores paulistas hoje são equiparáveis aos de nações desenvolvidas como França e Itália, e melhores que os da Alemanha, do Reino Unido e dos Estados Unidos.

A julgar pelos que tomaram ao menos uma dose —praticamente todos com 18 anos ou mais—, a cobertura em São Paulo chegará muito perto de abranger o conjunto das populações alvo em semanas.

Curvas parecidas se delineiam para o público de 12 a 17 anos, que começou a ser vacinado recentemente, e também no caso dos acima de 60 habilitados à dose de reforço. Em ritmo pouco inferior, as demais unidades da Federação convergem para resultados similares.

Em decorrência da imunização maciça, fruto do trabalho de estados e prefeituras e da elevada confiança dos brasileiros nas vacinas, a infecção pelo coronavírus entrou em declínio sustentado no país.

O número médio de mortes, embora ainda elevado, baixou de mais de 3.000 por dia, no início de abril, para menos de 350. As internações em UTIs paulistas caíram continuamente —1.700 hoje ante mais de 13.000 no pico—, regrediram a marcas do início da pandemia em 2020 e indicam manutenção da tendência de queda nos óbitos.

Esse conjunto de dados sugere que a sociedade brasileira, por suas próprias forças e a despeito da desídia do governo federal, está vencendo a epidemia de coronavírus. A confiança para a retomada de hábitos da vida normal, fundamental para o bem-estar individual e coletivo, pode agora alimentar-se de fatos e conquistas concretas.

Quando faltavam vacinas, o distanciamento não foi uma resposta ideológica, como apregoam os negacionistas do bolsonarismo, mas uma questão de obedecer às melhores recomendações da ciência para salvar vidas. Da mesma maneira, a volta à normalidade não deveria ser obstaculizada por considerações de natureza subjetiva.

Decerto há que reforçar as vigilâncias sanitárias por exemplo com a disseminação de testes rápidos, que se tornaram mais eficazes e baratos. Se houver sinais de repique da doença, que se avaliem as medidas cabíveis ao risco oferecido.

Mas é hora de olhar com mais segurança o futuro imediato, de retomar com as cautelas devidas as relações pessoais que dão mais sentido e frutos à vida humana.

Injustiça militar

Folha de S. Paulo

STF precisa concluir debate sobre limites dos tribunais fardados no regime democrático

Em boa hora o Supremo Tribunal Federal decidiu retomar o julgamento de duas ações que questionam os poderes da Justiça Militar no país, pendentes há vários anos.

No primeiro caso, discute-se sua competência para julgar civis em tempos de paz. O Código Penal militar, vigente desde o período autoritário, incluiu entre os crimes que poderiam ser julgados pelas cortes fardadas o desacato a militares, mesmo se cometido por civis.

Definido vagamente pela legislação, o delito tornou-se obsoleto com a redemocratização do país, por dar margem a tentativas de cerceamento da crítica legítima —incabíveis numa sociedade aberta.

No segundo caso, a questão é saber se crimes cometidos por militares em operações de garantia da lei e da ordem, como as ações na área de segurança pública, devem ser julgados pelas instituições castrenses ou pela Justiça comum.

Em 2010, uma lei assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva conferiu esta competência às cortes militares. Em 2017, Michel Temer a expandiu, transferindo para elas também os crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares nas operações.

A Procuradoria-Geral da República apresentou as duas ações ao STF nos idos de 2013. É injustificável a demora do tribunal em enfrentar essas questões e decidi-las.

A que trata do julgamento de civis em tempos de paz foi incluída na pauta do plenário nesta quarta (27), mas não houve tempo de discuti-la. Espera-se que os ministros voltem a ela nesta quinta (28).

O debate sobre as operações na segurança pública começou há dois anos e foi interrompido. Três magistrados se manifestaram a favor da Justiça Militar e um votou contra. A data em que o julgamento será reiniciado permanece indefinida.

O que está em jogo nos dois casos é mais do que as atribuições dos tribunais. Trata-se de definir a quais mecanismos de responsabilização os membros das Forças Armadas devem estar submetidos num regime democrático.

Passadas mais de três décadas desde o fim da ditadura, o Brasil tornou-se ponto fora da curva ao expandir, em vez de restringir, o alcance das cortes militares em tempos de paz, inclusive para punir civis.

O Congresso faria bem em rever o desenho e as competências desses tribunais. Na ausência de ação legislativa, caberá ao STF definir os limites à luz das garantias constitucionais que oferecem proteção a todos os cidadãos, fardados ou não.

A desfaçatez da PEC dos Precatórios

O Estado de S. Paulo

Com a PEC 23/21, o Congresso articula aumentar o Fundo Eleitoral para R$ 5 bilhões e incluir emendas de relator no valor de R$ 16 bilhões

O governo de Jair Bolsonaro tem tratado a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23/21, que limita o pagamento dos precatórios, como se fosse medida imprescindível para as finanças estatais e o funcionamento dos serviços públicos. A realidade é, no entanto, muito diferente. Enquanto o Executivo federal tenta vender a ideia de que seria imprescindível dar um calote nas dívidas reconhecidas pela Justiça – afinal, é disso que trata a PEC dos Precatórios –, o Congresso articula aumentar o Fundo

Eleitoral de R$ 2 bilhões para R$ 5 bilhões, além de incluir emendas de relator no valor de R$ 16 bilhões.

Eis a desfaçatez completa com o Direito e o interesse público. O governo de Jair Bolsonaro acionou um meio excepcionalíssimo (propõe mudar a Constituição) para que seja autorizado a não cumprir obrigações reconhecidas pela Justiça. Pretende, assim, institucionalizar da forma mais solene possível o calote. O descaramento, no entanto, não termina aí. A ideia negociada no Congresso é usar o dinheiro “poupado” pelo calote em campanhas eleitorais e emendas parlamentares.

Como se observa, a PEC dos Precatórios não é ruim apenas em razão dos meios utilizados, ao dar autorização para que o Estado não cumpra uma de suas obrigações mais básicas, que é pagar os credores. A medida é profundamente equivocada também em razão de seus fins. A depender das negociações em curso no Congresso, o dinheiro do calote servirá não somente para distribuir dinheiro aos famintos – que é o pretexto oficial do drible nos credores –, mas para saciar a voracidade eleitoreira de partidos e políticos fisiológicos.

Trata-se de apropriação abusiva por parte do Estado de recursos dos cidadãos e empresas. Deve-se recordar que o pagamento de precatórios não está na esfera de decisão do poder público. É uma obrigação reconhecida pela Justiça. Ou seja, um governo que se preocupa com fortalecer a segurança jurídica – isto é, um governo que não ignora que a existência de um ambiente de negócios com regras previsíveis é condição indispensável para o desenvolvimento social e econômico do País – não propõe, tampouco faz qualquer movimento para alterar o pagamento de precatórios.

Assim, com a PEC dos Precatórios, o presidente Jair Bolsonaro contraria, da forma mais incisiva possível, seu discurso de campanha, em que prometeu destravar a economia e dar um novo dinamismo aos negócios. É impossível estimular a economia com alteração das condições de pagamento de precatórios. No caso, não se pode sequer dizer que seria uma alteração das regras com o jogo em andamento. Trata-se de mudança das regras – e do resultado – com o jogo já finalizado. Perante um governo que ignora suas responsabilidades, é preciso recordar a realidade mais básica: todo precatório é resultado de decisão judicial transitada em julgado, sem possibilidade de recurso.

Nessa história absurda – a tentativa de criar na Constituição uma exceção para que o Estado não cumpra decisão judicial, aproveitando o dinheiro “poupado” com o calote para campanha eleitoral e emendas de relator –, há ainda outro grave defeito. Não é apenas que o Estado deveria cumprir suas obrigações judiciais, que recurso público não deveria ser destinado a partido político e que emenda de relator não deveria existir. O pagamento de precatórios representa o retorno de dinheiro que estava indevidamente nas mãos do Estado à sociedade – às pessoas físicas e jurídicas credoras daquelas obrigações.

Além da evidente questão relacionada à justiça – num Estado Democrático de Direito, o poder público não pode se apropriar à margem da lei de recursos dos cidadãos e das empresas –, esse movimento de retorno dos recursos financeiros à sociedade é de extrema relevância para a economia, para os investimentos, para a produtividade nacional. Não há nenhum sentido em literalmente queimar o dinheiro do credor privado – que poderia usá-lo, por exemplo, para empreender ou investir – com campanha eleitoral ou emenda de relator. A PEC dos Precatórios merece ser rejeitada. Além de injusta, vai-se configurando como caminho para uma utilização completamente irracional e contraproducente dos recursos nacionais.

A CPI da Covid cumpriu seu papel

O Estado de S. Paulo

Relatório final da comissão apresentou um retrato muito bem delineado do que foi a tenebrosa condução do País nestes tempos sofridos

Como era esperado, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid aprovou o relatório final do senador Renan Calheiros (MDBAL) por 7 votos a 4. Entre outras medidas, a CPI da Covid recomendou o indiciamento de 78 pessoas que, no entendimento da maioria dos membros da comissão do Senado, teriam cometido crimes que contribuíram decisivamente para transformar a emergência sanitária em uma tragédia sem precedentes na história do País – a começar pelo presidente Jair Bolsonaro. Ao final da última sessão da comissão, realizada no dia 26 passado, o Brasil havia ultrapassado a marca de 606 mil mortes em decorrência do coronavírus.

A aprovação do relatório de mais de 1.200 páginas é o epílogo de uma CPI cujo objetivo inicial era organizar as profusas evidências da inépcia de Bolsonaro e de outras autoridades para enfrentar a pandemia de covid-19. Ao final de seis meses de trabalho, a CPI cumpriu o seu papel ao demonstrar que, de fato, a irresponsabilidade de Bolsonaro ao lidar com a crise e seu patológico desdém pelas aflições de seus governados, por si sós, foram suficientemente graves por infligir à população um sofrimento muito além do que seria esperado no contexto de uma pandemia. Contudo, a comissão de inquérito foi além de suas pretensões originais e apurou fatos que, até sua instalação, eram desconhecidos do grande público.

Graças às investigações da CPI da Covid, por exemplo, tomou-se conhecimento das tramoias envolvendo servidores do Ministério da Saúde, agentes políticos e lobistas para aquisição das vacinas Astrazeneca/oxford e Covaxin por intermédio de empresas de fachada. É seguro afirmar que as negociatas – urdidas para enriquecer uns poucos sem qualquer garantia de que as vacinas, afinal, chegariam aos braços dos brasileiros – só não foram concretizadas pela ação incisiva da CPI da Covid.

A comissão de inquérito também lançou luz sobre a perigosa projeção que o chamado “gabinete paralelo” adquiriu no curso da pandemia. A pretexto de “assessorar” o presidente da República, o grupo formado por políticos, médicos e empresários sem cargo oficial no governo, como apurou a CPI, serviu apenas para passar um verniz de cientificismo fajuto nas mandingas que Bolsonaro receitou à população com o objetivo de falsear a gravidade da crise sanitária e estimular a volta ao trabalho e a retomada da atividade econômica. Agindo assim, o presidente sobrepôs seus interesses particulares à saúde e à vida dos brasileiros.

As consequências jurídicas da CPI da Covid dependem agora do tratamento que será dado ao relatório pela Procuradoria-geral da República e pelo Ministério Público dos Estados, para os casos que envolvem o indiciamento ou denúncia de pessoas sem foro especial por prerrogativa de função. Que houve crimes, não resta dúvida. Milhões de brasileiros os testemunharam. O País viu – e a CPI da Covid documentou – o atraso deliberado do governo federal para adotar medidas que poderiam ter salvado muitas vidas, como a aquisição das vacinas e o estímulo ao uso de máscara e ao distanciamento social. Entretanto, à CPI da Covid, como a qualquer outra, não cabe se ocupar dos desdobramentos jurídico-penais de seus achados. Naquilo que a concerne, ou seja, a investigação eminentemente política dos fatos que ensejaram sua instalação, a CPI da Covid foi muito bem-sucedida.

O relatório final da CPI da Covid é um monumento político erigido pelo diligente trabalho de seus membros. Em que pesem alguns tropeços dos senadores ao longo do caminho, como oitivas desnecessárias, arroubos de vaidade ou recomendações estapafúrdias, como o banimento de Bolsonaro das redes sociais, os parlamentares legaram ao Brasil um documento histórico. No futuro, a leitura das 1.288 páginas do relatório dará ao observador desapaixonado um retrato muito bem delineado do que foi a tenebrosa condução do País por Bolsonaro nestes tempos sofridos.

Agora está definitivamente registrado, com a força de um documento do Senado, que, durante um dos momentos mais dramáticos de sua história, o Brasil foi governado por um presidente não só incapaz, como nocivo. A despeito disso, o País começa a superar a pandemia – mas levará mais tempo para superar Bolsonaro.

COP26 segue longe de metas para evitar desastre climático

Valor Econômico

Governo brasileiro segue maquiando a realidade ambiental

A COP26 começa com maus presságios para o combate ao aquecimento global, da mesma forma que várias de suas antecessoras - o que precisa ser feito continua muito além do que os 193 países ligados ao Acordo de Paris estão dispostos a fazer. A melhor linha de resistência a um futuro no qual o clima será cada vez mais hostil ao homem é evitar que a temperatura suba 1,5o C - já se atingiu 1,1o. Para chegar lá seria preciso que as emissões globais de gases de efeito estufa fossem cortadas em 55% até 2030. No estágio seguinte, à beira do crítico, de 2o, a redução das emissões teria de ser de 30%. Com as novas metas nacionais apresentadas, porém, chega-se a um corte de apenas 7%.

“A menos de uma semana para a COP26 continuamos na rota do desastre climático mesmo com os mais recentes compromissos que foram feitos”, resumiu o secretário geral da Organização das Nações Unidas, Antonio Guterres. “A lacuna de emissões representa uma lacuna de liderança”.

O impulso para a ação global melhorou de forma significativa após a saída de cena do negacionista Donald Trump, que retirou os EUA - o segundo maior poluidor do mundo -, e sua substituição por Joe Biden. Biden tem compromissos firmes com a proteção do ambiente, embora governe com um Senado dividido pela metade e oposição cerrada dos republicanos. Ainda assim, os desafios continuam quase do mesmo tamanho.

Com a hostilidade de Trump, a China mostrou maior ambição para se contrapor à posição americana sobre ambiente. Mas Joe Biden manteve a pressão sobre Pequim e a tentativa dos dois países de caminharem na mesma direção em Glasgow pode ter ficado no campo das boas intenções diplomáticas. Agentes de emissões de 35% do total mundial, sem ações decisivas dos EUA e China o pesadelo climático se materializará. A disputa entre as duas potências, porém, pode retardá-las ou mesmo impedi-las.

Nos EUA, os planos bilionários de investimentos verdes encontram também a oposição de um par de democratas conservadores que provavelmente forçarão o governo a reduzir a abrangência do pacote. Índia, tão ou mais dependente do carvão que a China, Rússia e Indonésia, os outros três países do pelotão dos cinco maiores poluidores - que somam metade das emissões mundiais- não parecem ter ampliado suas metas até agora.

A China, campeã mundial de emissões com (23,9% do total mundial), prometeu atingir o pico dos lançamentos de gases-estufa até 2030, mas não melhorou sua meta até a véspera da reunião de Glasgow, que se inicia domingo. Há esperança de que o faça até o fim da COP, mas há obstáculos. O país vive uma crise energética e sua tentativa de reduzir a produção de carvão, com grande peso em sua matriz energética, sofreu um revés. Os estoques caíram, os preços dispararam e então o governo voltou atrás e determinou produção a toda a carga das minas, após cortes de energia em boa parte do país.

Do Brasil, o sexto maior poluidor (2,9% das emissões globais), nada se espera. Segundo relatório do Pnuma, órgão da ONU para o ambiente, o país foi o único do G-20 que recuou de suas promessas. Comprometeu-se a cortar até o fim da década 43% das emissões sobre a base de 2005, mas a base foi revista e há um “extra” de emissões de 307 milhões de toneladas de CO2.

A conduta da delegação não será tão nociva quanto a do ministro Ricardo Salles na COP anterior. Mas o Brasil continua dando alta prioridade ao pleito por dinheiro para proteger a Amazônia, isto é, que recursos externos supram a mendacidade do governo Bolsonaro, que pôs à mingua os órgãos de defesa do ambiente e os desestruturou.

Além da verba, interessa ao Brasil a solução de outro dos pontos centrais da COP26, a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris, que trata da criação do mercado global de carbono. Idealmente, pode carrear de US$ 16 bilhões a US$ 72 bilhões ao Brasil até 2030, segundo cálculos do Cebds (Valor, 14-10).

No mais, o governo segue maquiando a realidade ambiental. Divulgou um Plano Nacional de Crescimento Verde recauchutado, com apenas R$ 12 bilhões de dinheiro novo. O desmatamento na Amazônia voltou a bater recordes. O trabalho de destruição de Bolsonaro é auxiliado por aliados no Congresso que, a poucos dias da COP aprovaram a lei que dá aos municípios o poder de decidir faixas de ocupação das margens de rios e córregos, eliminando o mínimo de 30 metros.

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