quinta-feira, 14 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É hora de voltar à sala de aula

O Estado de S. Paulo

Tanto alunos como professores, principalmente estes, devem superar resistências desarrazoadas e voltar às escolas na data marcada. É o melhor para a sociedade.

Por determinação do governo de São Paulo, os alunos das escolas públicas e privadas em todo o Estado terão de voltar às aulas presenciais, obrigatoriamente, a partir da próxima segunda-feira. Não era sem tempo. Muitos especialistas em saúde pública e educação vêm defendendo a reabertura das escolas antes de outros estabelecimentos, seja porque são ambientes onde é plenamente possível cumprir à risca as medidas preconizadas pelas autoridades sanitárias, como distanciamento social, aferição de temperatura e higienização local e pessoal, seja porque a função social das escolas ganhou importância ainda maior em meio à tragédia que aprofundou a perversa desigualdade entre os brasileiros.

A bem da verdade, a esmagadora maioria dos alunos da rede particular de ensino já frequenta as aulas presenciais há algum tempo. Na rede pública, no entanto, cerca de 30% dos alunos ainda não voltaram à sala de aula desde fevereiro, quando o retorno foi autorizado. As explicações para a ausência são muito particulares, mas, em geral, estão baseadas no medo de pais e responsáveis em expor as crianças e adolescentes ao coronavírus e na necessidade de muitos desses jovens em permanecer assistindo às aulas online, seja por comodidade, seja pela necessidade de trabalhar para complementar a renda familiar perdida no curso da pandemia.

Como determina o pacto federativo inscrito na Constituição, cada município paulista tem autonomia para decidir se as escolas da rede municipal de ensino voltarão a ter aulas presenciais obrigatórias. Contudo, as escolas da rede estadual e da rede privada (exceto as que se dedicam integralmente à educação infantil) não terão essa opção a partir do dia 18. É melhor assim. Já foi sobejamente demonstrado que a maioria dos alunos perdeu muito com o ensino remoto, principalmente os alunos mais carentes, muitos dos quais nem acesso à internet têm, para não falar da insegurança alimentar.

A determinação da volta às aulas presenciais também traz alguma segurança aos pais e responsáveis para planejar suas vidas e adequar seu dia a dia ao retorno a uma relativa normalidade. São tempos desafiadores para qualquer um, mas em especial para quem tem filhos em idade escolar. Houve muitos avanços e recuos, impostos, como não haveria de deixar de ser, pela própria dinâmica da disseminação do coronavírus, da ocupação de leitos nos hospitais públicos e privados e do avanço da vacinação.

Sopesados todos esses fatores, o governo paulista vai na direção correta ao determinar o retorno às aulas presenciais. “A regra é: criança na escola todos os dias, e não alguns dias. A sociedade já voltou, as pessoas estão tendo convivência mais aberta e é preciso priorizar a educação, senão não vamos recuperar a aprendizagem”, disse ao Estado o secretário estadual de Educação, Rossieli Soares. De acordo com o secretário, poderão continuar assistindo às aulas remotamente apenas as crianças e adolescentes que tenham ordens médicas para não frequentarem a escola. Por determinação do governo paulista, a direção das escolas voltará a informar o Conselho Tutelar sobre a frequência dos alunos.

Mas não basta determinar a volta obrigatória às salas de aula. É preciso preparar as escolas para receber o corpo docente e discente em sua integralidade. Para isso, deixará de ser exigido o distanciamento de, no mínimo, 1 metro entre os alunos. As turmas que foram divididas em grupos menores poderão se reagrupar. Outras medidas do protocolo sanitário, como uso de máscaras e álcool em gel, permanecerão em vigor.

Pelo tempo dedicado ao tema e a natureza das medidas anunciadas, o governo paulista demonstra responsabilidade no processo de retomada das aulas presenciais para todo o alunado. Tanto alunos como professores, principalmente estes, devem superar resistências desarrazoadas e voltar às escolas na data marcada. É o melhor para a sociedade. Por sua vez, as autoridades estaduais devem estar dedicadas ao acompanhamento desse bem-vindo retorno e agir com rapidez caso seja necessário um recuo. Oxalá não seja.

O preço do desprezo à ciência

O Estado de S. Paulo

Governo mostrou não compreender que ciência é desenvolvimento, progresso e poder

Menos de um mês após o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) ter sido obrigado a suspender a importação de insumos para a produção de medicamentos para tratamento de câncer por falta de recursos orçamentários, afetando com isso mais de 1,5 milhão de pacientes, o Ministério da Economia reduziu em 87% as verbas para a área de ciência e tecnologia.

Esses acontecimentos não são fatos isolados e revelam não só o negacionismo científico do governo Bolsonaro em plena pandemia, mas, também, o inconsequente desmanche do sistema científico do País. O corte, de R$ 690 milhões para R$ 89,8 milhões, veio na sequência de uma série de outros recentes absurdos. Um deles foi o colapso da Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), que reúne informações sobre trabalhos realizados por todos os pesquisadores brasileiros. Outro absurdo foram os cortes dos recursos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em plena crise de apagão nos reservatórios de água e de risco de colapso energético. Entre outras atribuições, o Inpe é responsável pelos programas de previsão meteorológica e de monitoramento de queimadas e emissão de alertas climáticos.

Esses fatos mostram que, desde o início do mandato do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil não tem governo nem, muito menos, estratégia. Nunca, como nestes últimos dois anos e dez meses, o País esteve tão perdido do ponto vista das políticas industrial, de inovação, de empreendedorismo, de saúde pública e de educação, as quais dependem de investimentos em ciência e tecnologia para que possam ter sucesso. Se no tempo da ditadura o desenvolvimento científico foi associado à pesquisa militar e à área de informática, a partir da redemocratização ele se voltou a questões de saúde, energia, meio ambiente, sustentabilidade. Em todos esses períodos não faltaram recursos para as áreas de ciência e tecnologia. Elas foram dirigidas por profissionais preparados, e não por um oficial da Aeronáutica de média patente, como ocorre hoje. Reformado com apenas 43 anos, ele é conhecido apenas por ter feito uma viagem ao espaço e por se submeter ao negacionismo de seu superior, apesar da importância de seu Ministério para o futuro do País.

É por isso que dirigentes da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da Academia Nacional de Medicina e de entidades de outras áreas do conhecimento técnico-científico classificaram o corte orçamentário de “criminoso”, uma vez que o governo não respeitou a lei que proíbe o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Esses dirigentes também acusaram o Ministério da Economia de má-fé, por vir liberando verbas constitucionais a conta-gotas, a fim de que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações não tenha tempo hábil de gastá-las até o final de 2021. “Esse dinheiro seria usado para recuperar parte da infraestrutura de laboratórios e equipamentos de grande porte perdidos com os sucessivos cortes de verbas, além de pesquisas de relevância ligadas ao enfrentamento da pandemia”, afirmam eles, em nota de protesto.

Como no ano passado o governo investiu na área um volume de recursos inferior ao que ela recebia em 2009, a situação da ciência brasileira se tornou dramática. No campo da saúde, isso dificultará ainda mais o combate à pandemia. No plano econômico, levará à perda da produtividade do País, num momento em que as disputas no âmbito do comércio globalizado são cada vez mais acirradas. No plano político, o desprezo pela produção do conhecimento continuará impedindo a formação de uma política científica capaz de embasar um projeto de futuro para o País. E, no plano internacional, levará o Brasil a permanecer na posição de figurante na geopolítica mundial.

Essas são as consequências nefastas causadas aos brasileiros pelo governo Bolsonaro, incapaz de compreender que ciência não é capricho, e sim desenvolvimento, progresso e poder.

Descompasso com o mundo

O Estado de S. Paulo

Projeções do FMI mostram de novo o País em desvantagem no quadro global

Baixo crescimento, alta inflação, desemprego elevado e dívida pública acima dos padrões dos emergentes dão ao Brasil uma posição diferenciada entre seus pares, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI). A recuperação global continua, mas com impulso menor que o estimado em julho, num ambiente de maior incerteza, afetado pela pandemia e com desempenhos muito desiguais entre países, segundo a Perspectiva Econômica Mundial, principal relatório periódico do Fundo. As novas projeções apontam crescimento de 5,9% em 2021 e 4,9% em 2022 para a economia mundial e de 5,2% e 1,5% para a brasileira. O pobre desempenho brasileiro tem muito a ver com o mau uso de recursos públicos, bem exemplificado, nas notícias do dia a dia, pelos escândalos do orçamento secreto e das emendas “cheque em branco”.

A expansão agora projetada para o Brasil, neste ano, é pouco menor que a estimada em julho, de 5,3%. O desempenho calculado para o próximo ano foi revisto de 1,9% para 1,5%. Os novos números são muito parecidos com aqueles mostrados pela pesquisa Focus, conduzida no mercado, semanalmente, pelo Banco Central (BC).

Ao comentar a piora das expectativas em relação ao Brasil, a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, mencionou os efeitos da alta de juros e a revisão, para baixo, do crescimento previsto para os Estados Unidos, segundo maior parceiro comercial do País. Mas essas explicações apenas dão conta de mudanças no curto prazo. As limitações brasileiras são muito mais amplas e mais graves e aparecem há muito tempo nos cálculos dos especialistas.

Baixo crescimento em 2022 e nos anos seguintes apareceria nas projeções, certamente, mesmo sem o aperto monetário promovido pelo BC e sem a perda de impulso – aliás, muito moderada – prevista para a economia americana. Em 2026, de acordo com os cálculos do FMI, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deverá aumentar apenas 2,1%. Taxas maiores são previstas para outros emergentes, incluídos vários países da América Latina. A desvantagem do Brasil em relação a seus pares de vários continentes vem sendo apontada há vários anos por economistas do FMI e de outras instituições multilaterais.

Essa diferença é explicável pelo menor potencial produtivo do Brasil. Esse potencial é severamente limitado pelo baixo investimento em máquinas, equipamentos e obras, pela escassez de inovação, pela insuficiência do avanço tecnológico e pela carência de mão de obra em condições de operar uma economia moderna. Pouca integração nas cadeias globais de negócios, proteção excessiva, impostos pouco funcionais, entraves burocráticos, orçamentos públicos muito rígidos e desperdício de recursos são componentes desse quadro.

Estão previstos para o próximo ano R$ 3,4 bilhões em emendas “cheque em branco” – sem destinação transparente e sem controle institucional. Isso é parte de uma rotina de uso ineficiente, e até desastroso, de dinheiro público. Esse mau uso afeta a qualidade do gasto governamental, limita o investimento produtivo, impede o desenvolvimento social e restringe a modernização e o crescimento da economia. Em países mais bem administrados, o setor público se endivida para financiar o desenvolvimento. No Brasil, a maior parte da dívida pública tem origens menos nobres.

É preciso considerar a qualidade do gasto oficial para avaliar com realismo a diferença entre a dívida pública do Brasil e a dos demais emergentes. No Brasil, a dívida do governo geral deve passar de 90,6% do PIB em 2021 para 92,4% em 2026. Na média dos países emergentes e de renda média a trajetória deve ser de 64,3% para 69,8%. Na média dos latinoamericanos, o aumento será de 73% para 73,2%.

A economia brasileira tem piorado e a deterioração acelerou-se a partir de 2019. O desemprego é um dos componentes mais visíveis dessa piora. Em 2022, segundo o FMI, 13,1% dos trabalhadores brasileiros estarão desocupados. O número é pouco menor que o da projeção anterior, 13,2%, mas, se confirmado, garantirá o gran finale do mandato do presidente Jair Bolsonaro.

Além da escola

Folha de S. Paulo

Volta à normalidade do ensino em SP é bem-vinda, mas há que planejar aprendizado

O governo de São Paulo anunciou que todos os estudantes das redes estadual e privada de ensino devem voltar às salas de aula a partir da próxima semana —o que, obviamente, é desejável.

Importa saber agora, sobretudo, se vão ser adotadas as providências para fazer das escolas um ambiente seguro em termos sanitários —e para recuperar os danos de um ano e meio de interrupção das atividades escolares normais.

Os riscos de saúde diminuíram muito, embora a reabertura quase total de atividades sociais e econômicas ainda exija cautela. Os professores estão agora vacinados. Da população paulista com 12 anos ou mais, 72,4% haviam completado sua vacinação até terça (12).

Desde o início de setembro, morrem de Covid-19 em torno de três pessoas de 19 anos ou menos por semana no estado, todas menores de 1 ano ou com comorbidades. No junho terrível, eram ao menos dez. Ao longo da epidemia, morreram 0,003% das pessoas nessa faixa etária; acima de 70, foram 2%.

Cumpre considerar, de todo modo, que há escolas sem ventilação e infraestrutura física ou sanitária adequada. Problemas pedagógicos e de frequência são ainda maiores.

No Brasil, o número de crianças de 4 a 17 anos fora da escola passou de 1,1 milhão para 1,5 milhão de 2019 para 2020, segundo dados da pesquisa amostral do IBGE compilados em estudo do Unicef.

Além do mais, cerca de 3,5 milhões de estudantes não tiveram atividade escolar na semana anterior à da realização do levantamento, de novembro de 2020.

Novos hábitos se desenvolveram: alguns preferem o ensino a distância, outros tentam conciliar estudos com trabalho, afazeres domésticos ou maternidade precoce.

É preciso procurar esses jovens, não apenas esperar que voltem às escolas depois de ano e meio de experiências pessoais e pedagógicas traumáticas ou frustrantes. De tal tarefa devem participar também serviços de assistência, reforçados por campanha de matrículas.

Sem avaliação ampla, será ainda mais difícil recuperar o atraso no aprendizado, entender a saúde mental dos jovens e preparar programas de reforço e apoio. Na ausência desses planos e de outras atividades que reforcem a ligação dos alunos com a escola, pode haver evasão ainda maior.

A experiência forçada da educação básica a distância evidenciou a precariedade digital. Em pesquisa da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação com apoio do Unicef, de fevereiro, 48,7% das cidades registraram que seus estudantes tiveram muita dificuldade de acesso à internet.

O uso da rede tem de ser estudado em busca de melhor aprendizado e correção de iniquidades.

Devagar com o andor

Folha de S. Paulo

O controle do Ministério Público não deve ser tratado com pressa nem como ataque

Reações exageradas têm prejudicado o debate a respeito da proposta de emenda constitucional que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão de fiscalização administrativa, financeira e disciplinar da instituição.

Apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), a PEC tramita na Câmara com apoios na esquerda e nas siglas do centrão —e veemente oposição de procuradores, cuja associação nacional acusa o texto de pretender solapar a autonomia do Ministério Público.

Relatada por Paulo Magalhães (PSD-BA), a atual versão da proposta amplia de 14 para 15 o número de conselheiros do CNMP, e de 2 para 4 o número de indicados pelo Legislativo no colegiado.

Neste grupo haveria um escolhido pela Câmara e outro pelo Senado, como ocorre hoje. Além disso, cada Casa do Congresso poderia escolher, alternadamente, um membro dos Ministérios Públicos dos estados e da União, mais um magistrado apontado pelo Supremo Tribunal Federal.

A maior presença de indicados por parlamentares, por si só, é defensável —e pode representar contraponto saudável a tendências corporativistas do CNMP e um mecanismo inibidor de abusos.

O texto do relator, porém, avança sobre aspectos mais questionáveis e chega a uma formulação despropositada ao tratar da possibilidade de o conselho, em sua nova configuração, rever ou desconstituir atos “que constituam violação de dever funcional dos membros” ou “quando se observar a utilização do cargo com o objetivo de se interferir na ordem pública”.

Com redação tão genérica, o dispositivo de fato pode abrir caminho para intimidações e cerceamentos do trabalho de procuradores, em especial quando estiverem em jogo interesses influentes. Não será surpresa se vier a ser retirado da PEC como forma de facilitar as negociações congressuais.

Em qualquer hipótese, inexiste motivo para uma tramitação apressada da matéria —e o açodamento tem sido uma marca da Câmara sob o comando de Arthur Lira (PP-AL). É preciso cuidado para evitar que algum ânimo revanchista ou interesseiro de parlamentares contamine a qualidade do trabalho.

O aperfeiçoamento dos controles sobre o Ministério Público se faz, sim, necessário —e a análise dos meios não deve ser tratada como ataque espúrio à imprescindível autonomia da instituição.

Quadro fiscal é a principal causa do crescimento pífio

O Globo

A deterioração do cenário econômico brasileiro fica clara na nova rodada de previsões divulgada nesta semana pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Na projeção de crescimento para o ano que vem, o Brasil tem o pior desempenho entre todos os países de destaque: 1,5%, ante 4,9% para a economia global, 5,1% para os países emergentes e 3% para a América Latina. A previsão de alta no PIB brasileiro caiu 1,1 ponto percentual desde o relatório de abril do FMI.

É possível elencar várias causas para a situação: lentidão na recuperação depois da pandemia, ameaça inflacionária, desvalorização cambial, timidez nas reformas do Estado e tantas outras. A principal é a perda de confiança, perceptível na aversão do investidor a riscos num quadro repleto de incertezas.

Ela decorre de um fator crítico: o desequilíbrio fiscal renitente. A perspectiva é o Estado continuar a drenar recursos do setor produtivo, consumidos pela insaciável máquina do funcionalismo, pelas benesses cartoriais que mantêm vivos setores improdutivos e pelo pequeno expediente da política — sem que sejam destinados a projetos essenciais em áreas como educação, infraestrutura ou meio ambiente.

No cenário traçado pelo FMI, o governo continuará no vermelho pelo menos até 2023, perfazendo uma década de déficits cumulativos, que terão feito a dívida pública saltar de 60% para 92% do PIB. Em todos os dez anos, o balanço negativo do governo (incluindo pagamento de juros) terá superado 5,9% do PIB, quando girava em torno de metade disso antes de 2014.

A perda de confiança resulta do abandono progressivo das âncoras que poderiam recobrar a sanidade nos gastos públicos. A Lei de Responsabilidade Fiscal perdeu as garras e, no âmbito estadual, se tornou uma peça de ficção. A “regra de ouro”, que impede o endividamento para pagar despesas correntes, vem sendo burlada legalmente desde 2017. O mesmo mecanismo — a burla legal — está prestes a ser implantado para o teto de gastos por uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê, na versão atual, um limite de R$ 41 bilhões para pagamento de dívidas judiciais de maior valor, os precatórios — e, para o resto, instaura um misto de calote e parcelamento.

Se a PEC dos Precatórios for aprovada, como querem o governo e o Centrão para abrir espaço fiscal ao novo Auxílio Brasil, representará o fim do teto de gastos. O efeito na trajetória da dívida pública será desastroso. “O limite ora proposto, na prática, levará à criação de um passivo com tendência exponencial de crescimento”, afirma comunicado da Instituição Fiscal Independente (IFI), organismo apartidário ligado ao Senado. “É particularmente alarmante a postergação de despesas obrigatórias, por ensejar discussão a respeito dos outros gastos com natureza similar. A transparência e a lógica do teto de gastos estão sob risco iminente.”

Mais alarmante é a absoluta ausência da discussão sobre a situação fiscal crítica do país no programa dos pré-candidatos à Presidência. À esquerda e à direita, as promessas de todos traduzem a visão do Estado como gerador infinito de recursos para os projetos mais mirabolantes. Ao mesmo tempo, a situação insustentável de um país que não consegue avançar porque a classe política evita enfrentar o problema fica a cada dia mais visível no crescimento baixo, no desemprego alto, na miséria e na violência que assombram as ruas.

Congresso precisa derrubar veto de Bolsonaro a projeto de absorventes

O Globo

É de uma insensibilidade estarrecedora o veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que estipula a distribuição gratuita de absorventes higiênicos a estudantes de baixa renda da rede pública, a presidiárias e a mulheres que vivem nas ruas ou em situação de extrema vulnerabilidade.

Bolsonaro alegou que o projeto aprovado pelo Congresso não determina fonte de custeio e que a despesa real seria maior que a divulgada (R$ 100 milhões). “Não é a cegonha que vai levar o absorvente pelo Brasil todo, alguém tem que levar, fazer a logística disso”, afirmou Bolsonaro, chamando a iniciativa pejorativamente de “auxílio modess”. Disse ainda que, se o Congresso derrubar o veto, tirará dinheiro da Saúde e da Educação. “Eu não posso sancionar uma coisa se não tiver fonte de recursos. Recairia em crime de responsabilidade e estaria respondendo a um impeachment.”

A história não é bem assim. O projeto prevê que as despesas para distribuição dos absorventes viriam da dotação orçamentária do Sistema Único de Saúde (SUS), origem perfeitamente coerente. E é curioso que a preocupação com o rigor fiscal — necessária, diga-se — seja seletiva. Não está presente quando o governo dá pedaladas com os precatórios, mantém as absurdas emendas do relator no Orçamento ou move mundos e fundos para criar o eleitoreiro Auxílio Brasil.

Convém dizer que os parlamentares não estão inventando nada. A discussão sobre “pobreza menstrual” se impõe no mundo inteiro. Como mostrou reportagem do GLOBO, estima-se que 500 milhões de mulheres e meninas em todo o planeta não tenham acesso a itens de higiene adequados, a maioria em países de renda baixa e média. O problema tem impacto direto na educação. Na África Subsaariana, meninas perdem até 20% do ano letivo, e outras abandonam a escola devido a tabus sobre menstruação. Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que, no Brasil, 713 mil meninas não têm acesso a banheiro ou chuveiro em casa, e mais de 4 milhões não dispõem de itens básicos de cuidados menstruais. A distribuição gratuita de absorventes é política que vigora em países como Escócia e Quênia. No Brasil, pelo menos 12 estados e o Distrito Federal já adotam a iniciativa em escolas públicas.

Depois da repercussão negativa, a Secretaria de Comunicação do Planalto (Secom) disse que, apesar dos vetos, o governo federal trabalhará para a “aplicação dessa medida”, sem explicar o que fará.

Os parlamentares precisam entender a importância da iniciativa e derrubar o veto de Bolsonaro, como sugeriu o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). A questão não deve ficar restrita ao Congresso ou ao Planalto. Aproveitando a ampla repercussão, a sociedade também deveria se envolver. Fabricantes de absorventes poderiam fazer campanhas de distribuição gratuita para mulheres pobres. A mobilização dos cidadãos em torno da questão não seria em vão.

Para FMI, pandemia ainda ameaça recuperação global

Valor Econômico

Há vasta oportunidade para que apareçam cepas mais agressivas que driblem as vacinas disponíveis

Direta ou indiretamente, a covid-19 continua sendo o maior risco para a continuidade da recuperação global, como se deprende do Panorama Econômico Mundial, divulgado na terça pelo Fundo Monetário Internacional. As perspectivas são boas, com crescimento global de 5,9% este ano e 4,9% em 2022, mas o balanço de riscos está mais para “desapontador” do que para “surpresas positivas” do lado da expansão. No caso do Brasil, o FMI projeta avanço do PIB de 1,5% no ano que vem, o mais baixo de todas as economias relevantes do relatório.

O risco do surgimento de novas variantes mais contagiosas da covid-19 continua alto porque ainda que as nações desenvolvidas e algumas emergentes tenham conseguido sucesso na vacinação em massa, a maioria dos demais países segue sem imunizar parcelas substanciais da população. “Mais da metade do mundo, 35% da população global, não está a caminho dos 40% da vacinação ao fim de 2021”, registra o relatório. Ou seja, há vasta oportunidade para que apareçam cepas mais agressivas que driblem as vacinas disponíveis e ameacem os países com proteção vacinal significativa.

Outros riscos para a recuperação global são em parte decorrentes dessa assimetria na imunização. Os desacertos entre oferta e demanda, resultado direto da pandemia, prosseguirão 2022 adentro, e podem piorar caso novos elos das cadeias de produção global se vejam às voltas com lockdowns ou restrições sérias à mobilidade - como é o caso de países do Sudeste asiático agora.

Estes descompassos entre oferta e demanda estão empurrando a inflação para cima nos EUA, Europa e grandes emergentes, como o Brasil, em uma intensidade que, se persistir, pode obrigar os principais bancos centrais do mundo a reagirem, antecipando em relação ao previsto a normalização monetária. Brasil e outros emergentes já subiram os juros, a Europa e China ainda não estão perto desta fase, mas os EUA, sim.

Os EUA crescerão acima da média mundial este ano e no próximo (6% e 5,2%) e em 2022 terão expansão de 3,3% acima de sua capacidade potencial, com média anual de inflação de 4,5% em 2021 e 3,5% em 2022, bem acima da meta de 2%. O Fed já deu sinais de que começará a remover o estímulo adicional concedido durante a pandemia ainda este ano, mas não é seguro que possa continuar sendo comedido no ciclo de alta dos juros, caso o cenário inflacionário ameace se desgarrar do antecipado.

As ameaças remanescentes também decorrem do desarranjo pandêmico. As políticas ultrafrouxas com as quais foi combatido provocou a superavaliação de uma série de ativos financeiros, criando situação propícia à volatilidade, em especial diante do momento de transição da política monetária e do quadro de inflação em alta. O Fundo se preocupa ainda com agitações sociais, provocadas pelo aumento da desigualdade social exposta pela pandemia e agravada por respostas inadequadas de muitos países. Por fim, há a possibilidade de novos e mais adversos choques climáticos.

O Brasil não está mal na vacinação, comparativamente, ainda que tenha demorado muito para iniciá-la por inação de um governo negacionista. 70,17% tomaram uma dose da vacina e 46,7% completaram sua imunização. Se os programas de suporte à economia estiveram entre os maiores do mundo e impediram retração muito pior que a efetiva, a retirada dos estímulos deixou o país não muito melhor do que na pré-pandemia - e, no caso do desemprego, muito pior. O FMI rebaixou a expansão em 2022 a 1,5% e estima que em 2026, daqui a 5 anos, o país deverá estar na mesma toada - crescerá 2,1%. A inflação anual estimada é de 7,9% agora e 4% em 2022, um pouco acima da meta de 3,5% (e bem abaixo da pesquisa Focus), mas a média anual para o ano que vem é maior, de 5,3%.

Se as condições financeiras externas piorarem, como é provável, o real continuará se desvalorizando, o que deixa o caminho aberto para a continuidade do repasse integral do choque de preços das commodities para os preços domésticos. O FMI prevê pouco alívio em 2022. O petróleo, que deve subir 59,1% em 2021, pode cair 1,8% em 2022, os alimentos, com alta de 27,8%, aumentam 1,9%, e os metais, com 49,7% de avanço, ainda evoluem 6,5%. O principal parceiro comercial brasileiro, a China, continuará a crescer bem, 5,6%, mas ao menor ritmo em duas décadas. As condições externas tendem a se tornar adversas, agravadas pelas domésticas, com uma eleição agitada a caminho.

 

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