sábado, 16 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Deter crescimento das favelas tem de ser prioridade

O Globo

Popularmente podem ser chamadas de grotões, invasões, alagados, vilas, palafitas, comunidades ou favelas. Na definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são “aglomerados subnormais”. Independentemente da palavra, o conceito é o mesmo: ocupação irregular para fim de habitação em área urbana, em geral caracterizada por edificações precárias e carente de serviços públicos essenciais. Historicamente presentes nas metrópoles brasileiras, as favelas dobraram em número entre 2010 e 2019. Foram de 6.329 em 323 cidades para 13.151 em 734 municípios, de acordo com dados do Censo de 2010 e estimativas feitas pelo IBGE. Como numa gangorra, o emprego e a renda caíram, e as comunidades cresceram. No Estado do Rio, o número de domicílios nessas condições subiu de 617.466 para 717.326 em nove anos.

A vergonha que esse aumento causa na sociedade deveria ser um combustível para que o Brasil encarasse com seriedade o desafio do déficit habitacional. Não se trata de problema para o qual a humanidade desconheça solução. Uma experiência nacional, o programa Minha Casa Minha Vida, criado em 2009 no governo Lula, proporcionou, com seus erros e acertos, uma importante curva de aprendizado. É lastimável que o governo Bolsonaro tenha demonstrado interesse insuficiente pelo assunto.

O ponto de partida para enfrentar a questão pode ser resumido numa palavra: subsídio. É pacífico que a população de baixa renda não tem, nem terá, como melhorar a qualidade da moradia sem ajuda do governo. Outra característica essencial para uma estratégia bem-sucedida na habitação é a previsibilidade. “As empresas privadas do setor da construção civil precisam se planejar com tempo para conseguir ter escala de produção e ganhos de produtividade”, afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Com subsídios e previsibilidade, o governo federal precisa envolver estados e municípios. É necessário dispor de um arsenal de intervenções — para além da construção de casas. O conjunto de ações para mitigar a chaga inclui recuperação de áreas degradadas nas regiões centrais das cidades, aluguel social temporário, investimentos em transporte, saneamento, regularização fundiária e melhorias em imóveis existentes.

É verdade que, nesses últimos dois pontos, o governo Bolsonaro até avançou. Mas insistiu na inútil troca de nome do programa habitacional — de Minha Casa Minha Vida para Casa Verde e Amarela — e ainda retrocedeu, reduzindo o subsídio justamente para a população mais necessitada. Em 2015, a União concedeu R$ 20,7 bilhões ao programa. No ano seguinte, o total caiu para R$ 8 bilhões. No primeiro ano do governo Bolsonaro, já estava em R$ 4,6 bilhões. No ano passado, bateu em R$ 2,5 bilhões. Tudo isso sem levar em conta a inflação.

É sempre importante enfatizar a necessidade de cortar gastos, num governo em penúria fiscal. Mas o dinheiro para a habitação deveria estar entre as prioridades intocáveis. Não é o caso. Basta lembrar que a Zona Franca de Manaus recebeu inacreditáveis R$ 31 bilhões em subsídios tributários em 2020, quase um Casa Verde e Amarela (R$ 2,1 bilhões) a mais que no ano anterior.

É urgente apuração de mortes em estudo fajuto com proxalutamida

O Globo

Quando a ciência e a política se confundem, não costuma haver ganhadores. No último sábado, a Rede Latino-americana e do Caribe de Bioética (Redbioética), da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), declarou que as 200 mortes de voluntários de uma pesquisa clínica com a substância proxalutamida no Amazonas, se confirmadas as responsabilidades, serão uma das violações aos direitos humanos e uma das infrações éticas mais graves na história da América Latina.

Defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, a droga experimental, desenvolvida contra o câncer de próstata, começou a ser usada em estudo com pacientes de Covid-19 em fevereiro. Em agosto, reportagens do GLOBO expuseram suspeitas de irregularidades.

Mesmo censurado por uma decisão judicial, que enxergou ofensa a “honra, imagem e reputação” dos pesquisadores, o material levou à abertura de uma investigação pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), responsável por elaborar as diretrizes que protegem participantes de experimentos. Após averiguação, a Conep levou uma denúncia à Unesco.

Em comunicado, a entidade afirma que “é ética e legalmente repreensível, conforme consta do ofício da Conep, que os pesquisadores ocultem e alterem indevidamente informações sobre os centros de pesquisa, participantes, número de voluntários, critérios de inclusão, pacientes mortos”. Também condena a continuidade do recrutamento de novos voluntários mesmo depois de sucessivas mortes.

A Unesco considerou gravíssima a suspeita de que o comitê científico da pesquisa tenha sido coordenado por médicos vinculados aos patrocinadores do estudo. “É urgente que, em caso de irregularidades comprovadas, todos os atores sejam responsabilizados, não só de forma ética, mas também legalmente, incluindo as equipes de investigação, as instituições e patrocinadores responsáveis.” Por fim, a Unesco pede que a comunidade científica acompanhe a denúncia da Conep: “É urgente identificar as causas das mortes ocorridas durante os estudos. É inaceitável que esses tipos de eventos, se verificados, estejam acontecendo no ano de 2021”.

É óbvio que a equipe do estudo, realizado no Amazonas sob a liderança do endocrinologista Flávio Cadegiani e patrocinado pela rede privada de hospitais Samel, deve ter todo o direito a defesa. Mas são a cada dia mais eloquentes as evidências de um experimento que viola os direitos humanos dos pacientes e os princípios éticos mais básicos da prática científica. Assim como o caso da operadora de saúde Prevent Senior, este também exige das autoridades investigação e a punição mais rigorosa ao alcance da lei. É inadmissível que, em meio à pandemia mais letal em mais de cem anos, passe impune a morte de cobaias humanas usadas para favorecer interesses políticos.

Vacinados, apesar de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Após mais de um ano e meio de sofrimento e privações de toda sorte, grande parte dos brasileiros voltou a experimentar uma relativa sensação de normalidade. A pandemia de covid-19 arrefeceu no País na exata proporção em que avançou a vacinação contra o coronavírus. Na quarta-feira passada, o Brasil atingiu a marca de 100 milhões de pessoas totalmente imunizadas, ou seja, que completaram o esquema vacinal com duas doses ou com dose única, caso da vacina da Janssen. Isso significa que quase a metade da população (47,11%) está, enfim, protegida contra as formas graves de uma doença que já causou a morte de mais de 600 mil brasileiros.

A reabertura do comércio não essencial e das escolas, a volta das atividades culturais e a retomada do turismo, por exemplo, só foram possíveis porque a esmagadora maioria da sociedade ignorou olimpicamente os desvarios do presidente Jair Bolsonaro, que até hoje insiste em vituperar contra a vacinação. No mesmo dia em que o País que deveria governar atingiu a auspiciosa marca de imunizados, Bolsonaro declarou que decidiu não tomar mais a vacina. Na equivocada – e perigosa – visão do presidente, o fato de estar com “a imunização lá em cima”, segundo suas palavras, dispensaria a necessidade de receber a vacina, o que é desmentido pelos médicos.

Para o bem do País, o negacionismo de Bolsonaro ressoa apenas em uma pequena parcela da população. Até o momento, cerca de 150 milhões de brasileiros já receberam ao menos uma dose da vacina contra a covid-19, o que representa 70,29% da população. Isso atesta o sucesso do Programa Nacional de Imunizações (PNI), referência internacional em políticas públicas de saúde. Por sua vez, o sucesso do PNI se deve não apenas à capacidade de seus profissionais, mas, sobretudo, pela adesão histórica dos brasileiros às vacinas. O discurso antivacina nunca prosperou no Brasil. “Mais uma vez, o País mostra a força de sua cultura vacinal, mesmo em uma campanha que não contou com esforços publicitários (do governo federal)”, disse ao Estado a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, em Washington.

Se, por um lado, o número de vacinados traz alívio e esperança para os próximos tempos, por outro, é de indignar saber que a história da pandemia no Brasil teria sido outra não fosse a desídia de Bolsonaro. Sem a campanha sistemática do presidente contra as vacinas, que incluiu um criminoso atraso na compra dos imunizantes, o Brasil, graças à sua invejável tecnologia de vacinação em massa, seguramente teria voltado bem mais cedo à normalidade e provavelmente teria enterrado menos mortos. Os devaneios de Bolsonaro custaram caro demais ao Brasil.

A “cultura vacinal” da população, como disse a epidemiologista Denise Garrett, aliada à capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS) para imunizar os brasileiros, teria levado o País bem antes à desejada imunidade coletiva, caso o governo Bolsonaro não tivesse investido tanto tempo, energia e recursos para propagandear mandingas em vez de trabalhar para trazer as vacinas para o Brasil e estimular o comportamento responsável dos cidadãos.

O vácuo federal só não tragou o País porque houve quem se insurgisse contra a infâmia e o negacionismo. Recorde-se que o governo do Estado de São Paulo viabilizou a Coronavac quando não havia nenhuma vacina disponível, inoculando esperança num país enlutado. Recorde-se também a iniciativa de Nelson Teich, que, em sua brevíssima passagem pelo Ministério da Saúde, firmou acordo para realização de testes clínicos da vacina da AstraZeneca no Brasil. Também foi decisiva a resistência institucional do Supremo Tribunal Federal e do Congresso, sobretudo do Senado, aos arroubos irresponsáveis de Bolsonaro contra a vacina, as medidas sanitárias e o bom senso.

Por fim, o País chegou até aqui graças à mobilização da sociedade contra os atos e as palavras de um presidente que quer tudo, menos o bem-estar de seus governados.

Incompreensão sobre o Ministério Público

O Estado de S. Paulo

O Ministério Público é uma instituição, não um Poder. É preciso aprimorar o CNMP

A tramitação na Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/21, que busca aprimorar o controle externo do Ministério Público, tem sido ocasião não apenas de críticas à proposta, mas de manifestações acintosamente antirrepublicanas. Há profunda incompreensão tanto sobre a instituição como sobre o Estado Democrático de Direito.

Uma vez que a PEC 5/21 busca dar maior efetividade ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), já era de esperar alguma reação contrária de membros da instituição. “Nós estamos nas articulações junto aos deputados. Eu, desde ontem à tarde, não faço outra coisa a não ser falar com os deputados, expor a nossa visão”, disse o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, em entrevista ao Estado, no dia 7 de outubro.

Também não surpreende o discurso utilizado para impedir o debate sobre eventual melhoria do controle sobre o Ministério Público. Por mais tênue que seja, toda mudança é apresentada como ameaça à autonomia da instituição. Tal é a falta de correspondência com os fatos que o discurso corporativista ganha tons de histeria.

Por exemplo, a PEC 5/21 propõe leve mudança na composição do CNMP. Em vez dos atuais 14 membros, seriam 15 membros, cabendo ao Congresso – representação por excelência, num Estado Democrático de Direito, da sociedade – escolher quatro membros. Atualmente, Câmara e Senado escolhem um membro cada. A leve alteração tem sido tratada por procuradores como manifestação cabal da captura do Conselho para fins escusos.

Diante do discurso alarmista, vale lembrar que a Constituição atribui ao CNMP “o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros”. Além disso, o Conselho, na atual composição, com maioria de membros indicada pelo próprio Ministério Público, não vem cumprindo suas funções constitucionais.

Não há como tapar o sol com peneira. A Emenda Constitucional (EC) 45/2004 não criou o CNMP para que tudo permanecesse da mesma forma. No entanto, infelizmente, as práticas seguem praticamente as mesmas. É escandalosa, por exemplo, a conivência do órgão de controle com privilégios relativos a vencimentos e férias da categoria.

Há também forte oposição quanto à possibilidade, prevista na PEC 5/21, de o novo CNMP “rever ou desconstituir atos que constituam violação de dever funcional dos membros, após a devida apuração em procedimento disciplinar”. Trata-se de ponto elementar. Depois de apurada a ocorrência de violação do dever funcional, o ato abusivo não deve continuar produzindo efeitos, cabendo sua revisão ou desconstituição. Alegar que essa específica proposta atenta contra a autonomia da instituição é admitir que se deseja uma independência funcional além dos limites legais, o que é incompatível com o regime republicano.

Outra crítica diz respeito à mudança relativa ao corregedor do CNMP. Pela PEC 5/21, o cargo caberia a um integrante indicado pelo Congresso Nacional, dentre os membros do Ministério Público. Sendo órgão de controle externo, com competências definidas, não há nenhum problema – é, na verdade, medida perfeitamente constitucional – que o Legislativo defina o corregedor do CNMP. A sociedade, por meio de seus representantes eleitos, não deve ter mera posição figurativa no órgão.

O mais surpreendente, pois rigorosamente inconstitucional, é a alegação de que a PEC 5/21 interfere no princípio da separação dos Poderes, opondo o Legislativo ao Ministério Público. A pretensão de tratar o órgão como um Poder ignora a estrutura e o funcionamento do Estado Democrático de Direito, revelando grave incompreensão sobre as funções e os limites dos procuradores. O Ministério Público é uma instituição, não um Poder.

É preciso aprimorar o CNMP. O Congresso deve estudar a PEC 5/21 com cuidado, mas sem se tornar refém de pressões corporativistas de setores do Ministério Público. Toda função pública deve estar submetida a controle, e este não pode ser só no papel.

A boiada dos TRFs

O Estado de S. Paulo

Após a criação de TRF específico para MG, parlamentares querem o mesmo em seus Estados

Menos de três semanas após a aprovação, pelo Senado, do polêmico projeto que autoriza a criação do Tribunal Regional Federal (TRF) da 6.ª Região, com jurisdição exclusiva no Estado de Minas Gerais, as bancadas dos Estados da Bahia, do Amazonas e do Paraná também querem o mesmo privilégio. 

A criação de um novo TRF com jurisdição específica numa única unidade da Federação e a proposta de criação de outros três com a mesma característica carecem de fundamentação técnica e são desnecessárias, em matéria de volume de trabalho. Além disso, não faz sentido aumentar as despesas de custeio do Poder Judiciário em plena pandemia. Por fim, a iniciativa das bancadas estaduais vai na linha oposta à da política da Justiça Federal, que é a de ter poucos tribunais de segunda instância e de fazer com que eles tenham uma atuação interestadual. Isso ajuda na uniformização da jurisprudência da instituição e aumenta a segurança do direito no País. É justamente por esse motivo que a Justiça Federal mineira estava até agora vinculada ao TRF da 1.ª Região, com sede em Brasília. 

A importância da política da Justiça Federal ganhou destaque quando a proposta de criação do TRF da 6.ª Região foi originariamente apresentada ao Congresso, há 21 anos. Na época, a Associação Nacional dos Procuradores Federais (ANPF) alegou que a iniciativa era inconstitucional. O então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, não apenas endossou essa crítica, como também concedeu liminar pedida pela ANPF, suspendendo a tramitação do projeto. 

Por seu lado, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou um estudo considerando irrealistas os valores previstos para o custeio de um novo TRF e afirmando que eles exigiriam um aumento significativo no orçamento da Justiça Federal, num período de crise fiscal. Já os especialistas em direito processual lembraram que, como a Emenda Constitucional (EC) 45/04 criou medidas para encerrar os conflitos de massa ainda na primeira instância, a carga de trabalho dos tribunais de segunda instância tende a se reduzir com o tempo, o que torna desnecessária a criação de mais TRFs. E entidades de juristas disseram que a criação de um novo tribunal anula os avanços propiciados pela EC 45/04. Essa emenda promoveu a reforma do Judiciário que, apesar de consumir 2% do PIB, cerca de quatro vezes mais do que a média dos países da OCDE, sempre teve um desempenho medíocre. 

O que está motivando as bancadas baiana, amazonense e paranaense no Congresso a propor a ampliação da rede de TRFs, contudo, não são argumentos técnicos nem jurídicos. O interesse é apenas político. Para cada novo tribunal haverá a necessidade da construção de um majestoso “palácio da Justiça”, da contratação de um corpo de servidores administrativos e da aquisição de uma frota de veículos para servir a cada um dos desembargadores. Além disso, a criação de novos TRFs abre caminho para que parlamentares interfiram politicamente na escolha dos juízes de Varas Federais que serão promovidos a desembargador.

Por isso, as justificativas que essas bancadas apresentam para a expansão da rede de TRFs não passam de retórica vazia. A bancada mineira, por exemplo, afirmou que a criação do TRF da 6.ª Região era “essencial” para Minas Gerais, pois o Estado responderia por 35% dos processos que tramitam no TRF da 1.ª Região. Já a bancada federal amazonense defende a criação de um TRF com sede em Manaus sob a justificativa de que, como o Amazonas conta “com a maior floresta do planeta”, é preciso uma corte sediada no Estado para dar conta de conflitos envolvendo questões ambientais. No caso do Paraná, a alegação é de que a criação de um TRF sediado em Curitiba é uma “antiga reivindicação da seccional da OAB”. 

A iniciativa das bancadas federais da Bahia, do Amazonas e do Paraná, tentando seguir a trilha que foi aberta pela bancada federal mineira, o que implica gastos desnecessários, é mais uma preocupante demonstração de como políticos e magistrados estão desconectados de nossa realidade social e econômica. 

Saída enganosa

Folha de S. Paulo

Projeto que muda ICMS não é uma solução duradoura para preço dos combustíveis

O improviso que se tornou regra nas votações da Câmara dos Deputados é preocupante. A aprovação de um projeto mal desenhado para alterar a sistemática de cobrança do ICMS com o objetivo de baixar o preço dos combustíveis não vai ao cerne do problema e pode trazer dissabores futuros.

Sob forte pressão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e após repetidos ataques de Jair Bolsonaro aos governadores, o texto votado pelos deputados e remetido ao Senado muda o preço de referência para a incidência do imposto.

Em vez da sistemática atual, na qual os estados alteram o preço que serve de base para a cobrança a cada 15 dias, a nova regra considera o valor médio dos combustíveis nos últimos dois anos. Os estados continuam a fixar as alíquotas, mas poderão fazê-lo anualmente. Na prática, o valor do tributo será fixo ao longo de um ano.

O preço-base dos combustíveis ainda vai variar com a política de preços da Petrobras, que depende da cotação internacional do petróleo e da taxa de câmbio.

Estima-se que a mudança possa reduzir os preços da gasolina e do diesel na bomba em cerca de 8% e 3,7%, respectivamente, alívio que pode ser rapidamente diluído caso as cotações internacionais do petróleo continuem subindo, como tem sido o caso.

Nesse contexto, a Petrobras anunciou no último dia 8 um reajuste de 7,2% nos preços da gasolina —no ano, a alta já chega a 61%.

Os governadores agora ameaçam ir ao Supremo Tribunal Federal contra a mudança, que feriria a autonomia estadual, uma tese questionável. Nem mesmo a perda de arrecadação estimada de R$ 24 bilhões anuais, cálculo que também suscita dúvidas, se mostra um argumento irrefutável.

É fato que, como a cobrança do ICMS se dá como percentual do preço final, a receita se eleva quando sobem os preços. Os combustíveis mais caros têm dado enorme contribuição aos cofres estaduais.

Cumpre pensar em soluções, evidentemente —e o projeto não as traz. Fixar o imposto pela média dos dois anos anteriores proporciona um ganho pontual para o consumidor, mas a fórmula vai se tornar um problema se as cotações externas caírem adiante.

O ICMS, nesse caso, ficará proporcionalmente ainda mais alto, o que logo suscitará pressões por novas intervenções.

O problema de fundo está na insegurança da política econômica que desvaloriza o real e magnifica o choque externo, problema que não será resolvido a curto prazo no disfuncional governo Bolsonaro.
Controles de preços na Petrobras já foram tentados, com resultados desastrosos para empresa e contribuinte. Não há saída simples.

Justiça e aprendizado

Folha de S. Paulo

Condenação de militares por homicídios deve gerar reflexão sobre ação das Forças

A utilização das Forças Armadas em atividades de segurança pública comporta não poucos riscos. Tendo como missão precípua a defesa nacional, e não o combate à criminalidade no contexto urbano, os militares não dispõem do treinamento adequado para atuar em situação desse tipo, o que abre margem para reações imprudentes e excessivas, quando não brutais.

Foi o que se verificou no hediondo assassinato do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de material reciclável Luciano Macedo, fuzilados numa ação do Exército em abril de 2019 no Rio.

Segundo a acusação, foram desfechados nada menos que 257 tiros na direção do carro em que estavam o músico, seu sogro, sua mulher, seu filho, então com sete anos de idade, e uma amiga. Na tentativa de socorrer a família, que seguia para um chá de bebê, o catador também terminou alvejado.

Como ficou demonstrado no julgamento, encerrado na quinta-feira (14), os militares procederam com flagrante despreparo, ignoraram os protocolos de abordagem e, sem que tivessem certeza de quem estava no automóvel, assumiram que poderiam atirar para matar.

Dos 12 agentes envolvidos na operação, 8, que comprovadamente realizaram disparos, foram condenados pela Justiça Militar por duplo homicídio qualificado e tentativa de homicídio (concernente ao sogro, que sobreviveu).

Por um placar apertado de 3 votos a 2, sete foram sentenciados a 28 anos, e o comandante da ação, a 31 anos e seis meses.

Cabe lembrar que desde 2017 crimes dolosos cometidos por militares contra a vida de civis durante atividades operacionais não pertencem mais à esfera da Justiça comum, fruto de uma controversa mudança aprovada pelo Congresso e sancionada pelo então presidente Michel Temer (MDB).

Não à toa, no caso em tela, instalara-se o receio, felizmente desfeito pelo resultado do julgamento, de que o espírito corporativo pudesse sobrepujar o rigor e a imparcialidade esperados de um tribunal. A apreensão não é infundada, uma vez que 4 dos 5 membros do conselho julgador são militares da ativa e não possuem necessariamente formação em direito.

Para além da importância e do simbolismo, espera-se que a condenação venha a proporcionar uma reavaliação do emprego do Exército no papel de polícia, algo que nos últimos anos só produziu resultados fugazes e tragédias humanas.

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