quinta-feira, 21 de outubro de 2021

William Waack - O prisioneiro da crise fiscal

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro e o Centrão estão brincando de tornar o País ingovernável

Grandes sacudidas políticas no Brasil vieram quase sempre de crises fiscais, e Jair Bolsonaro está se empenhando em aprofundar a atual. As causas dessas crises são amplas e profundas, e no sentido mais geral resultam da apropriação de pedaços do Estado por grupos privados e corporações, que acomodam os mais variados interesses à custa dos cofres públicos.

No caso da atual crise, seu agravamento não vem só do fato de Bolsonaro arriscar as contas públicas apostando na reeleição. Fator relevante foi a entrega de fatias essenciais de poder, como o controle do Orçamento, aos grupos políticos amorfos e até antagônicos apelidados de Centrão. É o que explica em boa parte que os agentes econômicos tenham perdido a confiança na capacidade do Executivo de formular e articular políticas públicas abrangentes, começando pela economia.

A única agenda do Centrão é a defesa de seus interesses regionais ou corporativos (ou tudo junto). Por definição, trata-se de um conjunto de correntes políticas e interesses segmentados incapaz de articular uma pauta ampla. Como Bolsonaro não tem qualquer senso estratégico e se dedica fundamentalmente a agradar a plateias amestradas, não percebeu que o Centrão não é garantia alguma de que ele possa governar (basta lembrar as reformas que nunca andam).

Ao contrário, o poder entregue ao Centrão é a garantia de que o atual ocupante do Planalto não conseguirá governar nem mesmo na hipótese, hoje bastante remota, de que consiga a reeleição. O debate político brasileiro tornou-se completamente subordinado às questões fiscais mais urgentes. Portanto, não existe espaço, energia ou foco em plataformas para fugir da armadilha da renda média na qual o Brasil está preso há décadas.

É sério o risco de o Centrão (com Bolsonaro a tiracolo), sem rédeas, retroceder ao estágio pré-plano Real, o da irresponsabilidade declarada com as contas públicas. A necessidade de ajudar quase 30 milhões que caíram abaixo da linha da pobreza virou um Cavalo de Troia para a gastança que será paga mais adiante (em inflação e estagnação) por esses mesmos milhões de necessitados. Não há qualquer visão de futuro nas figuras de proa do Centrão além de garantir seus interesses políticos imediatos, aos quais no momento Bolsonaro serve perfeitamente.

Ficamos assim: uma geração e meia após a redemocratização continuamos tentando, sem grande sucesso, resolver pobreza, miséria e desigualdade, e procurando um jeito de ganhar eleições com votos garantidos por programas assistenciais. Quem sabe a crise fiscal (como aconteceu próximo ao Real) traga as mudanças que os salvadores da Pátria de plantão não têm. •

 

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