quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Zeina Latif - Sim, há lugar para otimismo

O Globo

A sociedade mais exigente contribui para aumentar a concorrência na política, ingrediente essencial para o bom funcionamento da democracia

Somos uma nação ainda adolescente. Foi apenas na década de 1930 - lamentavelmente, em um contexto autoritário -, que o país atingiu um ponto que o permitia trilhar o caminho sem volta de construção de uma nação.

Até então, havia ameaças recorrentes de movimentos separatistas e revoltas regionais que questionavam o poder central. Desde então, foi crise atrás de crise na política e, pior, por bastante tempo se buscou a solução de impasses pela violência, como nas ditaduras.

A adolescência não costuma ser uma fase tranquila. A nação anseia descobrir o que quer para si e avança por tentativa e erro. Enquanto isso, vai se defrontando com as consequências e limitações de suas escolhas.

Foi assim no “contrato social” da Constituição de 1988, que apesar dos avanços civilizatórios, pecou ao querer colocar a todos sob o manto da proteção estatal.

A sociedade foi considerada hipossuficiente em vários aspectos, o que gerou uma Carta contraditória e injusta com as gerações subsequentes, que têm de arcar com o consequente desarranjo das contas públicas.

Na adolescência, tudo parece estridente, como se não houvesse o dia seguinte, mas apenas a agonia do presente.

Nesta confusão atual é importante, porém, separar problemas estruturais, que demandarão, nos próximos mandatos presidenciais, políticos capazes, e questões conjunturais, que podem ser mais facilmente superadas, especialmente no cenário de renovação na política.

A História também é feita de acidentes. Da mesma forma que a facada ajudou Bolsonaro a se eleger, pelo tempo de exposição na TV e pela empatia despertada no eleitor, a pandemia pode inviabilizar sua reeleição ou até a presença no segundo turno - como aponta Maurício Moura.

A crise expos seu despreparo e, de quebra, contribui para reduzir o apelo de discursos populistas na sociedade, ensina Carlos Melo.

A queda da aprovação do presidente mostra que a sociedade não está apática. Os políticos enfrentarão provavelmente um ambiente de maior questionamento em 2022. Com eleitores mais exigentes, a polarização no primeiro turno da eleição poderá ser bem menor do que foi em 2018.

Entre agentes econômicos, há maior compreensão de que não se trata de trocar o ministro da Economia – a propósito, tampouco existe ministro salvador da pátria.

Difunde-se a percepção de que Bolsonaro não seria capacitado a enfrentar o desafio de reformar o Estado.

O governo se arrasta. Perdeu as rédeas da política econômica para o Centrão, cujo objetivo, a julgar por seu comportamento, é o benefício próprio nas eleições de 2022, e não a reeleição de Bolsonaro.

Sua aliança com o governo é de ocasião, sendo explorada de forma eficiente frente à erosão do capital político do presidente.

As frequentes investidas contra a regra do teto para elevar gastos, sem ter de cortar de lugar algum - principalmente emendas parlamentares e fundo eleitoral –, mostram que o Centrão separa muito bem os problemas de cada um: a inflação é problema do Banco Central e o deles é ganhar a eleição, e para isso precisam ter um Auxílio Brasil (temporário) ou Renda Brasil (permanente) para chamar de seu nos redutos eleitorais, mesmo que isso coloque mais combustível na inflação por conta do risco fiscal.

Importante observar a postura do Senado, que recentemente passou a conter medidas que representam retrocesso, como a reforma do Imposto de Renda. Concorrência na política é um santo ingrediente.

Já havia discutido neste espaço os limites mais estreitos para a indisciplina fiscal em 2022 em comparação a 2014, pois não haveria a mesma complacência dos mercados.

De fato, a reação ao aumento do risco fiscal tem se materializado cada vez mais nos preços de ativos, como mostra o comportamento da Bolsa e do dólar, que se descolam da dinâmica global.

Certamente a alta do dólar machuca a inflação e o setor produtivo como um todo, mas pior seria enterrar de vez qualquer disciplina das contas públicas. Seria contratar uma recessão, assim como ocorreu em 2015-16.

O quadro macroeconômico é difícil e não há motores para melhorá-lo na atual gestão. Mas é um fator conjuntural. Poderá ser mais facilmente superado com a mudança na política.

A sociedade mais exigente contribui para aumentar a concorrência na política, ingrediente essencial para o bom funcionamento da democracia. A nação amadurece rumo à vida adulta. Sairemos vivos, ainda que não ilesos, da atual encruzilhada.

 

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