terça-feira, 16 de novembro de 2021

Andrea Jubé - Sobre tirar as meias com o sapato nos pés

Valor Econômico

Valdemar disse a Lula que não punirá quem optar pelo PT

Um presidente de partido, que está em campo desde os tempos dos acordos firmados e cumpridos no fio do bigode, disse à coluna estar perplexo diante de tantas patacoadas protagonizadas pelos principais atores da política nacional.

Um exemplo de amadorismo para este decano da política são os apupos entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, depois que o mandatário anunciou o “casamento” com legenda.

Outro fato digno de reprimenda seria a negociação à luz do dia para levar o tucano Geraldo Alckmin para o PSB, e torná-lo companheiro de chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em uma das mais inusitadas acrobacias políticas da história recente.

Para este dirigente partidário, de tão sensíveis, esses movimentos deveriam ser conduzidos detrás das coxias. Aumentariam as chances de serem bem sucedidos se alinhavados na surdina.

“Publicar passo a passo nos jornais gera ruídos e atrapalha”, criticou este veterano. Ele pondera que as atuais lideranças políticas deveriam seguir a cartilha das velhas raposas.

Um dos exemplos mais ilustrativos é o ex-presidente Getúlio Vargas. Então governador do Rio Grande do Sul, havia chegado a hora de Getúlio comunicar ao presidente Washington Luís que se lançaria candidato à sucessão presidencial em 1930. Era preciso cautela, porque a notícia abalaria os pilares da política nacional.

Os mineiros resistiam ao nome imposto pelo presidente para sucedê-lo, o governador paulista Júlio Prestes. Por isso, o presidente contava com o apoio do Rio Grande do Sul, terceira força eleitoral do país, como fiel da balança contra Minas Gerais.

Nos bastidores, havia meses, o deputado federal João Neves da Fontoura, aliado de primeira hora de Getúlio, costurava com aliados a colocação do nome do caudilho. Em maio de 1929, quando Getúlio foi pressionado a se posicionar, escolheu as palavras exatas para redigir uma carta a Washington Luís informando sua decisão.

O mensageiro seria o deputado Flores da Cunha, liderança gaúcha com livre trânsito junto ao Palácio do Catete. Ele tomaria o vapor em Porto Alegre rumo ao Rio de Janeiro, mas faria uma escala em Santos, onde poderia se encontrar com o governador Júlio Prestes.

O risco do encontro alarmou Getúlio, que mandou uma mensagem pelo rádio do navio orientando o mensageiro a suspender a encomenda. Flores da Cunha não se encontrou com Prestes, mas eles se falaram por telefone no intervalo da viagem.

Somente após instalado em seu hotel no Rio, Flores da Cunha foi autorizado a levar a mensagem ao destinatário. Quando leu a carta, Washington Luís ficou estarrecido. Mas receber a notícia interceptada por Júlio Prestes deixaria sequelas ainda piores.

Artífice da Revolução de 30, João Neves da Fontoura, que seria chanceler de Getúlio no mandato democrático de 1951-1954 _, gostava de dizer que o caudilho era tão ladino que tirava as meias sem descalçar os sapatos.

Se vivo fosse, João Neves talvez observasse que no jogo atual, Bolsonaro tira as meias e acaba descalço. Há dois anos, desde que rompeu com o PSL do deputado Luciano Bivar (PE), o mandatário, que já passou por oito partidos, continua sem destino.

A tentativa de fundar o Aliança pelo Brasil naufragou. Depois ele divulgou que cerraria fileiras com o Patriota, mas o movimento deu em água.

O mundo político sempre soube que o casamento entre Bolsonaro e o PL seria uma união de fachada. Há cerca de dois meses, Valdemar disse a Lula em um encontro reservado em São Paulo que não poderia estar ao lado do PT em 2022 porque estava “enterrado até o pescoço” no governo Bolsonaro, com cargos e emendas. O cargo principal é a Secretaria de Governo, comandada pela ministra Flávia Arruda, com gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto.

No entanto, segundo fontes do PT e do PL, Valdemar ponderou a Lula que não impediria os deputados do PL de caminhar com o petista em seus Estados, principalmente no Nordeste.

Um dos motivos do impasse com o PL é o palanque em São Paulo e o controle do diretório paulista, que Bolsonaro confiaria ao deputado Eduardo Bolsonaro, hoje no PSL. Mas por que anunciar publicamente o enlace, se uma das principais cláusulas do contrato nupcial não estava ajustada?

Quando combinou a filiação com o PSL, no começo de 2018, Bolsonaro exigiu o controle de 25 dos 27 diretórios estaduais da legenda. Só ficaram de fora os diretórios de Pernambuco, porque estava sob a direção direta de Luciano Bivar, e do Maranhão, porque era o único em que o dirigente havia sido eleito pelos filiados.

Na conversa com a coluna, este decano da política nacional criticou a articulação às claras para filiar Geraldo Alckmin no PSB, e transformá-lo em vice de Lula. O movimento é encabeçado pelo ex-governador Márcio França (PSB) e pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT).

A costura nunca foi desautorizada pelos envolvidos. Ontem Lula disse na Bélgica que “não há nada que aconteceu entre eu e o Alckmin que não possa ser reconciliado”. Poucos dias antes, o tucano afirmou que se sentia “honrado” pela lembrança de seu nome, e que Lula é um democrata.

Quem conhece Alckmin bem, não descarta que se o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, vencer as prévias tucanas, ele permaneça na legenda.

Para um cacique do PSB, a publicidade da articulação para atrair Alckmin conturba a estratégia. Mas, a despeito desse revés, uma condição é imperiosa para o desfecho favorável: o PT tem que retirar o nome de Haddad, e comprometer-se com o apoio a Márcio França na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.

Ontem Lula disse que a política é como o futebol: “você dá uma botinada no cara, ele cai chorando, mas depois que termina o jogo, eles se encontram, se abraçam, vão tomar uma cerveja e discutir o próximo jogo”. O craque da política, entretanto, seria aquele que, antes da cerveja, ainda no vestiário, tirasse as meias sem descalçar as chuteiras.

 

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