sábado, 20 de novembro de 2021

Carlos Góes - Instituições (de saúde) importam

O Globo

Determinante para a riqueza das nações, na pandemia, vimos que elas também importam para os indicadores de saúde

Os economistas Daron Acemoglu e James Robinson começam seu celebrado livro “Por que as nações fracassam?” com uma história sobre duas cidades homônimas: ambas se chamam Nogales. Em diversos aspectos, as duas Nogales são bem parecidas: o clima é similar; a língua predominante é o espanhol; os habitantes em geral são católicos.

Mas a Nogales do Sul dos Estados Unidos é muito rica. Já a outra Nogales, do outro lado da fronteira, no Norte do México, é muito pobre.

Eles usam esse exemplo para mostrar como as instituições são determinantes para a riqueza e a pobreza das nações. Instituições são regras escritas e não escritas em torno das quais convergem as expectativas das pessoas. E elas influem muito na economia.

Se você não sabe se sua propriedade vai ser tomada pelo governo ou por um criminoso em alguns meses, você não tem incentivo para investir. Similarmente, se alguém espera que os outros sempre o enganem, vai criar mecanismos custosos para evitar ser enganado — como um documento em três vias registrado em cartório.

Esses são exemplos de instituições ruins, que geram barreiras à criação de riqueza. Boas instituições são aquelas que incentivam o investimento em capital físico e humano e conduzem ao desenvolvimento.

Como no exemplo das duas Nogales, eu moro na fronteira entre México e EUA. Para quem leu o livro, é impossível não recordar de suas páginas ao fazer o percurso a pé dos Estados Unidos para o México. As pessoas dos dois lados são muito parecidas. Mas é fácil sentir a descontinuidade em nível de renda na infraestrutura urbana e nas mazelas sociais visíveis, tão comuns nas cidades latino-americanas.

Tudo isso era algo que eu esperava. O inesperado foi ver outro tipo de descontinuidade: o de comportamentos de saúde pública durante a corrente pandemia.

Do lado americano, a adesão ao uso da máscara caiu substancialmente nos últimos meses. Mesmo em locais fechados (já abertos ao público com capacidade integral), somente uma minoria das pessoas tem usado máscara. Eu já me acostumei a ser uma das únicas pessoas mascaradas toda vez que eu vou ao supermercado.

Cruzando para o lado mexicano, uma grata surpresa. Apesar de alguns resquícios de teatro da higiene (como checagem obrigatória de temperatura), museus, centros comerciais e supermercados estavam, sem exceção, exigindo o uso de máscaras.

No jogo de coordenação que impõe um custo individual pequeno (uso da máscara) para um benefício coletivo grande (redução da transmissão), neste momento final de pandemia, as instituições sanitárias do país latino-americano parecem estar funcionando melhor do que as americanas.

Há alguns indícios de que esse é um fenômeno mais generalizado. Chile, Uruguai, Brasil e Argentina já têm mais doses de vacina contra a Covid-19 aplicadas por habitante do que EUA e União Europeia. A continuar a tendência atual, México e Peru também vão ultrapassá-los.

Essas tendências estão bem alinhadas com os dados de confiabilidade em vacinas na América Latina em comparação à Europa e aos Estados Unidos. Um artigo científico publicado no ano passado no periódico de medicina “Lancet” por Alexandre de Figueiredo, Clarissa Simas e coautores mapeou a opinião de pessoas sobre vacinas em diversos países do mundo.

Países em desenvolvimento na América Latina, na África e no Sul da Ásia são exatamente aqueles em que a confiança quanto à segurança das vacinas é maior. Na França, menos de 30% das pessoas acham que as vacinas são seguras. Nos EUA, pouco mais de 50% da população. No Brasil, mais de dois terços acreditam na segurança das vacinas. No México, mais de 70%.

A América Latina sofreu muito com a pandemia. As taxas de letalidade por Covid foram altíssimas na região. Elas foram altas mesmo com governos distintos de direita e de esquerda tentando estratégias distintas. Além disso, com raras exceções, a região só teve acesso a vacinas bem depois dos países ricos.

Apesar de todos esses reveses, parece haver na região uma diferença estrutural na confiança sobre os principais mecanismos de saúde pública, como a vacinação, em relação ao resto do mundo. Por isso, apesar dos pesares, não vai ser surpreendente que a universalização da vacinação e a imunidade coletiva cheguem antes na América Latina do que nos países ricos.

Acemoglu e Robinson ensinaram que instituições importam para a riqueza das nações. A pandemia está ensinando que elas também importam para a saúde das nações.

 

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