O Globo
O juiz Alexandre de Moraes, do STF, emitiu
ordem de prisão contra Allan dos Santos, um pistoleiro virtual a serviço do
marketing de ódio do bolsonarismo. Foi além, mandando bloquear todos os canais
do atirador de aluguel nas redes sociais. As justificativas oferecidas pelo
magistrado para a censura irrestrita emanam de uma releitura intolerável da
Constituição.
As medidas determinadas pelo juiz
inscrevem-se no inquérito das fake news, deflagrado em março de 2019. Mais de
30 meses depois, a investigação prossegue inconclusa, produzindo apenas
resultados fragmentários. Tudo indica que o STF a utiliza como ferramenta de
contenção política de Bolsonaro: uma tentativa de cercear o bombardeio do
governo à democracia. Muitos aplaudem a iniciativa, simulando ignorar que a
função judicial é aplicar as leis, não usá-las para gerar efeitos no tabuleiro
político. No percurso, celebram uma reinterpretação constitucional que atenta
contra a liberdade de expressão.
Gilmar Mendes ensaiou afirmar, mais de uma vez, que temos uma “democracia militante” — um contrato político em que é vedada a opinião antidemocrática. Nada mais falso. A Alemanha é uma “democracia militante”, pois sua Constituição foi desenhada sob a inspiração do “nunca mais”, ou seja, como ferramenta para impedir o retorno do nazismo. O trauma singular do passado legitima o veto a partidos extremistas e a certos discursos que, mesmo sem estimular diretamente a violência, reciclam o exterminismo nazista.
O Brasil não é a Alemanha. Experimentamos
ditaduras nefastas, mas nada parecido com o regime de Hitler. Por aqui, os
únicos limites à liberdade de expressão são a conclamação direta à violência
(contra indivíduos, grupos ou instituições) e os crimes contra a honra
(calúnia, injúria e difamação). O remédio legal para os segundos é o processo
judicial. Censura e prisão preventiva podem ser cabíveis para a primeira.
Contudo a ordem genérica de censura de Alexandre de Moraes fundamenta-se na
doutrina equivocada da “democracia militante”.
Nossa Constituição não permite criminalizar
a opinião política antidemocrática. Idiotas saudosos do regime militar têm o
direito de escrever que a nação precisa retornar aos tempos da ditadura.
Comunistas incuráveis podem, legalmente, sustentar ideias imbecis como a
substituição do Congresso por um conselho supremo de tipo soviético. Allan dos
Santos é insignificante: um respingo casual do córrego poluído do bolsonarismo.
A censura ditada pelo STF, pelo contrário, cria um precedente perigoso.
Anos atrás, sob o governo Lula, um enxame
de blogueiros chapa-branca patrocinados pelo Minha Casa Minha Vida e por
empresas estatais exigiam, com a regularidade de um relógio cuco, o “controle
social da mídia” (a censura dos críticos do lulopetismo). Os blogueiros de
aluguel também derramavam-se em elogios a regimes autoritários “do bem”, como a
Cuba castrista e a Venezuela chavista. Felizmente, o STF jamais tentou calar as
opiniões políticas antidemocráticas deles (e, infelizmente, o Ministério
Público nunca denunciou o desvio de recursos públicos para financiar propaganda
político-partidária). O precedente estabelecido por Alexandre de Moraes
poderia, no futuro, funcionar como instrumento de repressão contra qualquer um,
à direita ou à esquerda. Sempre em nome do bem.
Censura judicial não deve ser confundida
com restrições ao discurso definidas pelas redes sociais. O Facebook,
plataforma preferencial de ditaduras engajadas em massacres e limpezas étnicas,
suspendeu a conta de Donald Trump. O Google derrubou do YouTube a live
criminosa na qual Bolsonaro associava vacinas anti-Covid à Aids. São decisões,
certas ou erradas, de empresas privadas — e, ainda, episódios que deveriam
provocar um debate sério sobre o controle oligopolista das redes sociais. A
ordem de Alexandre de Moraes é outra coisa: censura estatal inconstitucional.
Allan dos Santos decretaria a censura
universal se pudesse. O STF não tem o direito de adotar os critérios dele para
puni-lo. Nossa Constituição não milita.
Jamais vi o Allan dos Santos pregar censura a inimigos. O Magnoli no final quis apenas dizer "estou contra ele também, fiquem calmos".
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