sábado, 27 de novembro de 2021

Demétrio Magnoli - PSDB morre de política, não de app

Folha de S. Paulo

Causa mortis do partido foi a gripe do antipetismo e a pneumonia de bolsonarismo

MAD, iniciais em inglês de Mútua Destruição Assegurada, é o nome da doutrina nuclear seguida por EUA e URSS na Guerra Fria. Aplica-se, porém, ao espetáculo falimentar das prévias do PSDB.

Se estrategistas de Bolsonaro e Lula se reunissem para escrever um roteiro de implosão da candidatura presidencial tucana, não fariam serviço mais perfeito que o dos próprios tucanos.

A culpa é do app, ou do cronograma alternativo, ou da empresa contratada para fabricar o software, a julgar pela guerra de declarações desferidas por Eduardo Leite e João Doria.

A retórica bélica não deixou entrever algum fundamento político para a cisão irreparável, o que é prova definitiva da bancarrota do partido. Mas, de fato, o PSDB morre de política.

Lá na origem, o partido surgiu como expressão de um projeto social-democrata adaptado ao Brasil. Pouco mais tarde, no seu auge, os tucanos derivaram para uma plataforma social-liberal, sintetizada no Plano Real.

As reformas empreendidas pelo governo FHC não se confinaram à estabilização da moeda, alastrando-se aos campos do equilíbrio fiscal, das privatizações, da responsabilidade gerencial e de um ensaio de abertura comercial. O programa abriu caminho para, já sob Lula, a expansão das políticas de renda formuladas pelo antecessor.

Na oposição, porém, o PSDB revelou-se incapaz de operar como usina de ideias. Ao longo dos três mandatos e meio do lulopetismo, os tucanos não conseguiram oferecer um contraponto abrangente às políticas sociais de Lula.

Na prática, limitaram-se à crítica negativa, apontando os riscos do populismo fiscal ao equilíbrio macroeconômico e, sobretudo, concentraram-se na denúncia dos escandalosos esquemas de corrupção (mensalão e petrolão). Num certo ponto, tornaram-se caudatários do Partido dos Procuradores que, por meio da Lava Jato, encarnava o salvacionismo judicial.

O antipetismo vazio conduziu, paradoxalmente, à rendição. Alckmin inaugurou sua campanha de segundo turno, contra Lula, em 2006, pregando os broches das estatais na sua camisa. Serra introduziu sua campanha contra Dilma, em 2010, exibindo uma foto de Lula ao lado da sua, para simular uma ilusória continuidade. Quando nada tem a dizer, o político recorre a truques circenses.

Colocar o antipetismo no lugar de um programa tem preço —e a fatura completa chegou em 2018. À sombra de uma crise multifacética, o eleitorado tradicional do PSDB migrou em massa para o candidato mais antipetista: Bolsonaro venceu por larga margem nas fortalezas tucanas do Centro-Sul, abandonando Alckmin ao relento.

Os líderes seguiram os eleitores, ao invés de liderá-los. Doria e Leite engajaram-se na campanha de Bolsonaro, no segundo turno, ignorando a deliberação partidária de neutralidade.

O líquido poluído do bolsonarismo espalhou-se pela lagoa tucana, paralisando o partido. Nos últimos anos, o PSDB declarou-se "independente", abrindo caminho para a maioria de sua bancada federal acomodar-se, efetivamente, no conforto da base governista.

De nada adiantou o giro oficial recente, para a oposição: na votação da PEC dos Precatórios, a maioria dos deputados tucanos alinhou-se com o governo.

Nas prévias, Doria e Leite exibiram-se como opositores de Bolsonaro, tentando apagar a mancha de 2018. Aécio Neves, protagonista oculto, firmou aliança com Leite, mas para cumprir agenda própria.

O mineiro busca conservar a "independência" da bancada, não selecionar um candidato presidencial. O partido carente de programa já não se distingue do "centrão", almejando apenas assegurar cadeiras no Congresso, a fim de apoderar-se de fração significativa do fundo partidário e do "orçamento secreto".

O PSDB está morto. A causa mortis não é o app ou a guerra fratricida entre lideranças sem discurso. O partido dos tucanos morreu da gripe do antipetismo e de sua sequela, a pneumonia de bolsonarismo.

 

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