sábado, 20 de novembro de 2021

Dora Kramer - União instável

Revista Veja

A conversa entre Lula e Alckmin existe, só que por enquanto tem o formato de balão de ensaio - e ambos ganham com o gesto

Não é um factoide, mas tampouco chega a ser um fato a ideia do ex-presidente Luiz Inácio da Silva de acenar com a composição da chapa para concorrer ao Planalto em 2022 na companhia do (ainda) tucano e ex-governador Geraldo Alckmin como vice.

A conversa existe, só que por enquanto a coisa tem o formato de balão de ensaio. Um lance tático do interesse de ambos, pois os favorece no campo do simbolismo político. Sem nada a perder de imediato, tanto um quanto outro contabilizam ganhos com o gesto.

Alckmin, na sua pretensão de disputar o Palácio dos Bandeirantes, fica na condição de cortejado e ganha um reforço no cacife junto a partidos que estão de olho na filiação dele assim que se concretizar a saída do PSDB. O ex-governador ganharia musculatura nessas negociações e ainda conquistaria simpatias à esquerda.

Já Lula busca conquistar apoios ao centro do espectro político a fim de combater a pecha de líder de um dos extremos. Um deputado que esteve com ele no dia 16 de outubro último ouviu do ex-presidente que em breve faria um gesto para surpreender o mundo político. Note-se o seguinte: o petista fez isso em momento de desgaste por causa da manifestação do secretário de Relações Internacionais do PT de apoio à farsesca vitória do ditador Daniel Ortega na Nicarágua.

Embora tenha boa interlocução com o presidente do PSD, Gilberto Kassab, que até agora tem dado como certa a filiação de Alckmin, o PT sabe — e Kassab confirma — que uma aliança só seria possível no segundo turno. Por isso, os petistas estão empenhados na ida do ex-governador paulista para o PSB. Assim, tirariam Alckmin da disputa pelo Bandeirantes, atrairiam os socialistas para a candidatura de Fernando Haddad e ainda abririam caminho para alianças em colégios eleitorais importantes como Rio de Janeiro e Pernambuco.

Embora uma recente entrevista do (ainda) tucano tenha deixado a cúpula petista entusiasmada, porque nela ele não fechou a porta à tentativa de aproximação, Alckmin faz a esfinge e não se aprofunda no assunto nem nos bastidores. Para se ter uma ideia do mistério, quando se pergunta a Gilberto Kassab quando o ex-governador bateria o martelo sobre a entrada no PSD, a resposta é a seguinte: “Assim que você souber, me avisa”.

A Geraldo Alckmin interessa manter a bola rolando para lá e para cá ao menos até o resultado das prévias do PSDB (21 de novembro), quando, só então, precisará pensar realmente em definir seu destino partidário. Não significa que essa oferta de tapete vermelho por parte do PT só lhe renda vantagens. Há custos e benefícios a medir.

Por exemplo, valeria a pena trocar o cenário favorável de uma eleição ao governo do estado numa legenda (PSD) disposta a lhe entregar o comando regional por uma aliança para lá de incerta com um partido (PT) cujo corpo tem dono de autoridade absoluta? E mais: o movimento seria bem-aceito pelo eleitorado de centro antipetista que no caso talvez preferisse seguir com Sergio Moro?

Nessa conta por ora quem tem mais a ganhar é o PT. Além da suavizada na imagem de radical, as resistências seriam residuais. Primeiro, porque militância e dirigentes já absorveram uniões entre contrários desde a formação de chapa com Leonel Brizola de vice em 1998, com o empresário José Alencar (à época filiado ao PL) em 2002 e a partir de 2010 até 2016 com Michel Temer (MDB). Em segundo lugar, porque no partido a vontade de Lula equivale a lei. Ademais, o eleitorado de esquerda não teria para onde correr.

Para convencer Geraldo Alckmin, os interlocutores petistas argumentam que a eleição de São Paulo não será fácil para ele. Partem do princípio de que o governador João Doria ganhará a legenda do PSDB, precisará deixar o cargo em abril de 2022 e, aí, o candidato dele, o vice Rodrigo Garcia, disputará em outubro sentado na principal cadeira do Bandeirantes. Na aliança com o PT — supondo que a dianteira nas pesquisas seja mantida — chegaria, afinal, ao Planalto como vice-presidente da República.

Em contrapartida, quem tenta atrair Alckmin e afastá-lo da tentação lulista alega que a aliança equivaleria à compra de um terreno na Lua. No campo minado do PT chegando como corpo estranho, seria um vice decorativo. Com a desvantagem de que não teria, como tinha Michel Temer no MDB, o comando de uma sigla forte nas mãos.

Como se vê, há mais dúvidas que certezas nessa que hoje seria uma união marcada pela instabilidade.

Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765

 

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