segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Miguel de Almeida - Uma vez Aécio, sempre Bozo

O Globo

Ao final de “Casablanca”, o chefe da polícia, malandro, sempre jogando a sujeira debaixo do tapete, perpetra:

— Prendam os suspeitos de sempre.

No caso das estranhíssimas votações comandadas pelo coronel Lira, ficaria assim:

— Tragam o Aécio.

Por trás de qualquer malfeitoria, nos últimos anos, haverá a digital do deputado. Depois de se enfurnar tarde da noite no quarto de Joesley Batista, deu para estar enfileirado aos bozofrênicos. Em Minas e no Baixo Leblon, já se afirma:

— De madrugada, todos os gatos miam aecim.

Desta vez, não esteve só. Trouxe junto toda a bancada mineira do PSDB para aninhar-se no colo do coronel Lira e pavimentar a reeleição do Bozo e dos frentistas do Centrão. É de perguntar: que oposição é essa, meu filho? Como são surdos, entenderão se tratar de posição, para esclarecer: de quatro, capitão.

A votação da PEC do Calote (já inesquecível, porque feita por um liberal de Chicago, a escola econômica que matou mais do que Al Capone) evidenciou em quase todos os partidos de oposição a figura do quinta-coluna.

O PT, que vinha numa dobradinha com os bozofrênicos, abriu os olhos e votou em peso contra o calote. Mas o passado condena (esse verbo deve doer nos ouvidos menos moucos) o partido. Difícil eles se emendarem.

O termo quinta-coluna, reza a lenda, surgiu durante a Guerra Civil espanhola, em 1936. Franco atacava numa formação de quatro fileiras — e a quinta (invisível) seria daqueles que diziam apoiar a Constituição, mas, ao fim e ao cabo, estavam ao lado dos golpistas contra a República.

O caso espanhol é simbólico, porque corporifica o quinta-coluna também à esquerda. Então aliado aos trotskistas, Stálin ordenou a morte de seus companheiros de luta. Preferiu matar seguidores do banido Leon Trótski a ver a derrota de Franco. (Entre outros, a história é contada pelo ótimo George Orwell.)

Em tempo presente, é o caso de Aécio: desejoso de derrotar João Doria, faz fileira com Bozo. É uma oposição do tipo branca. Para esconder sua humilhante derrota em Minas diante de Dilma Rousseff, tratou de lançar dúvidas contra as urnas eletrônicas. Tá vendo? Bozo é aecim desde criancinha.

O quinta-coluna de hoje encontra guarida em todos os partidos de oposição. Até numa coisa esdrúxula como o Partido da Causa Operária. Aliás, o PCO é todo um quinta-coluna — saudar a volta do Talibã ao poder, para se opor aos Estados Unidos, é acreditar que o coronel Lira e o Guedes agora querem proteger os pobres ao forjar a PEC do Calote. Como Bozo, também acreditaram ser censura o bloqueio de Trump nas redes sociais.

É que as convicções, no Brasil, são tão vagas quanto as franjas de Eduardo Bananinha. Para ganhar o poder, ou mantê-lo, às favas a coerência ou a honestidade.

Dias atrás, o PT esteve alinhado aos bozofrênicos na tentativa de mudar a composição do Conselho Nacional do Ministério Público. A ideia das duas correntes, numa postura angelical, de quem foge da cadeia, sugeria o Congresso aumentar seu poder no órgão de fiscalização dos promotores.

Quá-quá-quá.

Basta fechar os olhos e imaginar os partidos indicando um sabujo como o senador Luis Carlos Heinze. Como poderia ser o afamado Ricardo Barros, agora também um veemente defensor dos pobres e descamisados.

O problema não são os políticos ou os partidos. Metade da bancada do PSDB defender o voto impresso bozonarista ou os deputados do PT, seguindo a zureta Zambelli, perfilarem na defesa da nova Lei de Improbidade Administrativa, a que dificulta a punição dos políticos, é expressão escarrada e acabada da sociedade contemporânea.

Do mesmo jeito que o Brasil não conhece o Brasil, o Brasil não gosta de se ver no espelho. A ditadura militar não ocorreu apenas por vontade dos generais. Foi um desejo (em passeatas, missas e orações) de parte expressiva da sociedade. Por que os torturadores, aqueles que também matavam, não foram punidos (com beneplácito do STF)? A censura às obras artísticas seguia na mesma linha. Preferiam o “eu te amo, meu Brasil” ao “na barriga da miséria nasci brasileiro”. Era o desejo pelo atraso autoritário tão verde e amarelo.

De outro lado, pode-se dizer que o quadro societário tem piorado com o tempo. Foram escolhas da sociedade. Sempre. Pode-se culpar a educação — antes havia o brigadeiro Eduardo Gomes, hoje há o general Augusto Heleno.

Como se pode culpar a fé nos homens — onde antes houve um Dom Paulo Evaristo Arns hoje há um Silas Malafaia. Junto da Flordelis.

 

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