domingo, 21 de novembro de 2021

Míriam Leitão - Amazônia morre diante de nós

O Globo

Por mais tempo que eu viva, jamais esquecerei o líder indígena Piraima’á, da Aldeia Juriti, falando em tom aflito. “Eles estão matando as árvores, eles estão nos matando.” Foram 745 milhões de árvores que tombaram em um ano para que o número de 13.235 km2 desmatados fosse possível. No governo Bolsonaro foram derrubados um bilhão e novecentos milhões de árvores. Esse é o projeto Bolsonaro. A simbiose entre árvores e gente que eu ouvi do líder indígena, em 2012, explica o Brasil e sua tragédia. O que está ocorrendo não é tolerável. Diante dos nossos olhos Bolsonaro executa o projeto de destruição e morte. Este governo está matando as árvores, ele está nos matando.

Os cálculos de quantas árvores morreram neste ano e neste governo foram feitos por Tasso Azevedo, do MapBiomas. Assim fica mais fácil entender a imensidão da tragédia que vivemos. A informação da alta de 21,9% no desmatamento em um ano foi, além de tudo, ocultada. O mundo viu o ministro do meio ambiente falar manso na COP, como se fosse diferente do seu antecessor e mentor. O presidente voou para as arábias para mentir melhor no meio de ditadores e afirmar que a floresta está intocada.

A Amazônia sangra e morre diante de nossos olhos. E toleramos. Os indígenas têm as suas terras invadidas por garimpeiros que desmatam e contaminam as águas da maior bacia hidrográfica do mundo. E toleramos. O governo mente em nosso nome para o mundo. E toleramos. Dados são escondidos por ministros. E toleramos. Deputados e senadores legalizam o crime dos grileiros, ladrões da terra nossa. E toleramos. As Forças Armadas vão para dentro da floresta, a um alto custo, para combater o desmatamento, e ele cresce. Toleramos.

O projeto de destruição e morte de Jair Bolsonaro se espalha pelo Brasil e fulmina os seres vivos. Diante da pandemia, o presidente trabalhou para espalhar o vírus mortal. Bolsonaro debochou dos mortos e dos doentes. “Maricas”, ele disse. Conspirou contra a vida usando o aparelho do Estado. E toleramos. Políticos corruptos protegem o presidente porque estão na fila para receber o dinheiro dos nossos impostos em nacos do Orçamento através de emendas que legalizam a corrupção.

Para derrubar tanta mata assim em um ano é preciso ser um projeto de governo, ter a cobertura do Congresso em leis que estimulam isso, demolir o aparato estatal de proteção da floresta e dos indígenas, ter a ajuda de um procurador-geral. O Congresso é cúmplice. O Procurador-Geral da República é cúmplice. Os ministros são cúmplices. Os generais são cúmplices. Eles governam o Brasil para o despenhadeiro moral, ambiental, climático e humano.

As empresas pintam de verde as suas propagandas, mas elas estão neste país da morte da floresta. Se são todas sustentáveis, seriam as partes melhores do que o todo? É preciso que se levantem mesmo que seja em defesa de seus próprios negócios contra o governo que nos tira do mundo e transforma o Brasil em criminoso ambiental. Não haverá mercado para os produtos brasileiros. Uso esse argumento porque talvez funcione com o capital brasileiro. A Europa começou na última semana a se fechar para produtos que não estejam livres de desmatamento e degradação da floresta. Os Estados Unidos e a China assinaram um acordo se comprometendo a também seguir o caminho de banir produtos que venham do crime ambiental. O cerco está se fechando, senhores do capital.

As empresas colorem de preto as suas propagandas, fingindo terem em seus quadros de direção pessoas pretas. E não há uma única mulher negra na direção de qualquer empresa grande brasileira. Os homens negros são uma minoria ínfima. Enquanto isso o governo instala dentro do setor público, exatamente no órgão criado para a promoção da maioria discriminada, pessoa capaz de ofender diariamente os pretos e as pretas do Brasil. E toleramos.

A destruição da Amazônia é parte de um projeto muito maior que mata pessoas e sonhos e valores e árvores. Que exclui e regride. A letra da música “Maninha”, de Chico Buarque, tem um verso assim: “Pois hoje só dá erva daninha no chão que ele pisou.” Isso me lembra o atual governo. Meu irmão Cláudio, na ditadura, costumava me consolar cantando essa música. Em outro verso a música diz: “Se lembra do futuro que a gente combinou.” Não podemos esquecer do futuro que a gente combinou, no qual a floresta e seus povos seriam protegidos. Escrevemos isso na Constituição.

 

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