quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Míriam Leitão - Momento errado para a confusão

O Globo

Não existe bom momento para o governo criar mais uma incerteza econômica, mas este é certamente um dos piores. A PEC dos Precatórios, se for confirmada como está, será uma insensatez porque dissolverá limites fiscais. A inflação parcial de novembro que será divulgada hoje manterá o índice acima de 10%. Alguns países da Europa vivem o começo de uma nova onda de Covid, e nos EUA os juros de longo prazo estão subindo, o que fortalece o dólar.

Os governistas abusam do eufemismo. “Espaço fiscal”, “flexibilização da lei de responsabilidade fiscal”, “subteto para os precatórios”. Falemos português claro. O relatório do senador Fernando Bezerra é um ataque triplo ao ordenamento fiscal do país, em nome do qual, é sempre bom que se repita, a ex-presidente Dilma sofreu impeachment. Felizmente alguns senadores tentam ainda um texto alternativo.

A coluna conversou com alguns economistas sobre o contexto econômico do mundo. E o que eles relatam não é tranquilizador. Um deles é o economista-chefe do banco suíço Lombard Odier, Samy Chaar. Ele vive na Suíça e de lá falou sobre a crise global e a inflação.

— Na minha visão, o ano que vem pode ser um pouco melhor, mas o pior momento é agora. O pico é agora. Pelo menos na Europa e nos Estados Unidos. Quando olho para os contêineres, gargalos na produção, semicondutores. Vamos continuar tendo problemas no primeiro semestre, mas estamos vendo o pior momento.

Ele fala do estrangulamento de produção, por falta de componentes, uma das razões da inflação global. Os preços estão em alta no mundo, mas no Brasil sobem mais.
O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, acha que o IPCA-15 a ser divulgado hoje ficará acima de 1% de novo, levando o acumulado de 12 meses para 10,78%. Em dezembro ele espera pequena queda, no acumulado de 12 meses, porque no ano passado dezembro foi 1,35%. De todo modo, 2021 termina com dois dígitos. Um dos motivos é o dólar.

E quanto ao câmbio, é o seguinte. Ele poderia estar bem mais baixo, na opinião de Roberto Padovani, economista-chefe do BV. Ele alerta para o início de um ciclo que pode levar o dólar ainda mais para cima:

— O câmbio deveria estar em R$ 4,70 e está em R$ 5,60. Entre os motivos, a incerteza fiscal e a perda de reputação por mudar a âncora fiscal. Depois que você perde reputação fica mais difícil reconquistar. Ele está descolado dos fundamentos. O Brasil tem a moeda mais desvalorizada e mais instável, e a bolsa também está descolada dos seus pares. Ficamos para trás.

O governo criou incertezas de todos os tipos e essa PEC dos precatórios tem sido um show de improviso. A proposta já começou errada e a cada tentativa de consertar criam-se mais desequilíbrios. Era um calote, depois agregou-se o furo no teto de gastos e agora foi proposta por Bezerra a suspensão da LRF para despesas sociais. Bem que o ministro Paulo Guedes tinha avisado que queria “licença para gastar”. Terá, se essa PEC for aprovada assim.

E justamente agora está começando, alerta Padovani, uma mudança na direção de para onde vai o capital:

— A variável central (da economia global) é o preço dos títulos americanos de dez anos. A isso estamos expostos. Ele está subindo. O cenário é de uma reprecificação nos juros americanos e, portanto, no preço de todos os outros ativos. Por outro lado, temos Áustria, Grécia e Alemanha com novas medidas de lockdown.

Enquanto isso, o Brasil vive um quadro de inflação alta, juros altos, baixo crescimento e incerteza fiscal. Em outras palavras, Samy Chaar entende que apenas a economia brasileira viverá um ano de estagflação em 2022.

—Vamos ter juros muito altos no Brasil, para lidar com a inflação, e isso vai colocar muita pressão na economia. Uma Selic que pode chegar a 11,5% é um nível muito alto para os padrões internacionais. Essa é a principal diferença entre o Brasil, a Europa, Estados Unidos e outros países. Nos outros países, a inflação é um problema, mas não na mesma dimensão — diz.

No Brasil a maneira atrapalhada com que o governo lida com tudo, da política à economia, tem se refletido no dólar e no nível da inflação. Padovani e Samy Chaar acham que se o mundo crescer fortemente no ano que vem há uma boa chance de o Brasil escapar da recessão. E todos os economistas ouvidos sempre dizem que no ano que vem a inflação cairá.

O recado é: o mundo vive novo momento de incertezas, com inflação elevada e juros em alta. O dinheiro vai procurar lugar seguro. Isso tornará mais difícil para o Brasil sair da crise.

 

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