quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Nilson Teixeira* - 2022, mais um ano perdido para o Brasil

Valor Econômico

País ficará mais pobre e terá crescimento diminuto, inflação elevada, juros altos, privilégios mantidos e reformas interrompidas

O crescimento do PIB brasileiro será possivelmente nulo em 2022 - a história mostra que a precisão desse número é baixa, com as probabilidades de quaisquer valores entre uma contração de 1% e uma expansão de 1% muito parecidas. A expectativa de estagnação incorpora ligeira expansão do consumo das famílias, mesmo com a massa salarial real não crescendo de forma significativa nem a taxa de desocupação sendo muito inferior à média de 12% de 2019. O setor externo terá contribuição positiva para o PIB no próximo ano, consequência de menores importações, preços de commodities altos e câmbio mais depreciado. Por outro lado, os investimentos diminuirão frente aos de 2021, prejudicados pela desaceleração global e pela incerteza doméstica gerada por questões relativas às contas públicas, à inflação e às eleições.

Os números fiscais de 2022 não mudarão muito frente aos de 2021, com um déficit primário de cerca de 1% do PIB e uma dívida bruta de 84% do PIB. O Congresso terá de rediscutir as regras fiscais, pois é difícil que a Regra do Teto dos Gastos (RTG) seja cumprida, devido ao reajuste das despesas - quase todas obrigatórias - e à improvável redução da parcela temporária do Auxílio Brasil. Para contrabalançar o redesenho da RTG, o governo poderia impor uma trajetória das metas de resultado primário para alcançar 2,5% do PIB em 2026. O Executivo e o Congresso precisariam optar, nesse caso, por uma combinação de aumento de impostos com corte de despesas e de renúncias tributárias. O debate sobre a diminuição de gastos e subsídios seria desafiador, em função da necessidade de superar a ferrenha oposição de grupos influentes e privilegiados.

A inflação IPCA recuará de cerca de 10% em 2021 para perto de 5% no próximo ano. Essa projeção otimista pressupõe declínio da inflação de administrados acumulada em 12 meses de 17% em setembro para cerca de 4% em 2022. Isso exigiria que a alta do preço da gasolina diminuísse para menos de 10%, após acumular 40% neste ano, e que a tarifa de energia elétrica residencial encolhesse 10%, depois de aumentar quase 30% em 12 meses.

Desde 2000, a inflação IPCA nunca recuou entre dois anos mais do que os 4,4 pontos percentuais (pp) observados entre 2015 e 2016 - o alento é que os núcleos diminuíram em várias ocasiões mais do que a redução prevista para 2022 de 2 pp. Por consequência, a probabilidade de a inflação superar a projeção de IPCA é considerável, dada sua permanência acima de 9% do último julho até provavelmente abril de 2022, em um ambiente de alta de preços na maioria dos países muito acima de suas metas até meados de 2022. O declínio da inflação nessa magnitude requer que: sua persistência não tenha crescido muito, mesmo com uma forte e disseminada elevação de preços; não haja majoração significativa dos preços de commodities; e ocorra uma rápida solução para os gargalos nas cadeias de suprimentos, ao contrário do previsto pela maioria das empresas.

A piora dos fundamentos é compatível com uma projeção de taxa neutra de juros acima dos otimistas 3% do Banco Central. A deterioração fiscal e as projeções de atividade e de inflação exigem uma taxa Selic por volta de 11% em maio de 2022 e sua estabilidade nesse patamar até o fim do ano. Isso corresponderia a um aperto monetário de 900 ponto básicos. Não obstante, a curva de juros chegou a embutir uma Selic de 14% no fim de maio.

Os modelos sugerem que, na ausência de novos choques de oferta desfavoráveis, um ciclo de 1200 pb garantiria uma inflação mais perto do centro da meta de 3,5%. No entanto, esse aperto agregaria volatilidade indesejável, provocando maior recessão em 2022 e inflação abaixo da meta de 3,25% em 2023. Nesse caso, uma reversão do ciclo monetário poderia ser necessária já no 4º trimestre do próximo ano.

Apesar de os exercícios econométricos sinalizarem que o real está depreciado em relação ao dólar e à cesta de moedas ponderada pela corrente de comércio, o desgaste nos fundamentos domésticos e a incerteza em várias frentes podem contribuir para uma taxa de câmbio ainda mais depreciada - média de R$ 5,90/US$ em 2022. Nesse contexto, o Banco Central poderá instituir programas de oferta de swaps cambiais e de dólares no mercado à vista.

O déficit em transações correntes tende a diminuir para 1,5% do PIB em 2022, em função dos efeitos nas contas do balanço de pagamentos advindos do menor crescimento, dos preços de commodities favoráveis, dos maiores juros, da taxa de câmbio depreciada e da maior abertura dos países para viagens internacionais. O resultado é que o superávit comercial aumentará um pouco mais do que o déficit das contas de rendas e serviços. Ademais, o fluxo de investimentos diretos continuará alto em 2022, em linha com o cenário ainda favorável nos países centrais e da continuidade do crescimento do consumo das famílias.

Apesar da sua urgência, as propostas de reformas estruturais não avançarão em 2022. Esse cenário não é de todo mal, pois as mudanças não seriam relevantes em termos de cortes de privilégios, dado o receio dos políticos de penalizar segmentos influentes antes das eleições. Por outro lado, isso eleva a chance de propostas de reforma mais substanciais serem aprovadas em 2023.

A vitória do ex-presidente Lula, em uma disputa polarizada contra o presidente Bolsonaro, é hoje o cenário mais provável. É baixa a probabilidade de surgimento de um candidato popular e forte o suficiente para aglutinar eleitores do centro-esquerda à centro-direita que rejeitem os dois candidatos favoritos. Até porque Bolsonaro e Lula migrarão suas plataformas para posições mais condizentes com o perfil do centro, reduzindo o espaço para uma eventual 3ª via.

Em suma, tudo indica que será mais um ano perdido para o Brasil. O país ficará mais pobre e terá crescimento diminuto, inflação elevada, juros altos, moeda mais depreciada, privilégios mantidos e reformas interrompidas.

*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos

 

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