sábado, 27 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Mais uma variante

Folha de S. Paulo

Nova cepa do vírus gera temores no mundo; Bolsonaro reage com presteza incomum

O mundo estava preocupado com a nova onda de infecções por Covid-19 na Europa, com a persistente disseminação do vírus nos EUA e com as baixíssimas taxas de vacinação em países mais pobres.

Agora vê a possibilidade de que esses surtos espalhem uma nova variante do patógeno, identificada no sul da África e que já circula por Europa, leste da Ásia e Oriente Médio. Governos já bloqueiam voos de países africanos, e os temores afetam os mercados.

No Brasil, o governo Jair Bolsonaro reagiu com presteza incomum. O Ministério da Saúde emitiu um alerta sobre a cepa e recomendou o uso de máscaras; anunciou-se que será proibida a entrada de viajantes que tenham estado em seis países africanos; o mandatário ainda achou tempo para criticar a realização do Carnaval, um novo cavalo de batalha de seus seguidores.

Bolsonaro, como se sabe, nunca esteve preocupado com providências de contenção da epidemia. Pouco antes de o mundo saber da nova mutação do coronavírus, cobrava a reabertura das fronteiras terrestres do país.

Seu ministro da Justiça, Anderson Torres, discordava da exigência de certificados de vacinação para viajantes que pretendem entrar no país, recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o argumento precário do ministro, a vacina "não impede a transmissão".

Vacinas não impedem a transmissão, mas diminuem de modo relevante a probabilidade de infecção. Bloquear voos vindos de países em que a epidemia é preocupante tampouco é barreira forte. Trata-se de contenção de danos.

O fato de o Brasil não exigir certificados de vacinação ou quarentenas de viajantes provoca uma espécie de seleção adversa. Pessoas que não se vacinaram, barradas em portos e aeroportos de outras nações, podem escolher o território brasileiro como destino.

Note-se ainda que a prova de vacinação é exigida de brasileiros que pretendem entrar nos EUA e na Europa, por exemplo.

Passaportes, bloqueios e quarentenas ajudam a filtrar uma possível invasão de vírus, não importa se oriundos de países com novas ou velhas versões do patógeno.

No momento, não há outros meios de diminuir a entrada de novas infecções, nem de saber, aliás, se a nova variante é mais transmissível ou letal e se despista os imunizantes. O alarme geral sobre outras cepas já se mostrou injustificado, mas a prudência se impõe.

Quanto ao mais, é preciso completar logo a vacinação, estudar a imunização de crianças e não descurar da prevenção. Máscaras devem ser exigidas em lugares fechados ou de aglomeração evidente.

Em várias cidades, não é ou em breve não será obrigatório seu uso em locais abertos. Mas tal medida deve ser comunicada com cuidado. Não pode ser sinal de que a epidemia estava perto do fim, o que seria um estímulo ao relaxamento.

Rusgas com Macron

Folha de S. Paulo

Bolsonaro e presidente francês mantêm embate que os valoriza ante suas plateias

Em julho de 2019, uma descortesia diplomática do presidente Jair Bolsonaro deu início a um embate, que se prolonga, com seu homólogo francês, Emmanuel Macron.

Na ocasião, alegando problemas na agenda, o brasileiro cancelou na última hora um encontro com o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, então em visita ao país.

A indelicadeza se converteu em grosseria, porém, quando o mandatário apareceu pouco depois do horário da reunião cortando o cabelo numa transmissão pela internet.

A oportunidade para a desforra de Macron veio um mês mais tarde, no momento em que as queimadas na Amazônia ganharam a atenção do planeta. O francês vestiu a roupa de líder sensível à causa ambiental e buscou capitalizar a crise, levando o assunto ao encontro do G7, do qual ele era anfitrião.

Dedicado a alimentar a altercação com Bolsonaro, Macron incorreu em conjecturas disparatadas sobre um estatuto internacional para a região amazônica, as quais só serviram para fomentar a paranoia nacionalista do Planalto.

A rixa ganhou tons de baixaria. Bolsonaro endossou nas redes sociais um comentário ofensivo sobre a aparência da mulher de Macron, posteriormente replicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O mandatário francês retorquiu, afirmando que esperava que os brasileiros "tivessem logo um presidente à altura do cargo".

Neste mês, a contenda conheceu novo round. Em Paris, Macron armou uma recepção de gala ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com direito a honrarias inusuais para uma visita não oficial. O gesto deu ao giro europeu do petista ares de triunfo diplomático e ensejou comparações com a viagem de Bolsonaro ao Oriente Médio.

O brasileiro acusou o golpe. "Parece uma provocação", disse. Completando o cortejo a desafetos de Bolsonaro, o governo francês entregou sua mais importante comenda ao senador da oposição Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).

Por trás do confronto transatlântico, nota-se que tanto Bolsonaro como Macron miram, na realidade, suas plateias domésticas. Dissipada a espuma produzida por rusgas e desfeitas, o que remanesce é a racionalidade do cálculo político.

Não é hora de brincadeira

O Estado de S. Paulo

Mutações virais são dados da natureza. O que impressiona é a negligência, a despeito do conhecimento já produzido sobre o coronavírus e da dor que o patógeno já causou

À vista de todos que se dispõem a enxergá-los, os fatos acabam com as ilusões de quem acredita que a pandemia de covid-19 é uma tragédia superada. O mundo está diante da ameaça de uma nova onda de infecções pelo coronavírus e é extremamente importante que cada indivíduo mantenha o máximo de cuidado a fim de evitar o pior. A esta altura, todos sabem o que deve ser feito.

Há poucos dias, cientistas identificaram na África do Sul uma variante do Sars-cov-2, chamada B.1.1.529, que pode ser mais transmissível do que as cepas já identificadas e até mesmo resistente às vacinas disponíveis no momento. A Pfizer já iniciou testes de eficácia de seu imunizante contra a nova variante. Outros laboratórios devem seguir o mesmo caminho. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que “levará semanas” até que os riscos da B.1.1.529 sejam plenamente conhecidos.

Em primeiro lugar, o surgimento de uma nova e ameaçadora variante do coronavírus não deve surpreender ninguém. Mutações virais são dados da natureza. O que impressiona, portanto, não é a biologia, mas a incompreensão humana e a reiterada negligência, a despeito de todo o conhecimento já produzido sobre o vírus e, principalmente, de toda a dor que o patógeno já causou.

Por definição, uma pandemia desconhece fronteiras geográficas. Seu fim depende fundamentalmente da soma de esforços entre países. A brutal desigualdade na distribuição de vacinas abriu flancos para que o coronavírus seguisse circulando livremente entre populações de países mais pobres, menos imunizadas. A isso se soma o individualismo de muitos cidadãos que têm fácil acesso às vacinas em países ricos ou de renda média, mas que simplesmente se recusam a recebê-las por uma série de razões, quase todas egoístas. Combinados, esses dois fatores facilitam muito o ciclo natural do coronavírus.

Mas a realidade se impõe. Fruto da iniquidade na distribuição de vacinas ou da irresponsabilidade dos que podem, mas não querem recebê-las, o mundo agora tem de lidar com a nova ameaça. Mercados globais entraram no “modo pânico” diante da incerteza do que vem pela frente. Novos fechamentos serão determinados por governos mundo afora? Haverá mais pressão sobre os sistemas de saúde, mal saídos do maior teste de estresse da história recente? Ninguém sabe.

Esse quadro de incerteza global provocado pela nova variante do coronavírus deveria levar o governo federal a adotar medidas de precaução para proteger a saúde e a vida dos brasileiros. Para isso, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro precisaria ser outra pessoa, alguém mais cioso de suas responsabilidades como chefe de Estado e de governo, e não este homem desprovido de quaisquer atributos técnicos e morais para estar no cargo que ocupa. A apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada, Bolsonaro se limitou a dizer que os brasileiros “têm de aprender a conviver com o vírus”.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) cumpriu o seu papel e recomendou o fechamento imediato das fronteiras brasileiras para viajantes não vacinados e para qualquer pessoa que chegue da África do Sul e mais cinco países do continente africano. O governo federal é contra a medida, sabe-se lá por que razões. Científicas não são.

Contrário à exigência de certificado de vacinação para estrangeiros que vêm ao Brasil, na trilha do negacionismo de seu chefe, o ministro da Justiça, Anderson Torres, chegou a afirmar que “vacinas não impedem a transmissão da doença”. Do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, não se ouviu nem um pio. É esse o grau de pusilanimidade e subserviência de dois dos mais importantes ministros de um governo que fez do descaso uma política pública.

A diretora-geral assistente da OMS, Mariângela Simão, afirmou que “o mundo vive o começo de uma quarta onda de covid-19”. O País foi citado no alerta. “São preocupantes as discussões sobre a abertura do carnaval no Brasil, condição extremamente propícia para o aumento da transmissão comunitária do vírus”, disse a diretora da OMS.

Do governo Bolsonaro não se espera nada. Só a responsabilidade dos cidadãos e dos governos subnacionais pode evitar que o Brasil experimente os horrores de um recrudescimento da pandemia.

Artimanhas para controlar o Supremo

O Estado de S. Paulo

Três semanas após o STF ter suspendido o orçamento secreto, a CCJ da Câmara aprova duas PECS casuísticas para tentar controlar a cúpula da Justiça

Por 35 votos contra 24, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz de 75 para 70 anos a idade de aposentadoria compulsória dos ministros dos tribunais superiores. Embora ainda tenha de percorrer um longo caminho até ser votada pelo plenário e, também, de passar pelo Senado, a mudança, se for aprovada em 2022, obrigará os ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber a deixarem o Supremo Tribunal Federal (STF), o que permitirá ao presidente Jair Bolsonaro fazer mais duas indicações no final de seu mandato.

A PEC foi apresentada no início do governo Bolsonaro pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) e estava esquecida num dos escaninhos da CCJ, da qual ela é presidente. Foi desengavetada três semanas após o STF ter proibido o pagamento das chamadas emendas de relator, coração do “orçamento secreto”, ardil que permite o repasse de recursos da União a aliados do governo em troca de sua fidelidade nas votações do Congresso.

Para assegurar a aprovação dessa PEC, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também vinculado a Bolsonaro, atrasou o início da sessão de plenário, para esperar o término da votação na CCJ. Pelo regimento da Casa, quando a sessão de plenário começa, as sessões das comissões técnicas são suspensas. Uma das razões que levaram a CCJ a encerrar mais tarde seus trabalhos foi a aprovação, juntamente com a proposta de redução da idade máxima de aposentadoria da magistratura, de uma outra PEC, que amplia de 65 para 70 anos a idade máxima para a indicação de ministros das instâncias superiores da Justiça.

Embora pareça contraditória com a primeira PEC, na prática a segunda PEC permite a entrada no STF, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Tribunal Superior do Trabalho e nos Tribunais Regionais Federais de magistrados que não poderiam ser promovidos pelas regras em vigor. E, em alguns desses tribunais, especialmente no STJ, tanto o governo quanto os próprios filhos do presidente Bolsonaro atualmente são partes de ações em tramitação – uma delas trata do caso das “rachadinhas” e envolve o primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro.

Ao justificar a defesa da redução de idade da aposentadoria compulsória dos ministros dos tribunais superiores, os deputados bolsonaristas alegaram que a rotatividade na cúpula do Judiciário ficou muito baixa após a entrada em vigor da chamada PEC da Bengala. Trata-se de uma formidável mudança de posição, considerandose que a PEC da Bengala, aprovada em 2015, foi aprovada com o voto do então deputado Jair Bolsonaro, na época muito interessado em impedir que a então presidente Dilma Rousseff nomeasse cinco ministros em seu segundo mandato, o que lhe permitiria ter maioria confortável no STF.

Assim, do mesmo modo que a PEC da Bengala não passou de uma manobra da oposição para impedir o controle do STF pelo governo Dilma, as duas PECS aprovadas pela CCJ também não passam de um duplo casuísmo para que Bolsonaro possa ter maior influência nos tribunais superiores. No caso do STF, caso consiga se reeleger, o presidente poderá indicar mais três ministros no segundo mandato. Como já indicou dois nomes, um dos quais espera a aprovação do Senado, e ainda poderá indicar mais dois até o final de 2022, caso a PEC seja aprovada, ele terá nomeado 7 dos 11 membros do STF. O próprio presidente já falou sobre isso a seus apoiadores, no cercadinho do Alvorada.

Países como Itália, França e Espanha estabelecem mandatos para suas cortes supremas. Nos Estados Unidos, não há limite de idade. A Alemanha combina os dois critérios – o mandato é de 11 anos, mas com idade limite de 68 anos. Já no Brasil, as idades de entrada e de permanência de ministros dos tribunais superiores jamais foram discutidas com base em critérios institucionais. Pelo contrário, sempre foram decididas por meio de manobras legislativas, que atendem a interesses pouco republicanos.

 

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